Itapemirim quer entrar no setor aéreo, mas corre risco de falir

Administradora nomeada pela Justiça diz que situação atual do grupo é grave

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São Paulo

Sidnei Piva de Jesus era um dos membros mais otimistas da comitiva que na segunda semana de fevereiro acompanhou o governador paulista João Doria (PSDB) ao Oriente Médio em busca de investimentos.

Na chamada “Missão Emirados”, com integrantes do governo e 47 empresários, o presidente da Itapemirim, por um bom tempo a maior empresa de transporte rodoviário de passageiros do país, anunciou a expansão da sua área de atuação. Disse que irá abrir uma companhia aérea.

A confiança do empresário, que afirma já ter 35 aeronaves encomendadas, contrasta, no entanto, com a delicada realidade do grupo, descrita em relatório por uma administradora nomeada pela Justiça para acompanhar suas atividades.

No documento, a EXM Partners declara que a empresa, em recuperação judicial desde março de 2016, permanece acumulando prejuízos. Afirma que a situação econômica é "grave" e que sua continuidade corre “grande risco”.

Sidnei Piva, presidente da Itapemirim
Sidnei Piva, presidente da Itapemirim - Divulgação

A administradora ressalta no texto que, ao recorrer ao mecanismo da recuperação, o grupo —que inclui as viações Itapemirim e Caiçara e outras cinco empresas— conseguiu a suspensão das ações de cobrança de suas dívidas, à época estimadas em cerca de R$ 300 milhões.

Mesmo assim, em 2018, o seu déficit foi de R$ 176 milhões. No ano passado, o prejuízo até novembro atingiu R$ 117 milhões. Além disso, há uma dívida tributária de mais de R$ 2,2 bilhões (todos os dados foram apontados pela administradora no relatório à Justiça).

Famosa pelos ônibus amarelinhos, a Itapemirim possui atualmente uma frota de 573 veículos, sendo que 303 estão fora de operação. No auge, chegou a ter 1.700, atuando em 22 estados.

Fundada em 1953, sempre foi considerada no mercado como uma empresa inovadora. Introduziu no país o terceiro eixo nos ônibus rodoviários, de modo a aumentar a capacidade de transporte e dispor de bagageiros maiores.

Lançou também o Cinebus, primeiro no Brasil com telão de 48 polegadas para a exibição de filmes durante as viagens, bem como a revista de bordo Na Poltrona. 

Em peças publicitárias nos anos 1970, a Itapemirim chamava seus veículos de “motéis de primeira classe que andam”, em referência ao alegado conforto das suas viagens.

Os ônibus, diziam os anúncios, “eram equipados com geladeira, toalete, luzes individuais e música ambiente”, bem como havia a oferta de café, refrigerante, água gelada e lanche. “Quando cai a noite, mantas e travesseiros são distribuídas aos hóspedes.”

Na época, a palavra “motel” tinha outra conotação. Representava uma hospedaria de beira de estrada, e não um local para encontros íntimos.

Anúncio antigo da Itapemirim, da década de 1970, diz que seus ônibus são como motel de primeira classe
Anúncio antigo da Itapemirim, da década de 1970 - Reprodução

Concorrência aérea e ICMS

As dificuldades do grupo, segundo relatou à Justiça, começaram nos anos 2000 em razão do quadro “de recessão mundial”. Situação que disse ter sido agravada pelos incentivos oficiais ao setor aéreo, que ocasionaram uma redução drástica das tarifas de passagens de aviões.

“Isso acabou dando aos usuários uma opção a mais de viagens, até então realizadas na maioria das vezes pelo setor rodoviário”, afirmou à Justiça. 

Entre 2005 e 2013, de acordo com a Agência Nacional de Transportes Terrestres, as empresas de ônibus perderam 7,1 milhões de usuários. As companhias aéreas ganharam 51,2 milhões.

A nova concorrência, aliada ao aumento do transporte clandestino, seriam responsáveis pelo que a empresa chama nos autos do processo de recuperação de “momentânea crise financeira”.

Além da dívida e dos prejuízos que se mantiveram nos últimos anos, o grupo sofre uma espécie de crise de governabilidade. Camilo Cola, o fundador, questionou em uma câmara de arbitragem a validade da negociação que resultou na transferência do seu controle para Sidnei Piva e sua sócia Camila Valdívia.

Além disso, há uma disputa entre o empresário e o presidente instalado no cargo em acordo com os credores para que aprovassem o plano de pagamento das dívidas na recuperação judicial. Piva conseguiu retomar a gestão da empresa em dezembro de 2019 com base numa liminar do Tribunal de Justiça. O mérito ainda não foi julgado.

Também há contra o grupo uma acusação feita pelo governo de Minas Gerais, segundo a qual a Itapemirim cobra de seus clientes o imposto (ICMS) embutido nos bilhetes, mas não os repassa aos cofres públicos.

“A empresa usa o valor do imposto como capital de giro”, afirma o estado em petição apresentada ao juiz João de Oliveira Rodrigues Filho na qual pede que, por conta disso, a recuperação judicial seja transformada em falência.

A Itapemirim ainda não apresentou sua defesa.

Novo negócio

A despeito de todas as dificuldades, Piva espera receber a primeira aeronave comercial de passageiros no ano que vem.

Para viabilizar a criação da empresa aérea, conta com um aporte de US$ 500 milhões de um fundo soberano dos Emirados Árabes Unidos (Private Office of His Highness Sheikh Hamdan Bin Ahmed Al Maktoum), negociados durante a viagem com o governador.

Em nota enviada à Folha, o grupo afirma que o empresário irá a Dubai no início de março para finalizar as formalidades documentais. "O investimento será usado prioritariamente na retomada da companhia aérea da Itapemirim, mas o plano de negócios abrange também o cumprimento do plano de recuperação", diz a empresa.

O termo retomada é utilizado na nota porque nos anos 80/90, bem antes de Piva assumir a empresa, a Itapemirim já se arriscou no mercado aéreo com a Itapemirim Táxi Aéreo e a Itapemirim Transportes Aéreos Regionais. Em razão dos seguidos prejuízos e da forte concorrência no mercado, os aviões foram vendidos e as portas, fechadas.

No texto encaminhado à reportagem, a Itapemirim afirmou que o grupo está em dia com o processo de recuperação judicial. Diz que imóveis foram leiloados para viabilizar o pagamento das dívidas trabalhistas, situação prevista para ocorrer em meados de maio.

Afirma ainda que a dívida tributária é bem menor do que a descrita pela administradora judicial. "Os valores são próximos a R$ 1 bilhão e estão sendo discutidos com os órgãos competentes nos estados", diz. "A empresa também tem créditos de prejuízos fiscais, no mesmo patamar de valores, que serão utilizados para o pagamento." 

A Itapemirim diz estar "obtendo ótimos resultados com aumento significativo de vendas". "O faturamento anual da Itapemirim está em R$ 400 milhões, e a dívida, em R$ 160 milhões."


Raio-x da Itapemirim

Fundação 1953

Início do processo de recuperação judicial 2016

Prejuízo em  2018 R$ 176 milhões

Prejuízo em 2019 (até novembro) R$ 117 milhões

Dívida tributária R$ 2,2 bilhões

Aporte anunciado de fundo árabe para a montagem da empresa aérea R$ 2,1 bilhões

Frota em 1990 1.700 ônibus

Frota em 2020 573 ônibus, sendo que 303 estão fora de operação

Fonte: processo de recuperação judicial

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