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Huawei vence disputa na Europa pelo 5G enquanto EUA colecionam tentativas frustradas

Na disputado do 5G, Trump consegue manter aliados como Austrália, Japão e Polônia

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Nova York | The New York Times

A campanha mundial dos Estados Unidos para impedir que os aliados usem equipamentos da chinesa Huawei em sua próxima geração de redes de telefonia móvel no geral fracassou, e líderes estrangeiros rejeitaram publicamente o argumento americano de que a companhia representa uma ameaça de segurança de difícil contenção.

O Reino Unido decidiu apostar contra o blefe do governo Trump, pressupondo que as autoridades americanas recuariam de sua ameaça de interromper trocas de informações sigilosas com qualquer país que empregue equipamentos da Huawei em suas redes.

Além de um telefonema tenso entre Trump e o primeiro-ministro Boris Johnson, o Reino Unido não parece estar pagando qualquer preço por sua decisão de permitir que a Huawei participe de maneira limitada da implementação de suas redes, sob vigilância que os britânicos afirmam será rigorosa.

A Alemanha agora parece pronta a seguir o mesmo caminho, apesar de uma sequência de ameaças e pedidos do secretário de Estado americano Mike Pompeo, do secretário de Defesa Mark Esper e de outras autoridades americanas em uma conferência de segurança internacional em Munique, na semana passada.

Logo da Huawei - Adiran Dennis/AFP

Em discursos públicos e conversas particulares, Pompeo e Esper continuaram a insistir na mensagem de que é perigoso permitir a entrada de uma empresa chinesa em redes que controlam comunicações críticas, afirmando que isso daria ao governo chinês a capacidade de espionar –ou, em tempos de conflito, desativar– essas redes. Os riscos de segurança eram tão graves, eles advertiram, que os Estados Unidos não poderiam mais compartilhar informações sigilosas com qualquer país cujas redes usem equipamentos da Huawei.

“Se os países decidirem seguir o caminho da Huawei”, disse Esper a jornalistas no sábado (15), “isso poderia representar uma ameaça ao compartilhamento de informações e compartilhamento de dados de inteligência sobre os quais estamos conversando, ou ao menos para o nosso relacionamento com o país em questão”. 

No entanto, as autoridades americanas sentem que seus avisos continuados estão perdendo a força na Europa, e por isso o governo decidiu mudar de abordagem. Os Estados Unidos agora estão tentando sufocar a Huawei ao bloquear seu acesso à tecnologia americana de que a companhia precisa, e buscam criar uma alternativa americana e europeia viável para competir contra ela.

A disputa sobre a Huawei é só uma parte da batalha mais ampla entre os Estados Unidos e a China, com Washington buscando conter a expansão do poder e da influência da China e garantir que a segunda maior economia do planeta não venha a dominar setores avançados que possam lhe conferir vantagem econômica e militar. Isso inclui as redes de telecomunicações de próxima geração que a Huawei está construindo, conhecidas como 5G.

Essas redes de alta velocidade controlarão comunicações, infraestrutura essencial e –o que mais preocupa as autoridades americanas –a “internet das coisas”, com aparelhos que já estão em uso para comandar fábricas, veículos autônomos e as operações de manutenção cotidiana de bases militares.

Os Estados Unidos também estão tentando limitar de modo mais amplo o acesso da China à tecnologia e estão considerando restringir a venda de chips, sistemas de inteligência artificial, equipamentos para robótica e software avançado, bem como impedir que as companhias de tecnologia do país formem parcerias –ou mesmo compartilhem de pesquisas– com empresas chinesas.

Na semana passada os Estados Unidos reforçaram a pressão legal sobre a Huawei ao anunciar novas acusações de conspiração criminosa e roubo de segredos comerciais contra a empresa, que incluem episódios acontecidos mais de uma década atrás.

 

As novas acusações foram adicionadas a um indiciamento abrangente apresentado em 2019 para acusar a companhia chinesa e sua vice-presidente financeira, Meng Wanzhou, de fraude e evasão de sanções.

Como parte daquele caso, o governo Trump vem pressionando o Canadá a extraditar Meng, detida no final de 2018 em Vancouver a pedido das autoridades dos Estados Unidos, para que ela possa ser julgada em solo americano. Meng é a filha mais velha de Ren Zhengfei, o fundador da Huawei.

Este mês, o governo americano deve tentar pressionar ainda mais a Huawei ao eliminar uma lacuna que permitiu que a empresa continuasse a comprar componentes e produtos de empresas americanas, apesar da proibição do governo Trump a vendas para a companhia. Embora o Pentágono inicialmente tenha se oposto ao esforço, temendo que pudesse prejudicar fornecedores de equipamento de defesa, agora reverteu sua posição, devido à pressão de outras áreas do governo.

Mas o esforço por prejudicar a Huawei vem sendo complicado pela falta de uma alternativa à empresa, que oferece equipamentos de telecomunicação de baixo custo parcialmente subsidiados pelo governo chinês.

No momento, os únicos concorrentes reais são a Nokia e a Ericsson, duas companhias europeias que afirmam ter instalado mais redes 5G do que a Huawei, mas que enfrentam claras dificuldades para acompanhar os preços da rival ou o ritmo de pesquisa e desenvolvimento da empresa chinesa.

Isso fez com que o governo americano corresse para apresentar outra opção aos países da Europa e de outras regiões. Nos últimos dez dias, o secretário da Justiça, William Barr, o vice-presidente Mike Pence e outras autoridades propuseram diferentes estratégias para que os Estados Unidos criem um concorrente crível para a Huawei. Mas em diversos momentos eles contradisseram as ideias uns dos outros, em alguns casos publicamente.

 

Em reuniões privadas, Trump vem instando empresas americanas a entrar na disputa. Mas a administração está profundamente dividida sobre se o governo do país precisa investir diretamente em tecnologia ou deixar que o mercado resolva a situação.

Barr confundiu ainda mais as coisas em um discurso este mês no qual apelou pela aquisição da Nokia e Ericsson pelos Estados Unidos –“por meio do controle americano de uma participação dominante, quer diretamente, quer por meio de um consórcio de empresas americanas e de países aliados”.

“Nós e nossos aliados mais próximos certamente precisamos considerar essa abordagem ativamente”, disse Barr.

As autoridades dos Estados Unidos em geral tentaram minimizar os comentários de Barr. Perguntado sobre a perspectiva de uma “participação controladora”, Robert Blair, assistente de Trump para política internacional de telecomunicações, disse ao The New York Times que “nosso foco está principalmente em unir a todos, sem colocar os dólares do contribuinte americano na parada”.

Pence, em declarações à rede de notícias CNBC, disse que a melhor resposta à Huawei seria liberar frequências de comunicação para uso em redes 5G operadas por companhias americanas.

A frustração com a campanha dos Estados Unidos contra a Huawei está crescendo. Falando em Munique, Esper repetiu os mesmos avisos de segurança que os Estados Unidos vêm usando há mais de um ano, dizendo a um salão de conferências repleto de diplomatas europeus que as forças armadas chinesas e os serviços de inteligência da China estavam tentando estender seu Estado autoritário e que a Europa precisa lutar contra isso.

“A Huawei e as redes 5G são o exemplo dessas atividades nefárias”, disse Esper. “Precisamos ser inteligentes. Precisamos aprender com o passado e acertar quanto ao 5G para que não nos arrependamos de nossas decisões mais tarde”.

Mas a audiência dele se manteve cética.

“Muitos de nós na Europa concordamos em que existem perigos significativos com relação à Huawei, e os Estados Unidos há pelo menos um ano vêm nos dizendo para não usarmos a Huawei. Mas estão oferecendo alguma alternativa?”, perguntou Toomas Hendrik Ilves, ex-presidente da Estônia. “Vão subsidiar a Nokia e a Ericsson? Quero saber o que ganhamos com isso. O que devemos fazer, além de não usarmos a Huawei?”

A Huawei vem se demonstrando cada vez mais efetiva na resistência aos esforços dos Estados Unidos. Depois que autoridades americanas declararam, na semana passada, que tinham descoberto há muito tempo uma “porta dos fundos” que permitiria que a companhia extraísse informação de qualquer rede, sem que as empresas de telecomunicações dos Estados Unidos soubessem, a Huawei respondeu que isso era “impossível”, e exigiu provas. Mas nenhuma prova foi oferecida publicamente.

Andy Purdy, ex-funcionário na área de segurança interna do governo americano e hoje empregado da Huawei, disse que a companhia havia oferecido uma forma de contornar as preocupações de segurança se oferecendo para licenciar sua tecnologia, “para que os americanos e europeus possam construi-la por conta própria”. Os Estados Unidos não responderam à oferta, disse Purdy.

 

A disputa sobre a Huawei colocou muitos países europeus em situações nas quais nada tem a ganhar, forçando-os ou a rejeitar os alertas de um aliado crucial em termos de troca de informações sigilosas, e colocar essa aliança em risco, ou a alienar a China, um parceiro comercial essencial.

Um fator que complica ainda mais a decisão é a falta de informações americanas claras que demonstrem que a Huawei já obteve acesso aos dados que fluem por suas redes, nas duas décadas em que vem fornecendo equipamentos de telecomunicação à Europa.

O medo de retaliações chinesas afetou a chanceler [primeira-ministra] alemã Angela Merkel e seu governo. Embora os chefes dos serviços de inteligência alemães tenham em geral acatado a avaliação americana dos riscos de segurança nacional que a Huawei representa, Merkel se concentra mais nos efeitos sobre as exportações alemãs à China, especialmente depois que representantes do governo chinês deram a entender que a Volkswagen, BMW e Daimler, fabricante dos carros Mercedes-Benz, arcariam com a principal carga de retaliações.

“Sempre me preocupei mais com a possibilidade de manipulação da rede”, disse Norbert Röntgen, presidente da comissão de relações internacionais do Parlamento alemão, na conferência de Munique. “Não seria nem preciso dar esse passo, se você controla a rede. O conhecimento de que você pode fazê-lo já é um poder. Que liberdade teríamos em nossas escolhas com respeito à proteção dos direitos humanos e outras questões se soubermos que partes cruciais de nossa economia dependem da boa vontade de uma potência externa?”

Mas autoridades europeias disseram que a Alemanha deve seguir a decisão britânica de usar equipamentos da Huawei e submetê-los a vigilância rigorosa. Como o Reino Unido, a expectativa é de que a Alemanha não permita o uso de equipamentos da Huawei nas partes mais delicadas das redes de telecomunicações, mas que permita que a empresa forneça equipamento e software para as redes de rádio que controlam as torres de celulares e as estações-base das redes no país.

A decisão será uma grande derrota para os Estados Unidos. Alemanha e Reino Unido são os parceiros mais próximos do país em termos de compartilhamento de informações sigilosas, e os dois ocupam posições cruciais nas redes de fibra óptica que são essenciais para interceptar comunicações da Rússia com o Oriente Médio. Dirigentes dos serviços de informações americanos, como a Agência de Segurança Nacional (NSA), expressaram preocupação sobre a capacidade do governo chinês de infiltrar essas comunicações.

Os Estados Unidos tiveram algum sucesso em manter a Huawei excluída das redes de alguns países. A Austrália proibiu equipamentos da Huawei no país diretamente, e o Japão o fez indiretamente. A Polônia, ansiosa por uma aliança mais profunda com os Estados Unidos, deve excluir a Huawei de seu mercado.

A Itália, atraída pela promessa de US$ 3 bilhões (R$ 13 bilhões) em investimento da Huawei em seu sistema de telecomunicações, havia anunciado inicialmente que concederia um grande contrato à companhia chinesa para construir sus “redes de rádio”, as estações-base e antenas que conectam celulares e os aparelhos da internet das coisas. Mais tarde, o país anunciou que revisaria os contratos caso a caso, sem explicar exatamente como.

Na ausência de uma estratégia americana coesa, um grupo de grandes operadoras de telecomunicações considerou outra abordagem que permitiria que mais companhias desafiassem a Huawei. O grupo está pressionando por uma arquitetura comum para o software e hardware que aciona as redes 5G –uma ideia que ganhou empuxo junto a alguns políticos americanos.

Um sistema como esse permitiria que empresas menores produzam componentes individuais para redes capazes de interagir uns com os outros, o que derrubaria o domínio do mercado pela Huawei.
Barr declarou em seu discurso que a ideia era “completamente ilusória”.

Mas a proposta ganhou empuxo em outros quadrantes de Washington, e dentro do governo. Os dois legisladores que comandam as bancadas de seus partidos no comitê de inteligência do Senado, o republicano Richard Burr, da Carolina do Sul, e o democrata Mark Warner, da Virgínia, apresentaram, um projeto de lei em janeiro que alocaria pelo menos US$ 750 milhões (R$ 3,2 bilhões) à pesquisa e desenvolvimento de um sistema como esse. Também alocaria US$ 500 milhões (R$ 2,1 bilhões) para “acelerar a adoção de equipamento confiável e seguro em todo o mundo”.

Larry Kudlow, o presidente do Conselho Econômico Nacional, disse recentemente ao The Wall Street Journal que os Estados Unidos apoiavam os esforços para usar o software como forma de solapar a Huawei.

Tradução de Paulo Migliacci

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