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Coronavírus, o debate econômico

Clima de enterro da responsabilidade fiscal é caminho perigoso

Importante agora gastar, e muito, com o que é essencial, mas é preciso ser temporário

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Marcos Mendes
São Paulo

A crise sanitária e a necessidade de parada súbita da economia levaram o governo federal a pedir a decretação de calamidade pública com consequente suspensão da obrigação de cumprimento da meta de resultado primário.

Instalou-se, a partir daí, um clima de que a responsabilidade fiscal está enterrada e vale gastar com tudo, pelo bem da reativação da economia. Caminho perigoso.

Não estamos em um caso clássico de escassez de demanda, em que qualquer gasto do governo faz a roda voltar a girar. Vivemos uma parada súbita do sistema produtivo: trabalhadores e consumidores em quarentena, lojas fechadas e falta de insumos. E enfrentamos essa situação com as contas públicas em pandarecos.

Presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, durante coletiva de imprensa para falar sobre medidas do governo contra o coronavírus, no Palácio do Planalto
Presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, durante coletiva de imprensa para falar sobre medidas do governo contra o coronavírus, no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira/Folhapress

É fundamental ter prioridades. Importante gastar, e muito, com o que é essencial: ações de saúde, sustentação de renda de pobres e informais, capital de giro para empresas.

Manter os portos e canais de distribuição funcionando com segurança, organizar racionamento, garantir a ordem pública. Policiamento de fronteira, motins em penitenciárias. Desafios de alto custo financeiro, gerencial e logístico.

O gasto deve focar o essencial para lidar com o tipo de crise que enfrentamos. E precisa ser temporário: enquanto a crise durar.

Se, passada a crise, conseguirmos voltar para a trajetória de ajuste das contas, a dívida mais alta não será um problema grave. Mas, se estivermos com uma conta mais pesada de despesas rígidas e obrigatórias, a dívida sairá de controle: vamos pagar mais juros e a retomada do crescimento será ainda mais difícil.

A experiência da política anticíclica de 2009 nos ensina essa lição. A crise passou, e os estímulos continuaram a todo vapor. A desoneração da folha de pagamentos, então criada, ainda está vigente, 11 anos depois. O desarranjo fiscal ali criado foi a semente da recessão de 2014-16.

Nesse sentido, algumas ações atuais preocupam.

Em plena crise, a Câmara aprovou a MP 899, que inclui a regulamentação do pagamento de bônus aos fiscais da receita. Aumento de remuneração a servidores públicos, um dia depois de se anunciar a possibilidade de corte de até 50% nos salários do setor privado!

Não devemos todos dar nossa cota de sacrifício? O correto seria que os salários mais elevados da administração pública, nos três níveis de governo, fossem temporariamente reduzidos, para ajudar a financiar o esforço de guerra à epidemia.

E o que dizer dos secretários da Fazenda demandando R$ 14 bilhões por mês do governo federal para compensar suas perdas de arrecadação? Uma coisa é cooperação financeira para ações de combate à crise. Outra coisa é uma compensação com gancho jurídico para virar permanente. Estratégia na qual os estados são mestres.

Também é inadequada a iniciativa de aprovar um novo texto para ampliar o BPC (Benefício de Prestação Continuada). O texto aprovado pelo Congresso estava suspenso por liminar do TCU, que agora volta atrás em nome do combate a crise. Mas não é resposta adequada à crise a ampliação, em caráter permanente, de um programa social caro e de baixa focalização nos mais pobres.

Ademais, o texto em negociação é propício a aumentar a judicialização e os custos gerenciais do programa. E o cerne do problema que levou à liminar do TCU não está resolvido: qual será a fonte de financiamento?

Passada a crise, enfrentaremos um duro retorno ao inevitável ajuste das contas. Seria recomendável, desde já, sobrestar projetos não relacionados à atual emergência e que trazem alto custo fiscal futuro, para que, após a crise, sejam avaliados custos e oportunidade.

Aí se incluem: a PEC do Fundeb (que poderia ser temporariamente prorrogado nos termos atuais), a constitucionalização do Bolsa Família, o fundo extraorçamentário para o ambiente e o 13º salário para o BPC.

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