Entenda como o 'futuro presidente' do Santander nunca foi contratado

Troca de mensagens entre executivos revela que promoção era baseada em 'falsas suposições'

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Pamela Barbaglia Rachel Armstrong Alessandra Galloni
Londres | Reuters

Em setembro de 2018, o banco Santander, um dos maiores da Europa, postou no Twitter um vídeo que mostrava seu futuro presidente-executivo, um financista italiano chamado Andrea Orcel. Mostrado em uma reunião com a dona do banco, Ana Botín, o executivo italiano, de cabelos grisalhos, gesticulava vigorosamente, cortando o ar com uma das mãos.

Pouco meses depois, o banco gravou um novo vídeo, dirigido a investidores e à mídia, gravado em sua sede em Madri. Nele, Botín, a líder de uma dinastia bancária que já dura 150 anos, aparece comunicando ter retirado a oferta do posto a Orcel porque a remuneração dele seria alta demais para o banco, de acordo com duas pessoas diretamente informadas sobre a sequência. O vídeo mostra Orcel aparentemente concordando com a decisão.

O segundo vídeo jamais foi divulgado; e o executivo italiano agora afirma ter sido enganado. O rompimento que se seguiu à reunião se tornou uma das disputas trabalhistas mais amargas e de maior destaque na história financeira recente da Europa, resultando em um processo que será julgado dentro de alguns meses por um tribunal civil da Espanha.

O relato sobre o choque entre Botín e Orcel que fazemos abaixo, o mais abrangente já apresentado, oferece um raro vislumbre sobre o escalão mais alto de um dos maiores bancos do planeta, uma empresa sob controle familiar e com uma cultura toda sua. Também é uma história de como, uma década depois que os banqueiros foram culpados por uma crise financeira que paralisou o mundo, as realidades da austeridade demoram a se estabelecer.

O banqueiro Andrea Orcel - Olivia Harris - 9.jan.2013/Reuters

Em maio, Orcel abriu um processo contra o Santander, exigindo que o banco honre sua oferta de emprego ou lhe pague uma indenização de 112 milhões de euros (US$ 123 milhões) –o equivalente a cerca de 1% do lucro da instituição em 2018.

No processo, Orcel afirma que uma carta que estabelece sua remuneração equivale a um contrato legalmente válido, e que o vídeo que o mostra aceitando a retirada da proposta foi gravado sob falsos pretextos, de acordo com documentos que ele submeteu ao tribunal. Em resposta, o Santander afirmou que, nos termos da lei espanhola, uma carta de oferta não equivale a um contrato, e que o comportamento de Orcel durante as negociações fez com que o banco perdesse a confiança nele.

O que quer que o tribunal venha a decidir, há amplas provas –mensagens de texto e online entre os dois e seus familiares, trechos de documentos judiciais e entrevistas com oito pessoas envolvidas– para demonstrar de que maneira um relacionamento antes caloroso foi se corroendo aos poucos.

As mensagens –algumas publicadas aqui pela primeira vez– sugerem que o processo de contratação para um dos cargos financeiros mais importantes da Europa saiu dos trilhos em parte porque velhos laços entre pessoas poderosas resultaram em falsas suposições e garantias apressadas.

Ana Botín, 59, é uma banqueira veterana indicada como presidente executiva do conselho do grupo em sucessão a seu pai Emilio, morto em 2014, um patriarca lendário que transformou o Santander em uma empresa de alcance mundial por meio de aquisições astutas.

Orcel, 56, um financista altamente respeitado que, de acordo com algumas fontes, parece “o George Clooney dos bancos de investimento”, era o profissional de investimentos a que Botín recorria com mais frequência em busca de conselhos sobre transações e estratégia.


“O mais importante para mim é sua energia e entusiasmo, e sei que tanto para você pessoalmente quanto para a sua família, isso será bom!”

25 de julho, mensagem de Ana Botin a Andrea Orcel
(Esta e outras reproduções de mensagens de texto se baseiam nos textos de mensagens originas submetidos ao tribunal e vistos pela agência Reuters. Algumas das mensagens foram escritas na íntegra ou parcialmente em espanhol, e foram traduzidas. Algumas das mensagens tinham porções de texto rasuradas, e a agência Reuters editou duas delas a fim de preservar o anonimato de pessoas cujos papéis na história foram incidentais.)


Quando a aproximação começou, na metade de 2018, Botin e Clara Batalim Orcel, a mulher portuguesa de Orcel, conversaram sobre os planos da família do italiano de trocar sua mansão em Holland Park, Londres, por uma bela casa em Madri, disseram fontes informadas sobre o assunto.

Mas apesar das perspectivas promissoras, os termos da proposta de contratação de Orcel, em setembro de 2018, que foram revisados pela agência Reuters, não eram claros. Um aspecto crucial é que o Santander prometeu pagar “até” 35 milhões de euros de um pacote de 55 milhões de euros que Orcel tinha a receber no futuro de seu então empregador, o banco suíço UBS. A carta dispunha que Orcel faria “o melhor que pudesse” para limitar esse custo para o Santander, conseguindo com que o banco suíço contribuísse parcialmente para o pagamento.

O UBS se recusou a fazê-lo e Orcel não aceitou menos de 35 milhões de euros. No fim, os financistas e seus cônjuges se reuniram para uma conversa gélida em um café londrino em Mayfair. E o conselho do Santander divulgou mais tarde um comunicado questionando o que o banco definiu como “comportamento ético e moral dúbio” da parte de Orcel, afirmando que ele gravou conversas privadas sem informar os participantes –o que uma fonte próxima a Orcel disse que ele de fato fez, a conselho de seus advogados.

As consequências do rompimento se tornaram o assunto mais debatido no mundo dos bancos de investimento europeus, no qual Orcel é um dos negociadores mais conhecidos. Também despertou questões sobre como um dos mais importantes bancos da Europa –o Santander tem 144 milhões de clientes em todo o mundo– pôde anunciar a contratação de um novo presidente-executivo sem antes concluir as negociações sobre sua remuneração.

Ana Botín, presidente mundial do banco Santander - Pierre-Philippe Marcou/AFP

O Santander, fundado sob um decreto real espanhol em 1857, vem sendo comandado pela família Botin há quatro gerações. Seu estilo sempre foi o de agir rápido quando necessário, disse Mauro Guillen, professor de administração de empresas na Escola Wharton, da Universidade da Pensilvânia, e autor de um livro sobre o desenvolvimento do Santander como banco internacional.

“O banco é sempre muito ágil quando se trata de tomar decisões ousadas”, ele disse, acrescentando que, em um ambiente rapidamente mutável, isso torna a instituição popular entre os investidores. Mas a maneira pela qual a indicação de Orcel foi conduzida demonstra que a celeridade do Santander nem sempre dá resultado. “Se o banco quiser contratar, não só um presidente-executivo mas qualquer executivo de primeiro escalão, muita gente agora pensará duas vezes”, depois do fiasco envolvendo Orcel.

Convidado a comentar sobre os detalhes de sua ruptura com Orcel, o banco citou um comunicado divulgado no ano passado em resposta ao processo de Orcel e a reportagens sobre o assunto, no qual afirmava ter seguido um processo robusto de contratação que atendia aos mais elevados requisitos de governança corporativa, e expunha seus motivos para não levar adiante a contratação. Orcel se recusou a comentar antes de uma audiência judicial, e o UBS se recusou a comentar.

“Gladiador”

Orcel conhece o Santander melhor do que qualquer outro executivo de banco de investimento. Ao longo de quase três décadas como executivo do Bank of America Merrill Lynch e do UBS, ele trabalhou em dezenas de transações que ajudaram Emilio Botín a transformar o banco. A maior delas foi a participação do Santander em um consórcio que adquiriu partes do ABN Amro, um grande banco holandês, em 2007.

Orcel é um financista determinado e talentoso, demonstram entrevistas com antigos colegas dele. Como líder do banco de investimentos do UBS desde 2012, ele já havia deixado claro seu desejo de se tornar presidente-executivo, declarando ao Financial Times em 2015 que “evidentemente” ele queria dirigir um banco um dia, e que, se tivesse liberdade para escolher, o UBS seria um bom lugar para começar.

Quando Emilio Botin morreu subitamente, em setembro de 2014, Ana, a mais velha de seus seis filhos, foi apontada rapidamente para sucedê-lo. Ela manteria a linhagem familiar em um banco cujas ações hoje pertencem principalmente a investidores institucionais e fundos. Ao indicá-la, o Santander seguiu a tradição espanhola de bancos controlados por uma única pessoa, em lugar de manter presidentes separados para o conselho e para o ramo executivo, como o Banco Central Europeu (BCE) diz que deveria ser a norma.

A família Botin é parte da aristocracia espanhola –o rei da Espanha fez da mãe de Ana uma marquesa, em 2008. Ana, cujo nome completo é Ana Patricia Botin-Sanz de Sautuola O'Shea, foi sagrada comandante honorária da Ordem do Império Britânico pela rainha Elizabeth 2ª, por seus serviços ao setor financeiro do Reino Unido, em 2015.

Golfista ávida que se descreve como uma pessoa muito competitiva, Botin foi classificada pela revista Forbes como uma das mulheres mais poderosas do planeta. Ela disse à TV espanhola em janeiro que o que seu trabalho tinha de especial é o poder que ele confere de mudar as vidas de muitas pessoas. Ela começou sua carreira no JPMorgan, comandou a recuperação do Banesto, uma das subsidiárias do grupo Santander na Espanha, e dirigiu as operações do grupo no Reino Unido, que estão entre as maiores do Santander.

No comando do grupo, ela tinha de enfrentar o desafio de manter o ritmo de crescimento conquistado por seu pai.

A estratégia de Emilio, que envolvia abocanhar empresas em mercados emergentes, recebeu elogios por ter protegido o Santander contra os piores efeitos da crise financeira de 2008, apesar da profunda recessão em seu mercado de origem.

Mas quando Emilio morreu, o crescimento na América Latina estava se desacelerando e as operações do Santander nos Estados Unidos e no Reino Unido enfrentavam ventos adversos. Como outros bancos, o grupo estava sob pressão para elevar sua base de capital. Em setembro de 2015, um ano depois da morte de Emilio, o preço das ações do Santander mostrava queda de 30% ante a cotação do momento em que Ana assumiu o comando.

Foi aí que Orcel entrou em ação, em sua função como conselheiro. Quatro meses depois da promoção de Ana Botin, ele ajudou a organizar uma grande elevação de capital de 7,5 bilhões de euros, que foi realizada rapidamente e definida como “ousada” pela revista especializada Euromoney. De novo em 2017, Orcel ajudou na aquisição pelo Santander do problemático rival doméstico Banco Popular, pelo valor de um euro. Ele organizou uma injeção de sete bilhões de euros de capital no Santander a fim de cobrir as más dívidas do Banco Popular.

No começo de 2018, com as ações do Santander ainda apáticas, Botin pediu a Orcel que delineasse um plano estratégico para ajudar a elevar o preço das ações do banco, disse à agência Reuters uma fonte informada sobre a questão. Em julho daquele ano, os dois se reuniram para um jantar no hotel Loews Regency, na Park Avenue de Nova York, e Botin apresentou uma proposta: convidou Orcel a assumir o posto de presidente-executivo do banco para ajudar a implementar o plano.

Uma ideia que eles discutiram foi a de que o Santander vendesse suas subsidiárias nos Estados Unidos e Reino Unido, que apresentavam mau desempenho –uma tarefa que Orcel executaria. Pessoas informadas sobre as discussões disseram que Orcel jurou lealdade a Botin. Comparou seu novo papel ao do lutador Maximus, interpretado por Russell Crowe no filme “Gladiador”, de 2000, que liderava em combate as tropas do imperador.

Para Orcel, o Santander representaria uma virada radical. Normalmente, os executivos de bancos de investimento lidam com grandes empresas e fundos de investimento, enquanto os executivos de bancos comerciais atendem a pequenas empresas e indivíduos. Ele deixaria o mundo dos bancos de investimento, onde relacionamentos são o mais importante –Orcel comparou a atividade à venda de bolsas de luxo como as da grife Louis Vuitton– e assumiria um posto em um grande banco comercial, que ele definiu como mais “batatas e tomates”, comparável ao Walmart.

“Trabalhando nos detalhes”

Com a proposta feita, o próximo assunto era a remuneração. Orcel estava acostumado a ganhar muito. No Merrill Lynch, ele gerou manchetes ao receber uma bonificação de US$ 33,8 milhões do banco de investimento de Wall Street em 2008, um ano em que o prejuízo líquido da instituição foi de US$ 27,6 bilhões.

O UBS havia acertado com ele um pacote de remuneração a ser desembolsado ao longo de diversos anos e incluindo cerca de 55 milhões de euros em ações, que seriam concedidas a ele em datas futuras, disseram quatro fontes informadas sobre o assunto.

Pagamentos futuros como esse são uma das formas que os financistas dos bancos de investimento da União Europeia, onde o pagamento de bonificações está restrito desde 2014, encontraram para manter elevadas as suas rendas, disse Anna Marietta, cofundadora e sócia dirigente da Vici Advisory, uma empresa de colocação de executivos especializada no setor de banco de investimentos, em Londres.

A ideia é que isso sirva como incentivo para segurar um executivo em um banco. Caso se demitam, os executivos perdem os pagamentos futuros acumulados.

Na prática as coisas não funcionam assim. Quando financistas mudam de emprego, o contratante em geral os “compensa”, cobrindo o valor dos pagamentos de que eles abrem mão no antigo empregador. No mundo dos bancos de investimento, isso raramente cria disputas. O UBS fez isso ao contratar Orcel, quando ele deixou o Bank of America em 2012. O banco suíço complementou seu salário básico de US$ 7 milhões anuais com US$ 26 milhões em remuneração postergada a que ele havia conquistado o direito em seu antigo empregador, demonstra o balanço anual do banco.

“É muito raro que a cobertura desses pagamentos se torne problema”, disse Marietta. “Na verdade, nenhum dos meus clientes jamais enfrentou problemas com isso”.

Também é muito raro que um executivo de alto posto em um banco de investimento se transfira diretamente a um posto importante em um banco comercial. Eles em geral fazem pausas entre um emprego e outro.

Em setembro de 2018, Ana Botin enviou uma mensagem a Orcel para informá-lo de que os colegas dela no Santander tinham aprovado sua contratação e que um comitê de recursos humanos estava trabalhando quanto aos detalhes de sua remuneração.


“Andrea. NOMCO [comitê de nomeações] 100% favorável e trabalhando nos detalhes €. Saudações”.

10 de setembro, mensagem de Botin a Orcel



Orcel informou seu chefe no UBS sobre a proposta de Botin em uma conversa antes de uma reunião interna do banco em Zurique. Não há registro sobre como exatamente o presidente-executivo do banco suíço, Sergio Ermotti, respondeu, e o UBS se recusou a comentar. Orcel mais tarde enviou uma mensagem a Botin informando que seu chefe havia dito que, se o italiano pretendia sair, seria bom que anunciasse a decisão antes de uma reunião com investidores em outubro.

Mas havia um problema. Como maior instituição de empréstimos da Espanha, o Santander tinha de levar em conta o estado de espírito do público –bem como a reação de seus 200 mil empregados em todo o mundo. Isso era especialmente relevante no terceiro trimestre de 2018.

A Espanha ainda estava se recuperando de uma recessão devastadora. Um governo socialista havia acabado de assumir, e algumas pessoas acreditavam que planejava impor um novo tributo sobre os bancos. O Santander estava negociando um grande corte de pessoal –sindicatos diem que o banco demitiu 1,1 mil pessoas na Espanha em 2018, número que o Santander não contesta.

Botin considerou que havia margem de manobra, levando em conta o relacionamento entre o Santander e o UBS.

Os negócios do pai dela com Orcel haviam feito do Santander um grande cliente do banco suíço. A cada ano que o banco espanhol executava uma grande transação, propiciava mais de 50 milhões de euros em honorários ao UBS, de acordo com pessoas informadas sobre o relacionamento. Os bancos se recusaram a comentar.

Botin viu uma oportunidade de que Axel Weber, presidente do conselho do UBS, quisesse manter esses negócios, as mensagens demonstram. Assim, o UBS mesmo poderia bancar parte da remuneração postergada que Orcel perderia. Se Weber decidisse não cobrir esses pagamentos, disse Botin a Orcel em mensagem, o Santander ameaçaria cortar seu relacionamento com o banco.


“Há uma linha que reservei para Axel: se eles decidirem não lhe pagar nada porque somos concorrentes, então é bom que eles saibam que não operarão mais como nossos consultores estratégicos isso é irrefutável e uma maneira ‘elegante’ de falar com clareza”.

10 de setembro, mensagem de Botín a Orcel


Poucos dias mis tarde, Botin abordou o UBS a fim de abrir caminho para discussões com o presidente do conselho do banco, Axel Weber.

Os executivos do banco suíço estavam reunidos em Singapura, onde Orcel conversou com seu presidente-executivo, Ermotti, e com outro membro do conselho do UBS. “Eles vão nos ajudar”, ele afirmou em uma mensagem a Botin.


“Tenho luz verde de Sergio. Você pode me enviar o número do celular de Axel para que eu ligue? Sergio já me deu luz verde. Ligo mais tarde e conto o que aconteceu. Un abrazo. Ana”.

17 de setembro, mensagem de Botin a Orcel


Mas quando a chefe do Santander conversou com Weber, o presidente do conselho do UBS, descobriu que ele não pretendia aprovar o pagamento. Queria que Orcel ficasse.

Weber escreveu um email a Clara, a mulher de Orcel –a quem o financista sempre consulta nas decisões importantes sobre sua carreira–, afirmando que o banco suíço desejava lhe oferecer um papel mais importante no UBS, que poderia abrir caminho para que ele se tornasse o sucessor de Ermotti.


“Cara Clara, tentamos lhe oferecer um caminho para ficar no UBS, com as mesmas perspectivas de emprego do que fora do UBS. O conselho é unânime quanto a isso e tem o compromisso de facilitar uma transição ordeira. Agora a escolha cabe a ele e a decisão é dele. Aprecio que é uma escolha difícil. Também conversei com Ana e fui claro com ela, para que não baseie suas decisões e ofertas em suposições. Estou ciente de que isso terá consequências no futuro, mas tudo que fazemos ou deixamos de fazer tem. No entanto, desde que aquilo que façamos é o certo, em nossa interpretação, temos de aceitar alegremente essas consequências”.

19 de setembro, email de Axel Weber, presidente do conselho do UBS, a Clara Orcel


Weber disse na mensagem que tinha conversado com Botin, e “fui claro com ela, para que não baseie suas decisões e ofertas em suposições”

Orcel se comunicou mais tarde com Botin sobre a oferta do UBS.


“Conselho me fez uma contraproposta... Sergio prometeu que falará hoje com o conselho e pedirá que me tratem do jeito justo”.

20 de setembro de 2018 – mensagem de Orcel a Botin


No domingo, 23 de setembro, Orcel decidiu recusar a contraproposta e sair do UBS. Enquanto isso, Botin continuava tentando persuadir Weber a cobrir parte dos pagamentos que o UBS devia a Orcel. Sem sucesso.


“No se mueve (ele não cede). Diz que não pagará coisa alguma”.

23 de setembro, mensagem de Botin a Orcel


“Os números subiram”

A despeito da falta de movimento por parte do UBS, em 24 de setembro o Santander decidiu apresentar uma carta oferecendo o posto a Orcel.

Clara, a mulher de Orcel, favorecia a ideia. Ela enviou uma mensagem a Botin no mesmo dia para expressar apoio ao que definiu como um acordo –não está claro exatamente o que ela quis dizer com isso—, afirmando que Orcel havia lhe dito que a palavra de Botin “valia mais que mil contratos”.



"Cara Ana, estou superfeliz por você enfim ter chegado a acordo com Andrea quanto ao posto… Ele me disse que sua palavra vale mais que mil contratos, e sei que Andrea fará seu melhor para lhe dar o que você precisa. Você sabe que o apoio em 150% nessa mudança… obrigada pela confiança. Saudações, Clara”.

24 de setembro, mensagem de Clara Batalim-Orcel a Ana Botin


A carta com a oferta de emprego do Santander foi assinada por Jaime Renovales, o secretário geral do conselho do banco. Ela faria de Orcel o presidente-executivo mais bem pago entre os bancos da zona do euro, e equipararia sua remuneração anual à de Botin, que recebeu quase 10,6 milhões de euros em 2017.

De acordo com o balanço anual do Santander, ela tem 46 milhões de euros a receber como pensão.
O Santander prometeu a Orcel luvas de 17 milhões de euros na assinatura do contrato, um salário anual de 10 milhões de euros, incluindo bonificações, e pagamentos futuros de incentivo em forma de ações. Mas os detalhes do pacote eram vagos.


"O Banco Santander antecipa que você se esforçará ao máximo para que seu atual empregador continue a pagar os planos de incentivo em longo prazo dos quais você é beneficiário, nas mesmas condições em que os pagaria caso você continuasse empregado lá. Caso seu atual empregador pague apenas parcialmente seus incentivos de longo prazo, ou uma quantia menor do que a que você receberia se ficasse na companhia, pagaremos uma compensação no valor máximo bruto de 35 milhões de euros”.

24 de setembro, carta do Santander a Orcel


No dia seguinte Orcel foi anunciado como novo presidente-executivo do Santander, com a papelada ainda não finalizada. Ele foi convidado a participar de discussões com executivos do Santander e, um mês mais tarde, incluído em um grupo de WhatsApp do Santander chamado Promontorio, de acordo com documentos judiciais. O Santander divulgou o primeiro vídeo, que o mostra gesticulando em uma reunião com Botin e o homem que substituiria, Jose Antonio Alvarez.

Nos bastidores, as negociações sobre a remuneração de Orcel eram mais intensas. Em lugar de permitir que o italiano saísse rapidamente, seu empregador suíço insistiu em que ele cumprisse o período costumeiro de seis meses de “gardening leave” [licença de jardinagem], o prazo que os executivos financeiros em geral respeitam ao assumir postos em uma instituição rival. Isso significava que ele só poderia começar no Santander em abril de 2019.

Financeiramente isso representava uma boa notícia para o Santander, porque significava que parte dos pagamentos a receber de Orcel venceriam enquanto ele ainda estivesse na folha de pagamento do UBS.
Com isso, o Santander calculou que seus custos cairiam. O conselho do banco calculou uma redução de cerca de 13,7 milhões de euros nos custos de contratação, de acordo com um comunicado que circulou posteriormente.

Mas a interpretação de Orcel era diferente. Ele não considerava que o Santander tivesse direito a deduzir parte de seu pacote de remuneração postergada enquanto ele ainda era empregado do UBS. Parte desse pagamento envolvia uma bonificação por seu desempenho no ano anterior.

Na opinião dele, levando em conta que o total de pagamentos futuros que o UBS lhe devia era de 55 milhões de euros, ele já tinha aceitado um corte de remuneração de cerca de 20 milhões de euros, disseram fontes informadas sobre o que Orcel estava pensando.

Seu último dia no UBS foi 30 de setembro. Mas em outubro, as coisas continuavam travadas no Santander.

Orcel pediu desculpas a Botin, lembrando-a de que no passado o UBS havia aceitado cobrir parte dos pagamentos postergados de executivos e indicando a possibilidade de uma ação judicial.


“Lamento por tê-la colocado nessa posição. Parece que estamos implorando, quando isso é algo que eles já fizeram em outros casos. Se ele não mudar de ideia, teremos de tomar medidas judiciais”.

19 de outubro, mensagem de Orcel a Botín


Botín pediu que um membro do conselho do Santander conversasse com um colega no UBS, que se recusou a discutir o assunto, afirmando que o conselho do UBS estava unido em apoio à posição de Weber, ela informou a Orcel.


“Compreendo que você precise cumprir o período de jardinagem, que abarca fevereiro, quando você teria direito a um pagamento em ações. Vamos conversar na semana que vem, vamos parar de enrolar quanto a isso. Un abrazo”.

20 de outubro, mensagem de Botín a Orcel


No mês seguinte, os números de Orcel mudaram. Ele informou ao Santander que seu cálculo original de remuneração havia desconsiderado alguns milhões de euros em dividendos que ele tinha a receber. Isso, de acordo com um extrato de seu banco em julho anterior, aumentaria em mais de três milhões de euros a conta do Santander.


“Parece que esquecemos uma coisa”.

10 de dezembro, mensagem de Orcel a um executivo de RH do Santander


“Quanto aos números… eles subiram”.

15 de dezembro, mensagem de Orcel a um executivo de RH do Santander


“O poder necessário”

O comitê de remuneração do Santander se reuniu em 17 de dezembro.

A reunião indicou “algum desconforto” com a pedida revisada de Orcel. Também apontou para o fato de que o UBS não estava cobrindo parcela tão grande do pacote quanto Orcel havia previsto, e que não limitar o pagamento a ele poderia “prejudicar a reputação” do banco.

Renovales, o secretário do conselho do Santander, ligou para Orcel – que estava em férias com a família em Machu Pichu, Peru.

Mas Orcel disse que só discutiria o assunto com Botín. Ele enviou uma mensagem longa a ela em 20 de dezembro.

Disse que qualquer pagamento de menos de 35 milhões de euros não faria sentido para ele, e insistiu em que já tinha sofrido um corte significativo de remuneração ante o pacote que tinha no UBS. Ele também afirmou sua necessidade de “subordinar” os demais executivos do banco, usando a imagem de um sistema em cascata, no qual ele seria o chefe deles; como presidente do conselho, Botín teria a oportunidade de reorienta-lo, bem como a palavra final nas decisões.


“Compreendo que precisamos motivar e dar poder aos líderes em cada país mas também é preciso subordiná-los aos objetivos do grupo, a uma disciplina de execução de nossas decisões, e ao poder de que necessariamente preciso para que possamos atingir os objetivos do grupo e realizar minha missão”.

20 de dezembro, mensagem de Orcel, no Peru, a Botín


No mundo bancário espanhol, o presidente-executivo do conselho sempre teve todo o poder, e os demais executivos se subordinam a ele. O apelo de Orcel pelo “poder necessário” recebeu uma resposta brusca.
“Precisamos parar e ver em que ponto estamos”, Botín afirmou, sugerindo uma reunião em Madri.


“Andrea. Precisamos parar e ver em que ponto estamos. Para isso, precisamos nos encontrar para uma conversa calma e direta, em pessoa. Terça-feira, 8 de janeiro, em Madri”...

20 de dezembro, mensagem de Botín a Orcel


O conselho do Santander estava sentindo desconforto quanto ao dinheiro, e, tendo em vista que o UBS não estava cedendo, Ana Botín já não estava certa de que seu novo braço direito estivesse pressionando Weber o bastante.


“.. Sobre a questão da remuneração, Axel não cede. Basicamente 0. É importante que você continue a pressionar, de seu lado”. Saudações. Ana”.

20 de dezembro, mensagem de Botín a Orcel


Os dois se reuniram um dia antes do que ela havia sugerido, dia 7 de janeiro, na sede do Santander. Botín informou a Orcel que estava retirando sua oferta. O clima político na Espanha significava que o banco não tinha condições de satisfazer as demandas salariais dele.

Orcel ficou chocado, por acreditar que tudo ainda estivesse sendo negociado, demonstram documentos que ele submeteu ao tribunal. Mas Botín disse que não havia escopo para novas negociações, porque todas as autoridades relevantes já haviam sido informadas.

A essa altura, disse uma fonte próxima a Santander, ele começou a gravar as conversas entre eles, prática que é legal na Espanha.

Em 15 de janeiro, o Santander divulgou um comunicado informando que Orcel não assumiria um posto no banco e que Alvarez continuaria como presidente-executivo.

Orcel escreveu a Renovales retirando a autorização para que o Santander usasse o segundo vídeo, no qual ele havia sido gravado aceitando a decisão de Botín. Ele disse que havia concordado em fazer o vídeo sob a suposição de que o banco e ele podiam resolver suas diferenças de forma amistosa, mas, porque isso já não era possível, ele considerava que o vídeo tivesse sido realizado sob falsas premissas, e que retirava sua permissão para que o banco o usasse. “Se vocês o fizerem, estarão agindo sem a minha anuência e com todas possíveis consequências do caso”.


“Vocês destruíram minha carreira, minha reputação e me causaram enormes prejuízos econômicos”.

15 de janeiro, Orcel a Renovales



Ana Botín tentou acalmar as coisas. Fez diversas sugestões a Orcel, entre as quais a de que investiria para que ele criasse um banco de investimento ou fundo de capital privado, e lhe ofereceu um posto importante em uma subsidiária do Santander, de acordo com documentos judiciais.


“Prometo que existem muitas maneiras de fazer isso; presumirei obviamente que o UBS tenha dito não a tudo, e quero ser informada a respeito, mas tenho companhias na Espanha para as quais posso indicá-lo amanhã como presidente-executivo ou presidente, companhias de investimento imobiliário com ações negociadas em bolsa, quero dizer, isso não pode fazer parte de (…), em outras palavras, tenho muitas opções para compensá-lo, em áreas nas quais você também é qualificado (...)”

15 de janeiro, mensagem de Botín a Orcel


Mas não houve acordo. A última reunião entre os financistas aconteceu no começo de fevereiro, em um café em Belgravia, um dos bairros mais afluentes de Londres, à qual também estava presente a mulher de Orcel, Clara.

Eles discutiram outros papéis que Orcel poderia assumir, mas ele recusou todos, de acordo com duas pessoas informadas sobre os acontecimentos. Guillermo Morenés, o marido de Botín, parou para falar com eles quando passou pelo café durante sua sessão de jogging.

Em maio, Orcel abriu um processo contra o Santander. As audiências devem começar em abril de 2020 e pode demorar mais de um ano para que as partes cheguem a um acordo.

Para sua mais recente transação, o Santander recorreu ao Credit Suisse, o maior rival do UBS, como consultor. As ações do Santander caíram em 50% desde que Botín assumiu o posto.
Orcel continua em Londres, e ainda não aceitou outro emprego.

Tradução de Paulo Migliacci

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