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Roberto Dumas Damas

Ação do Fed evidencia risco de estresse de liquidez no mercado de crédito dos EUA

Entenda por que as empresas americanas correm risco de não pagar suas dívidas

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Uma das primeiras coisas que aprendemos em finanças é que os ativos de risco geralmente são os que respondem mais favoravelmente quando a autoridade monetária baixa os juros, ou faz um afrouxamento monetário.

Mas o que será que aconteceu nesta segunda (16) com as Bolsas, principalmente nos EUA, com os principais índices caindo mais de 10%, acionando circuit breakers por todo o lado? A maior disponibilidade de dinheiro na economia, assumindo um cenário tranquilo de inflação, seria motivo de regozijo para os adoradores de risco, pois menores juros geralmente levam investidores a querer correr mais riscos.

No entanto, o buraco parece ser bem mais embaixo em relação à intervenção do Fed, o banco central dos EUA, ao baixar o juro para um intervalo entre zero e 0,25% e ao mesmo tempo anunciar recompras de títulos públicos (treasuries) em um volume de US$ 500 bilhões, além de US$ 200 bilhões em Mortgage Backed Securities (MBS).

Nos últimos dez anos, várias empresas do índice S&P 500 tomaram empréstimos bancários, já que o custo era baixinho, para poder recomprar suas próprias ações.

Contabilmente, o lançamento é simples: quando uma empresa recompra uma ação, ela fica alocada no patrimônio líquido da companhia. Se a Bolsa e o preço da ação sobem, então o patrimônio líquido (PL) da empresa que recomprou a ação sobe também. Maior patrimônio líquido (PL) e a mesma dívida levam a um indicador de risco dado pela razão entre dívida e PL melhor. Sim, pois a empresa passa a dever mais para si mesma (PL) do que para outros credores (bancos).

Agora imagine um cenário adverso de queda das Bolsas e do preço das ações recompradas. Ou melhor, não precisamos imaginar, pois esse cenário é exatamente o atual. Nesse cenário, a percepção de risco de crédito dessas empresas se deteriora, o que faz com que os bancos que emprestaram recursos para essas empresas recomprarem ações tenham de adequar seus capitais, dado o maior nível de risco a que estão expostos.

Não nos estranha, portanto, o anúncio de que vários bancos e empresas encerraram seus programas de recompra de ações.

Infelizmente, esse ainda não parece ser o fim da história. Na semana passada, Arábia Saudita e Rússia resolveram aumentar a oferta de petróleo, mesmo em uma situação de menor demanda. Com US$ 900 bilhões de títulos corporativos emitidos pela indústria de óleo e gás dos EUA para financiar a exploração e a produção também do petróleo de xisto, a queda do petróleo muito em breve levará a uma queda na percepção de risco dessas empresas e de seus bancos credores.

O ingrediente principal desse caldo parece ser a extrema necessidade de os bancos americanos adequarem seus níveis de capitais, dada uma maior exposição de risco.


Nota-se que nível de liquidez do mercado de títulos públicos americanos (treasuries) diminuiu drasticamente, o que fez com que o retorno da ponta final da curva de juros ficasse acima das mínimas, mesmo com a queda de juros anunciada pelo Fed testemunhando uma necessidade de liquidez maior por parte dos bancos que buscam vender seus treasuries, para fazer caixa e adequar seus níveis de capital.

Nesse ponto, é crucial perceber o risco de um provável estresse de liquidez no mercado de crédito dos EUA. Sim, pois, se os bancos não conseguem adequar seus níveis de capitais dadas as suas exposições a créditos mais arriscados, a primeira coisa a fazer é diminuir suas carteiras de crédito, não renovando as dívidas vincendas das empresas.

Para tentar evitar esse cenário, que seria mais um episódio próximo do que aconteceu em 2008, o Fed interveio comprando esses títulos públicos (treasuries) dos bancos em troca de caixa e liquidez para ser utilizados para suas adequações de capitais. Além de questionarmos se essa intervenção será suficiente para amenizar a falta de liquidez no mercado de treasuries, vale repetir: Não existe almoço de graça.

Roberto Dumas Damas
Professor de economia do Insper

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