Descrição de chapéu The New York Times

Por que o Google voltou atrás no novo visual dos resultados de pesquisa?

A gigante da internet, que para alguns legisladores e reguladores ficou poderosa demais, modificou o modo de exibir anúncios nos resultados de pesquisas. Não pegou bem

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Daisuke Wakabayashi Tiffany Hsu
San Francisco | The New York Times

Há algumas semanas, quando Dan Shure pesquisava no Google informações sobre cortes de carne, ele fez algo que tinha evitado durante 20 anos: sem perceber, clicou em um anúncio.

Shure, um consultor que ajuda empresas a gerenciar onde elas aparecem nas pesquisas do Google, sempre achou fácil distinguir entre resultados de pesquisa pagos e links não pagos.

Isso mudou em 13 de janeiro, quando o Google reformulou a aparência de sua página de resultados de pesquisa para computadores de mesa. Mesmo para alguém com um olho treinado como Shure, ficou difícil ver a diferença entre um anúncio e um link comum.

Letreiro todo branco sob fundo de madeira escura em que se lê "Google". Acima, uma lâmpada congelada pelo frio.
Logo do Google exibido no Fórum Econômico Mundial, em Davos - Arnd Wiegmann/REUTERS

"Eu me senti um idiota porque nunca tinha clicado num anúncio antes", disse Shure, 40, proprietário da Evolving SEO, empresa de consultoria em Worcester, Massachusetts.

Nas duas décadas desde que o Google adotou anúncios de texto acima dos resultados de pesquisas, a empresa tornou os anúncios cada vez menos evidentes. Mas seu visual mais recente pode ter ido longe demais. Os usuários se queixaram de que o Google estava tentando enganar as pessoas a clicar em mais resultados pagos, enquanto executivos de marketing disseram que foi mais um passo para obscurecer a linha entre anúncios e resultados de pesquisa não pagos, forçando-os a gastar mais dinheiro com a empresa de internet.

A polêmica surge em um mau momento para o Google, que enfrenta acusações em todo o mundo de que se aproveita injustamente do predomínio de seu mecanismo de busca. E é um indício de como o gigante da internet agora precisa tomar cuidado quando faz ajustes sutis —e às vezes evidentes —para extrair mais dinheiro de seu gigantesco negócio de anúncios.

Reguladores e políticos estão investigando a influência do Google no setor de publicidade digital. E alguns anunciantes desafiam abertamente os anúncios nas pesquisas como "extorsão" e "pedido de resgate" da gigante tecnológica, que controla cerca de 90% das pesquisas na web.

Ginny Marvin, editora-chefe do site Search Engine Land, que cobre o setor de pesquisas, disse que há maior consciência entre os usuários sobre o comportamento do Google por causa de recentes queixas sobre privacidade e investigações antitruste do governo.

"Há muito mais escrutínio do usuário comum, que talvez não pensasse sobre isso um ou dois anos atrás", disse Marvin. "Vê-los fazer essa mudança diante da regulamentação antitruste" não passaria despercebido.

No início deste mês, o Google anunciou que eventualmente removerá rastreadores de terceiros, ou cookies, de seu navegador Chrome, decisão que descreveu como um esforço para criar "uma web mais privativa". Mas a Associação Americana de Agências de Publicidade e a Associação de Anunciantes Nacionais rapidamente reclamaram em carta aberta que a remoção de cookies poderia "sufocar o oxigênio econômico da publicidade do qual startups e empresas emergentes precisam para sobreviver".

A reação às recentes mudanças na página de pesquisas foi tão negativa que o Google deu o raro passo de reverter algumas das alterações no design na semana passada. Em comunicado, a empresa afirmou estar "experimentando uma mudança" nos novos logotipos ao lado dos links não pagos, embora não tenha alterado o novo logotipo dos anúncios.

Lara Levin, porta-voz do Google, disse em comunicado que as recentes mudanças no design refletem um novo visual que a empresa adotou para os resultados de pesquisa em celulares em maio de 2019. A empresa testou o novo visual na pesquisa em computadores e os resultados foram positivos, disse Levin, mas decidiu fazer algumas alterações para corresponder ao "feedback dos usuários".

A Alphabet, empresa controladora do Google, deverá divulgar na próxima semana que sua receita anual superou US$ 150 bilhões em 2019. Mas os negócios de publicidade do Google sofrem crescente pressão de rivais como Amazon e Facebook.

O dinheiro da publicidade no Google representa cerca de 80% da receita total da Alphabet. A publicidade em pesquisas é essencial para o futuro do Google, embora a empresa não diga quanto ganha só com ela. A empresa de inteligência de mídia Magna estima que a publicidade em pesquisas em geral aumentou 14% em 2019, para cerca de US$ 144 bilhões.

O Google constantemente mexe no design de sua página de resultados de pesquisas, e sua abordagem antes básica dos resultados —caracterizada como "10 links azuis" —mudou drasticamente nos últimos anos. A empresa já testou 41 tons diferentes de azul para descobrir qual deles o usuário preferia, e constantemente tornou seus anúncios de pesquisas mais discretos ao longo do tempo.

Cada vez mais, a página de resultados de pesquisa do Google não é apenas o caminho para dirigi-lo às informações mais relevantes da web, mas também o próprio destino. Os links não pagos ficam enterrados entre uma mistura de caixas de fatos, links para notícias, anúncios e trechos de texto.

Para os profissionais de marketing, que confiam no Google para gerar tráfego na web, a imprecisão dos limites entre anúncios e resultados comuns torna difícil decifrar se os clientes que estão sendo redirecionados para seus sites são pessoas que os procurariam de qualquer maneira ou que tropeçaram neles por causa do anúncio.

"Você não pode descobrir de onde vêm os clientes de maior valor se todos vierem por meio desse anúncio pago. No momento é apenas uma guerra de apostas, e as marcas precisam apostar contra seu próprio nome como mecanismo de defesa", disse Amanda Goetz, vice-presidente de marketing de The Knot Worldwide, grupo de planejamento de casamentos. Ela chamou a reformulação de "transição para esse desenho obscuro quase enganoso".

Josh Zeitz, outro porta-voz do Google para a equipe de publicidade, disse que as mudanças no design estão alinhadas com as diretrizes da Comissão Federal de Comércio (FTC). Em 2013, a comissão fez recomendações sobre como os mecanismos de pesquisa deviam rotular os anúncios, mas não mencionou requisitos específicos além de que os resultados pagos deveriam ser "perceptíveis e compreensíveis para os consumidores".

As alterações recentes do Google acataram algumas das diretrizes, mas ignoraram outras. O Google não seguiu o que a FTC prescreveu sobre "pistas visuais", com resultados pagos marcados por "sombreamento destacado com um contorno claro" ou uma "borda que diferencia claramente a publicidade" dos resultados de pesquisa não pagos, ou ambos. Mas o novo ícone de publicidade atendeu à recomendação da FTC de que os rótulos de anúncio fossem exibidos antes do resultado pago no canto superior esquerdo.

O Google se recusou a comentar abertamente como interpreta as diretrizes da FTC, citando um período de silêncio antes do balanço. O porta-voz da FTC Mitchell Katz se recusou a comentar as mudanças do Google.

O Google não é o único a tentar obter maior receita de propriedades importantes na internet. Facebook, Instagram, Twitter e Amazon estão aumentando o número de anúncios que aparecem em seus sites e aplicativos, e rotulando anúncios de maneiras diferentes.

Para Shure, as alterações recentes no Google foram mais marcantes no computador do que no celular, porque há pouca diferença visual entre os resultados de pesquisa paga e não paga. Ele disse que descobriu que não havia diferença no tamanho, espaçamento ou cor das fontes entre os anúncios e os resultados regulares ou orgânicos. No celular, cada anúncio está contido em uma caixa e vem com um "i", ou ícone de informações, à direita.

"Se você olhar para um resultado que tem anúncios e links orgânicos, tudo parece igual", disse Shure. "Isso é um problema."


Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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