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Crise até parece, mas é muito diferente da Grande Recessão

Risco está em dívidas empresariais e na produção; se fosse nos bancos, seria pior

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São Paulo

Embora venha causando o mesmo tipo de cataclismo nos mercados, a crise gerada pelo covid-19 –e agora ampliada pelo petróleo– é radicalmente diferente do colapso global de dez anos atrás que levou o mundo à chamada Grande Recessão.

Em vários sentidos, havia entre 2008 e 2010 prognósticos muito piores do que os atuais.

Mesmo tendendo a levar o mundo à recessão, a nova crise não pegou o sistema financeiro global vulnerável a ponto de, como em 2008, quebrar o Lehman Brothers e obrigar o Tesouro americano a tornar-se sócio do Citibank e do Bank of America –e de concordar com a quebra de mais de mil pequenos e médios bancos.

É difícil imaginar um cenário como esse hoje, pois são as empresas não financeiras as detentoras de dívidas recordes em proporção ao PIB de seus países.

Na crise atual, a preocupação é com um contágio do setor corporativo em direção ao financeiro. Não o contrário, o que seria bem mais grave e traria problemas estruturais muito difíceis de digerir tanto para instituições financeiras quanto para empresas e governos.

Há dez anos, eram os bancos e as famílias os emaranhados na crise dos empréstimos "subprime", que permitiram a pessoas com pouca renda comprar imóveis supervalorizados que lastreavam títulos ruins negociados pelo mundo.

Quando o castelo de cartas ruiu, as famílias empobreceram tanto pela queda no preço de seus imóveis quanto pela derrocada do mercado de ações. A recessão que se seguiu no mundo rico agravou o quadro com desemprego e quebra de empresas.

Já os bancos tiveram que contabilizar o prejuízo de empréstimos de má qualidade a pessoas físicas e com os títulos que tinham os financiamentos como garantia –e que viraram algo próximo de lixo.

Assim, os bancos também pararam de emprestar dinheiro a empresas, que por sua vez já não achavam mais compradores para seus produtos.

No final, restou aos governos intervir, endividando-se para salvar todo mundo. Hoje, os governos centrais devem conjuntamente US$ 69,2 trilhões, o equivalente a 88,3% do PIB global, um recorde.

Normalmente, o setor financeiro é lento em assumir grandes riscos. A crise do "subprime" levou vários anos para se formar; e seu colapso posterior tornou os bancos ainda mais conservadores pela força de novas regulações e traumas adquiridos no período.

O risco hoje seriam as dívidas recordes das empresas não financeiras –US$ 13,5 trilhões, um terço disso vencendo em três anos– contaminarem o sistema bancário. Mas o exemplo dos empréstimos "subprime" não vale aqui.

Os débitos corporativos são assumidos pelas empresas mediante a emissão, no mercado de "corporate bonds", de papéis por elas remunerados a juro e com prazo de vencimento. Em muitos casos, seus ativos servem de garantia.

O atual recorde em valor na emissão desses papéis decorre da farta oferta de dinheiro barato no mundo, que aumentou o apetite de investidores por esse tipo de instrumento.

Essas dívidas, portanto, não fazem parte do balanço dos principais bancos globais.

O maior risco para eles se concentra agora na possibilidade de empresas e demais clientes não pagarem outros tipos de empréstimos.

Nesta segunda (9), as ações dos quatro maiores bancos dos EUA –J.P. Morgan Chase, Bank of America, Citibank e Wells Fargo– caíram entre 12% e 16% e o setor perdeu toda a valorização que acumulava desde outubro de 2016.

Ainda assim, como os bancos centrais devem ampliar a liquidez nos mercados, o maior risco de o mundo entrar em recessão restringe-se, por enquanto, mais a um choque de oferta do que de demanda.

O isolamento de regiões inteiras e de milhões de pessoas vem interrompendo a produção e a atividade de inúmeros setores em vários países.

Dependendo do tempo em que essas áreas ficarem paralisadas, pode surgir a necessidade de demissões e de cortes em planos de investimentos novos ou em andamento.

Como o coronavírus vem afetando de maneira paulatina diferentes regiões do mundo, quando a epidemia diminuir na China, poderá estar em alta nos EUA, retardando uma retomada da produção conjunta global em forma de "V" –a mais comum quando a economia se retrai por conta de fatores exógenos e não estruturais, como foi o caso da crise de 2008/2009.

Em 2009, no pior ano da Grande Recessão, a economia global encolheu 0,1% e os países ricos, 2,9%. Nos EUA, a queda foi de 2,5%; mas os emergentes cresceram 2,9%.

Há outras diferenças entre o mundo de então e o de 2020.

Do lado otimista, dados da OCDE (o clube dos países ricos) mostram que a renda média per capita total das famílias é 6% maior hoje do que há dez anos e que o endividamento delas caiu 3%. Houve ainda queda de cinco pontos percentuais no desemprego médio e alta de 7% nos rendimentos do trabalho.

Mas a aguda contração nos preços de ativos como ações, sobretudo nos EUA, já deixou mais pobres as famílias, que tenderão a confiar menos no futuro e a consumir menos.

Como as empresas já estão com problemas para produzir, o risco é a crise estar grande demais quando a epidemia começar a perder força.

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