Descrição de chapéu Entrevista da 2ª

Mulheres devem ter mais autoestima para negociar salário como os homens, diz Nathalia Arcuri

Fundadora de canal de finanças com 4,5 milhões de inscritos diz que o Brasil está perdendo a eficiência em educação financeira

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São Paulo

Mulheres precisam lutar contra a baixa autoestima para aprenderem a negociar seus salários e ganhar mais. A dinheirofobia é uma barreira cultural que o Brasil deve combater com educação financeira nas escolas para elevar a poupança nacional. 

Essas são algumas das percepções de Nathalia Arcuri, jornalista, especialista em finanças e fundadora do canal Me Poupe!, no Youtube. 

Depois de uma semana em Davos, no Fórum Econômico Mundial, Arcuri afirma que ainda é embrionária a discussão sobre o poder do investidor para forçar empresas a serem mais responsáveis. 

Nathalia Arcuri fundadora do Me Poupe! é formada em jornalismo e especialista em finanças
Nathalia Arcuri fundadora do Me Poupe! é formada em jornalismo e especialista em finanças - Jardiel Carvalho/Folhapress

Como surgiu a oportunidade de ir para Davos?
O Me Poupe! é o maior canal de finanças no Youtube, e temos uma parceria super bacana, já palestrei para o time do Youtube em Los Angeles e Nova York. Nesses encontros, conheci a responsável pelos canais de ONGs. Eles decidiram organizar uma comitiva de criadores para levar a Davos, com a ideia de que pudéssemos mostrar, para o maior número de pessoas, o que estava acontecendo lá. Foram convidados cinco criadores do mundo inteiro. Do Brasil, fui eu. 

Como foi a experiência de entrevistar o ministro da Economia Paulo Guedes? Você abordou um assunto polêmico.
Pois é. O ministro estava falando dos sin taxes [impostos do pecado] e disse que queria avaliar qual impacto financeiro traria uma possível taxação sobre o açúcar.

E, ali mesmo, em Davos, na rua principal, tinha um estande onde as pessoas iam para entender o negócio da cannabis. Eu pensei ‘Ele está falando de imposto sobre pecado e acredito que a maconha deve estar incluída nisso, assim como a cannabis [a base para outros produtos derivados]. Será que é possível que ninguém vai falar nada?’.

Então, eu perguntei o que ele tinha a dizer sobre a legalização da maconha e a taxação sobre o produto. Disse que eu achava que traria uma boa grana, ainda mais se o Brasil fosse produtor e começasse a criar não apenas para fins recreativos, mas medicinais. Para mim, não faz sentido um ministro da Economia abrir mão de uma receita gigantesca em prol de ideologia religiosa. 

Como você entrou no mundo das finanças pessoais?
Sou de família classe média. Nenhum luxo, mas também nunca faltou nada. Quando eu tinha uns oito anos, uma amiga da escola falou que o pai dela tinha feito uma poupança para comprar um carro para ela quando ela tivesse 18 [anos]. 

Fiquei com aquela história na cabeça e fui perguntar para o meu pai se eu tinha uma poupança para comprar um carro. E ele falou ‘Que carro, que poupança? Não tenho dinheiro nem para gente.’ Então, comecei a guardar dinheiro aos oito anos para ter o carro.

Você guardava o que, exatamente?
Dinheiro do lanche, que não era sempre que tinha. Eu não ganhava mesada. Comecei a pedir dinheiro de Natal, de aniversário, de Páscoa, de tudo. Adolescente, comecei a fazer miçanga, camiseta tie dye [técnica de tingimento de tecidos], a fazer de tudo. 

No fim, você não comprou o carro, não é? Você o ganhou.
Pois é. Minha madrinha foi sorteada num consórcio quando eu fiz 18, e me deu a carta de crédito. Com o dinheiro que sobrou pensei: agora, vou investir para comprar meu apartamento. 

Investir é isso: ir de sonho em sonho?
Sim. Descobri que era mais uma questão de foco, disciplina, prioridade, investimento, boas decisões, autoconhecimento do que uma questão matemática, técnica.

Quando você percebeu que sua experiência pessoal podia ser aplicada em um negócio para fazer com que as pessoas poupassem?
Demorou um tempo. Em 2014, veio o grande gatilho. Eu tinha muito medo de sair da TV [Record]. Ganhava bem, R$ 13 mil. Estava me separando e, na mesma semana, fiz uma série para a TV de mulheres vítimas de abuso. Descobri que a maioria se submete a relacionamentos abusivos porque são dependentes financeiramente. 

Meu ex-marido queria vender o apartamento para cada um ficar com a sua parte. Mas decidi comprar a parte dele —e me senti tão bem de poder comprar a minha liberdade. Tudo fez sentido, e eu decidi que ia me dedicar a ajudar as pessoas a serem livres assim.

Autonomia financeira, então, é liberdade?
Com certeza. A gente vive numa sociedade capitalista. Ter dinheiro, e controle sobre ele, significa fazer o que você quiser. Existe um dado claro: 70% das mulheres que não conseguem se separar de um agressor, quando têm filhos, é porque temem que o cara vá pedir a guarda. Elas passam a vida inteira ali porque têm uma renda menor.

Não apenas no Brasil, mas no mundo, as mulheres ganham menos do que os homens. A que você atribui isso?
Há uma série de fatores, mas acredito que as mulheres não se sentem confiantes o suficiente para brigar pelo seu espaço, para negociar uma contratação, por exemplo. Mulheres aceitam, homens negociam. Tem uma questão de desenvolvimento de autoestima nisso: Eu posso, eu valho, eu sei o que eu valho. 

Eu fiquei um período na Record. Todo ano, negociava meu salário. Passaram-se três anos, uma vez, eu estava conversando com uma repórter e descobri que ela nunca tinha renegociado o salário. Nem reajuste de IPCA [inflação]. Nada. Mas tem espaço para fazer isso quando você quer.

Eu tripliquei meu salário em 45 minutos quando fui chamada para Record. Me ofereceram R$ 6.000 e, mesmo ganhando R$ 3.000 no SBT, eu disse que era pouco para mim, e que eu não iria por menos de R$ 10.000. Eles me retornaram a ligação em 30 minutos me oferecendo R$ 9.000. 

Você fala com desenvoltura de quanto ganha, algo que um americano faz tranquilamente, mas que o brasileiro tem pânico. Como você define a relação do brasileiro com dinheiro?
Isso está no primeiro capítulo do meu livro: dinheirofobia. É uma questão cultural, religiosa. É feio falar sobre dinheiro. E uma mulher falar sobre dinheiro é mais feio ainda. Parece que está querendo se achar, querendo contar vantagem, mas é só um número. A gente precisa mudar isso. Aqui na empresa, por exemplo, todo mundo sabe quanto cada um recebe. 

Como mudar essa relação com o dinheiro no Brasil?
Com educação financeira —o que a gente faz aqui. O pessoal não sabe nem fazer conta de matemática, não sabe o que é Selic [taxa básica de juro], spread [diferença entre o valor pago para captar e emprestar]. Precisa levar isso para as escolas.

Já pedi para conversar no Ministério da Educação várias vezes. Não quero cobrar nada, mas gostaria de poder contribuir mais com a educação. Nunca me responderam.

Você quer levar o Me Poupe! para a rede pública?
Sim. Levar a educação financeira como um todo. Precisamos de uma educação que atraia as crianças e os jovens. Estamos perdendo a eficiência por causa disso. Para mim, as duas coisas não conseguem ser desassociadas. Me parece querer fugir da realidade não perceber como essas duas máximas [economia do país e finanças pessoais] se encontram.

Com a queda da taxa de juros, o brasileiro está indo para Bolsa. Um gestor conceituado, Luis Stuhlberger, disse que há uma bolha lá. Como você tem lidado com o tema?
Não sou portadora do apocalipse. Não posso também ser otimista demais. Meu papel é educar. Falar ‘olha, esses são os riscos’. Explicar que, na Bolsa, tem gente que investe para o curto prazo. Eu invisto para longo prazo, baseada nos fundamentos das empresas em que acredito.

Essa semana coloquei no ar o vídeo da minha carteira de ações. Pedi para um analista montar, porque eu não posso indicar ações, e disse que não queria bancos de varejo. Não posso ganhar dinheiro com a fudência [slogan da empresa] do outro, né? Se eu prego o não endividamento bancário, não faz sentido eu ganhar dinheiro com Itaú e Bradesco. Na carteira também não pode ter empresa investigada na Lava Jato ou envolvida com tragédias ambientais.

Uma carteira de ações precisa refletir os valores da pessoa?
Eu acredito nisso, mas cada um é cada um. Voltando a Davos. Klaus Schwab [criador do fórum] fala que a política e a cultura da empresa não devem ser voltadas apenas a dar dinheiro a acionistas, que todo mundo pode se dar bem. E já tem empresa com essa política. Acredito que se a gente educar as pessoas, elas, como investidores, vão forçar as empresas a terem mais responsabilidade. Eu queria ter visto um pouco mais dessa discussão em Davos. Mas não vi.

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