Descrição de chapéu The New York Times

Como uma ilha caribenha lucra com um domínio registrado na internet

Startups procuram endereços de internet incomuns para ajudá-las a se destacar; o da ilha de Anguilla é um dos favoritos das empresas de inteligência artificial

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Steve Lohr
Nova York | The New York Times

Resorts de luxo em praias serenas de areia branca foram por muito tempo o sustentáculo da economia de Anguilla, um minúsculo território britânico no Caribe.

Mas a ilha também é a afortunada beneficiária financeira de duas tendências quentes na tecnologia: a inteligência artificial (conhecida em inglês pela sigla AI) e os endereços especiais de internet.

Anguilla é a anfitriã dos endereços de internet que terminam pelo sufixo .ai —e eles se tornaram propriedades valiosas, subitamente. A cada vez que um endereço .ai é registrado ou renovado —por startups de inteligência artificial ou por especuladores que esperam revender esses nomes a grandes empresas, startups ou investidores—, a ilha recolhe uma taxa anual de US$ 50 (R$ 212), destinada principalmente ao caixa do governo.

As taxas geraram US$ 2,9 milhões (R$ 12,3 milhões) em 2018, o período mais recente para o qual há números oficiais, ou quase tanto quanto os salários combinados dos 127 professores, assistentes e administradores das escolas primárias públicas da ilha. A receita voltou a subir acentuadamente no ano passado.

Vista da ilha de Anguilla, no Caribe - Eric Rojas/The New York Times

“Virou uma verdadeira bola de neve”, disse Vincent Cate, que administra o registro de endereços .ai, de um escritório não muito longe do mar.

Anguilla deve sua sorte ao mercado de endereços de internet, grande mas obscuro e muitas vezes excêntrico. Startups parecem cada vez mais dispostas a adotar endereços de internet incomuns, ou sufixos de domínio como .ai, a fim de se destacar.

Há a WT.social, uma rede social criada no ano passado por Jimmy Wales, um fundador da Wikipedia. A BenevolentAI, uma startup de desenvolvimento de remédios que arrecadou US$ 290 milhões (R$ 1,2 bilhões) em capital, com o endereço benevolente.ai. O Compound, um mercado de empréstimos em criptomoedas que conta com investidores proeminentes, usa o endereço compound.finance.

O mercado de endereços de internet se tornou atraente até mesmo para grandes investidores. Uma companhia de capital privado em 2018 adquiriu a Donuts Inc., empresa com direitos sobre mais de 240 sufixos de domínio mais novos, como .technology, e .engineering.

Outro grupo de capital privado apresentou um lance pelos direitos sobre o sufixo de domínio .org, usado principalmente por organizações sem fins lucrativos, oferecendo mais de US$ 1 bilhão (R$ 4,2 bilhões) e gerando uma controvérsia sobre se o domínio deveria ser controlado por ume empresa com fins lucrativos. E o grupo de investimento Berkshire Hathaway, comandado por Warren Buffett, é o maior acionista da Verisign, a companhia de registro que administra o sufixo de domínio .com.

“O Domain Names System é parte importante do encanamento da internet e se tornou um grande negócio”, disse Matthew Zook, professor da Universidade do Kentucky que estuda o setor há anos. As taxas anuais de registro e renovação de nomes de domínio, sozinhas, movimentam quase US$ 4 bilhões (R$ 16,9 bilhões), ele estima.

Em certa medida, serviços de busca com o Google, redes sociais como o Facebook e apps como a Uber diminuíram a importância dos nomes de domínio como forma de as pessoas navegarem online. Os dias em que se mover pela internet significava digitar cuidadosamente um endereço no navegador se tornaram em geral coisa do passado.

Vincent Cate, responsável por administrar o registro .ai da ilha de Anguilla - Eric Rojas/The New York Times

Mas os nomes continuam importantes como identificadores e marcas digitais. São divulgados o tempo todo na publicidade, e mencionados por políticos. Mas no ano passado, 33% das startups adotaram nomes de domínio com sufixos diferentes de .com, mais que o dobro da porcentagem encontrada cinco anos antes, de acordo com uma análise realizada pela Brex, que oferece cartões de crédito a empresas iniciantes.

A Covariant.ai, uma startup que desenvolve software que permite que robôs se adaptem ao ambiente que os cerca, estudou brevemente nomes de domínio .com, quando foi criada em 2017. Mas Peter Chen, um de seus fundadores, disse que não havia nomes apropriados disponíveis a preço acessível.

Além disso, disse Chen, “somos uma companhia de inteligência artificial, e um sufixo .ai nos dá a marca, significado e simbolismo que desejamos. É claramente melhor que do que .com”. E assim surgiu a Covariant.ai.

O ramo dos nomes de domínio atual é um legado de opções políticas feitas pelo governo de Bill Clinton no final da década de 1990. O objetivo era permitir que uma tecnologia jovem e promissora florescesse, livre de regras e impostos que pudessem prejudicar a inovação e o investimento.

Em 1998, o governo dos Estados Unidos liderou a criação da Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (Icann), uma organização sem fins lucrativos que supervisiona o sistema de nomes de domínio. A Icann se descreve como uma “comunidade organizada de baixo para cima”, que não regula preços ou policia o conteúdo online.

Retrato de Peter Chen; ele usa óculos e veste uma camisa listrada na vertical nas cores branco, preto e dourado
Peter Chen, fundador da Covariant, startup de desenvolvimento de software - Robert Riege/The New York Times

Número relativamente pequeno dos sufixos de domínio mais conhecidos, como .com e .org, data da década de 1980. Quando a Icann foi criada, começou a supervisionar os domínios já existentes e os sufixos de domínio geográficos como .ca para o Canadá, .de para a Alemanha e, é claro, ;ai para Anguilla.

À medida que a internet crescia, a Icann criava mais imóveis digitais, alargando o mercado de nomes de domínio. Cerca de 1,2 mil novos sufixos de domínio de primeiro nível —as letras que aparecem imediatamente à direita do ponto, nos endereços de internet— foram aprovados pela Icann e começam a operar nos últimos anos.

 

Não existe maneira de rastrear exatamente quantos nomes de domínio estão em uso, mas especialistas estimam que menos de metade deles sejam endereços de sites ou de email. Grandes companhias compram milhares de endereços para cobrir variações de seus nomes ou marcas, a fim de impedir operadores ilícitos de usá-los. E especuladores detêm os direitos sobre milhões de nomes de domínio, esperando revendê-los com grande lucro.

Os preços de revenda variam de alguns milhares a milhões de dólares. No ano passado, o nome de domínio voice.com foi vendido por US$ 30 milhões (R$ 127,3 milhões) à Block.one, uma startup que está criando uma rede de mídia social chamada Voice.

Serkan Plantino, antigo diretor de pesquisa de inteligência artificial no Facebook, considerou comprar um endereço .com ao criar sua startup, a Spell, em 2017.Mas optou em lugar disso por spell.run.

O software que a Spell desenvolve ajuda desenvolvedores a criar produtos com tecnologia de aprendizado por máquina. E “spell run” é o comando que usuários digitam para subir seus códigos para a nuvem da Spell.

Dock na ilha britânica Anguilla, no Caribe
Dock na ilha britânica Anguilla, no Caribe - The New York Times

“O nome não é apenas uma marca, mas uma descrição daquilo que oferecemos”, disse Plantino.
O sufixo de domínio .run foi uma das opções criadas nos últimos anos. É propriedade da Donuts, uma empresa de registro que arrecadou US$ 100 milhões em capital a fim de bancar um esforço agressivo de controle de novos nomes de internet. Nos últimos cinco anos, o número de companhias e investidores que utilizam nomes de domínio administrados pela Donuts mais que triplicou, para 4,5 milhões.

“Essas propriedades se tornarão mais e mais valiosas, à medida que o mundo online cresce, disse Akram Atallah, presidente-executivo da Donuts.

A Icann está começando a trabalhar em um novo programa de expansão, um processo gradual que vai gerar ainda mais imóveis online dentro de alguns anos.

“A ideia é criar mais valor e mais escolhas para mais pessoas”, disse Cyrus Namazi, vice-presidente sênior da divisão mundial de domínios da Icann. “A internet ainda é muito jovem, em relação a outras tecnologias que mudaram a vida, e ainda não chegou ao seu limite”.

Não está claro se uma oferta maior significará demanda maior. Um excesso de escolhas pode ser contraproducente, dizem os economistas, e levar os consumidores a escolher aquilo que já conhecem e em que confiam.

Mas as preferências dos consumidores mudam, é claro. Por anos, o sufixo .ai foi um bairro sossegado, operado como trabalho paralelo por Cate, um cientista da computação que se radicou em Anguilla e mais tarde se naturalizou.

Mas quando surgiu a onda mundial de investimento em inteligência artificial, a demanda por endereços com esse sufixo disparou. Para cuidar dessa carga adicional de trabalho e comercializar os nomes .ai, ele se voltou ao varejo de nomes de domínio, empresas como a GoDaddy e a 101domain. Elas agora revendem os nomes .ai.

Cate ainda assim tem muito trabalho a fazer. Ele planeja se mudar para um novo local, com mais espaço para computadores e cabeamento subterrâneo mais robusto para conexão com a internet, como proteção em uma região sujeita a furacões. E ainda se espanta com a riqueza que o sufixo .ai traz para a ilha.
“Por anos, não foi grande coisa”, ele disse. “Não era um negócio comercial, de jeito algum”.

Tradução de Paulo Migliacci

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.