Empresa precisa defender imagem do país para fazer negócio na UE, diz executivo

Ex-vice da Nike no continente diz que governo avançou em acordo com bloco, mas setor privado também precisa dialogar para estabelecer ponte

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Bruxelas

A imagem do Brasil na Europa piorou nos últimos anos, e quem quiser fazer negócios no bloco de 512 milhões de consumidores e PIB de € 15,9 trilhões (cerca de R$ 76 trilhões) precisa contar sua versão da história, diz Guilherme Athia, ex-vice-presidente da Nike que coordena o programa latino-americano da Academia Diplomática de Bruxelas.

Para Athia, o atual governo obteve um trunfo no acordo entre UE e Mercosul (anunciado em junho de 2019 e à espera de assinatura e aprovação pelos países), mas é preciso “mobilização das partes interessadas”. “Nem é necessária uma grande campanha. A cultura europeia é de sentar à mesa com quem realmente interessa e ir a fundo na conversa”, diz ele.

A reação não deveria demorar, “porque, quando só um lado fala por muito tempo, fica cada vez mais difícil alterar a opinião formada”. 

foto do executivo sentando, de pernas cruzadas, segurando os óculos
O diretor do programa latino-americano da Academia Diplomática de Bruxelas, Guilherme Athia - Divulgação

Desde o final de 2019, desmates e queimadas na Amazônia têm sido assunto de políticos e encontros empresariais europeus. Em janeiro, no Fórum Mundial de Davos, o ministro da Economia, Paulo Guedes, assumiu a tarefa de convencer investidores de que o Brasil está agindo para defender o ambiente.

No último dia 7, porém, jornais como o britânico Guardian e o espanhol El País publicaram manifesto assinado por 2.000 pessoas (entre elas Chico Buarque, Caetano Veloso, Sebastião Salgado, Arnaldo Antunes) que diz que o atual governo representa risco para a democracia e volta a tocar no tema do desmatamento.

Athia afirma que políticas ambientais já entraram nas prioridades das maiores empresas globais, porque vão mudar as regras do jogo nos próximos cinco anos. “Não faz sentido incluir o ambiente na polarização esquerda - direita”, diz.

Na capital da União Europeia desde 2014, o brasileiro organizou também uma ONG para apoiar a gestão de entidades sem fins lucraticos e comanda a consultoria Atlantico, com clientes brasileiros que exportam para a Europa e europeus que investem no Brasil. Neste ano, segundo ele, governança das agências reguladoras e o avanço das reformas liberais têm sido as principais questões de potenciais investidores.

A União Europeia é a segunda maior compradora de bens brasileiros (cerca de 16% em 2019), atrás da China, e vêm do bloco 18%  do que o Brasil importa, principalmente veículos, máquinas e produtos farmacêuticos e químicos . O continente é o maior investidor direto no país, com estoque de US$ 738 bilhões (R$ 3 tri) em 2018 (critério de investidor imediato do BC).

A academia diplomática prevê para abril em Bruxelas um seminário sobre como fazer negócios no Brasil.

O sr. acompanha há seis anos investidores europeus interessados no Brasil. Algo mudou no período? A imagem do Brasil se transformou, infelizmente de forma negativa. No governo Lula havia a imagem de um presidente vindo do povo, pobre, legítimo. Com o impeachment e a prisão dele, a história contada aqui foi diferente. Metade do Brasil entendeu os casos como consequências regulatórias e jurídicas de um processo de investigação, mas aqui isso não foi comunicado.

Afeta negócios? Consumidores leem o jornal tanto quanto deputados, senadores e primeiros-ministros. No final do dia, compram produtos e podem fazer suas escolhas só com um lado da história. No Brasil, escuto: “Olha como somos verdes, corretos”. Quase todo dia recebo um vídeo com o comentário “Isso não se fala lá fora”. Mas quem é que tem que falar lá fora? 

Falta comunicação do governo? Das empresas? O governo tem o mérito de ter concluído o acordo UE - Mercosul. Já é fantástico, depois de 20 anos. Agora é preciso mobilizar todas as partes. 

Os que querem fazer negócios não estão aqui falando. As grandes empresas que importam e exportam não estão falando. E nem é necessária uma grande campanha. A cultura europeia valoriza mesas redondas: sentar com quem interessa e ir a fundo na conversa. O diálogo precisa ser construído e mantido. Você pode ter suas razões, mas, se não sentar à mesa e escutar, não estabelece a ponte. 

Falta interesse? Acho que vai haver, e espero que seja em breve. Porque, quando só um lado fala por muito tempo, fica cada vez mais difícil balancear ou alterar a opinião formada. O tempo é uma equação importante nesse assunto.

O clima de animosidade criado na crise das queimadas subsiste? Foi reduzido, mas quem era contra o acordo aproveitou o vácuo e comentários infelizes feitos no Brasil. E o que se fala também tem efeitos práticos.

O Brasil vai bem na administração econômica, as instituições funcionam. Se fez um bom trabalho, que divulgue. O “blaming game” de ficar dizendo “ah, você também destruiu suas florestas” não é construtivo. 

É preciso conversa serena, baseada em fatos, ouvindo, respondendo e fazendo suas questões e colocações.

Faz sentido tratar a questão ambiental como política de esquerda? Nenhum. [O primeiro-ministro conservador britânico] Boris Johnson tem a ambição de fazer neste ano a melhor conferência do clima desde a Rio 92. O Green Deal [regulação em discussão na UE] está vindo do Conselho e da Comissão Europeia, de centro ou centro-direita. Grandes entidades empresariais, multinacionais na casa dos bilhões de euros, consideram o acordo uma das prioridades dos próximos cinco anos, porque vai mudar a regra do jogo.

Quais as principais dúvidas dos interessados em investir no Brasil? Neste ano, fui chamado para falar sobre governança das agências reguladoras, que tem profundo impacto. Quanto tempo leva a aprovação de um novo medicamento ou produto de consumo? Uma operação aérea ou logística? Houve evolução grande nas agências, a Anvisa teve um avanço gigantesco. Depende do caso, mas algumas estão no nível das melhores do mundo.

Também queriam saber se as reformas liberais poderiam ser prejudicadas pelas eleições municipais. Ainda é cedo, mas acredito que não.

Complexidade tributária é um dos gargalos do ambiente de negócios brasileiro. A demora na reforma tributária preocupa? Não vejo preocupação. As regras do jogo hoje são conhecidas e cumpridas, e a partir daí cada investidor calcula seu retorno sobre investimento. Se houver reforma, não vai reduzir ganhos.

Há quem avalie que o maior impacto do acordo Mercosul - União Europeia é expor a indústria nacional à competição, talvez com ganho de eficiência. Concorda? Cada cadeia vai ser afetada de forma diferente. Mas todo acordo comercial gera uma estrutura de garantia, e é isso que é importante. A experiência brasileira no comércio internacional é recente, você conta nos dedos das mãos as empresas com essa experiência. Nós exportávamos via grandes traders.

A indústria nacional ia para a fila do Mdic [extinto ministério de indústria e comércio] pedir proteção. Agora nem existe mais o Mdic. Vamos para o Ministério da Economia discutir cadeias transversais, cadeias globais. A antiga posição de defesa não dá mais. Não tem mais espaço. 

RAIO-X

Guilherme Athia, 55

Formação: mestrado em marketing (ESPM) e relações internacionais (Fletcher School); especialização em União Europeia (Insead -Instituto Europeu de Administração de Empresas)  

Carreira: diretor da Renault Nissan (1998-2001) e da Philip Morris Brasil (2007-2009), vice-presidente de relações públicas e governamentais da Nike para Europa, Oriente Médio e África (2009-2018), coordenador do programa latino-americano da Academia Diplomática de Bruxelas, presidente da consultoria Atlantico​

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