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Coronavírus pega mundo com dívida recorde e prazo curto

Diminuição da atividade de empresas colocam em risco a rolagem dos empréstimos e a sobrevivência de algumas delas

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São Paulo

O cenário de freada econômica global trazido pelo coronavírus pegou as empresas não financeiras mundiais desprotegidas, com níveis recordes de endividamento e prazos extremamente curtos para o pagamento desses compromissos.

A diminuição da atividade dessas companhias diante da epidemia deve reduzir a entrada de dinheiro no caixa para honrar os débitos, colocando em risco a rolagem dos empréstimos e a sobrevivência de algumas delas.

Na sexta-feira (6), o mercado de títulos corporativos nos Estados Unidos, no qual são negociados esses papéis remunerados com juros pagos pelas empresas, teve seu pior dia em dez anos.

Numa corrida que raramente é vista nesse tipo de ambiente, e que é bem mais comum nas Bolsas de Valores, investidores se desfizeram dos títulos para cobrir perdas em outros mercados ou por desconfiar de que as empresas donas dos papéis não conseguirão honrar os compromissos.

Soldados sul coreanos usam spray contra coronavírus nas ruas em Seul, Coreia do Su
Soldados sul coreanos usam spray contra coronavírus nas ruas em Seul, Coreia do Su - Jung Yeon-je - 4.mar.2020/AFP

Atrás de dinheiro, muitos se desfizeram dos papéis de grandes companhias como General Electric e McDonald’s.

Já alguns títulos de empresas menos sólidas, e que oferecem juros maiores a seus investidores por causa do risco, foram vendidos com descontos superiores a 10%.

Como pano de fundo desse movimento, há um mundo que nunca esteve tão endividado como agora.

Nesse contexto, é no setor corporativo que paira o maior risco de paralisia em cadeias globais de suprimentos —sobretudo de componentes chineses— e de setores importantes como o de transporte de passageiros e de cargas.

No total, governos, empresas, bancos e famílias devem atualmente US$ 253 trilhões, um recorde equivalente a 322% do valor do PIB (Produto Interno Bruto) global, segundo dados do Institute of International Finance (IIF), espécie de Febraban mundial.

Enquanto o trauma da crise global de 2009 levou bancos e famílias a controlar suas dívidas nos últimos anos, os governos se endividaram rapidamente (para socorrer empresas) e as companhias ampliaram suas dívidas em um ambiente de juros extremamente baixos.

A chegada do coronavírus e da esperada contração abrupta do crescimento global neste ano —o IIF estima um PIB de 1%, ante 2,6% em 2019— coincide com um volume recorde de vencimentos desses débitos, acumulados ao longo da década passada.

Ou seja, no momento em que mais precisam de geração de caixa, as empresas devem faturar menos.
Segundo novo relatório da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, o clube dos países ricos) sobre o mercado de títulos corporativos, um terço de toda a dívida emitida por esse tipo de instrumento no mundo tem vencimento previsto para os próximos três anos.

Neste 2020, elas terão de pagar ou refinanciar o valor anual sem precedentes de US$ 1,3 trilhão; que subirá a US$ 2,9 trilhões em dois anos e para US$ 4,4 trilhões em três anos.

Desde 2017, a maior parte (52%) dos títulos emitidos pelas empresas e considerados seguros (grau de investimento) teve apenas a classificação “BBB”, a mais fraca para a obtenção do selo.

Além de terem menor qualidade, os títulos emitidos preveem pagamentos de parcelas consideravelmente altas e têm garantias mais precárias que os lançados, por exemplo, durante os anos 2000.

Caso agências de classificação de risco rebaixem a nota desses papéis agora, grandes investidores como fundos de pensão serão obrigados, pelas regras de proteção a seus clientes, a se desfazer deles —o que pode derrubar ainda mais seu valor e as chances das empresas de rolar os débitos.

Quem ainda mantiver o título, muitas vezes usado como garantia de outros empréstimos, verá seu valor diminuir, provocando desarranjos subsequentes no caixa de terceiros.

Em um cenário como o atual, de excesso de oferta de dinheiro no mundo pela política de juros baixos ou negativos dos bancos centrais, isso não vinha sendo considerado um grande problema.

Tanto é assim que o valor total das emissões de dívidas corporativas praticamente dobrou desde 2008.

Com a eclosão do coronavírus, no entanto, há muitas dúvidas agora se os investidores se sentirão confortáveis em refinanciar essas dívidas sem saber ao certo se as empresas terão faturamento suficiente para honrá-los no futuro.

Mas, ao contrário do desastre global dez anos atrás, desta vez os bancos globais não estão tão endividados, nem as famílias. Espera-se também que a disrupção na produção seja apenas passageira.

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