Estoques retardam repasse da alta do dólar ao consumidor, diz comércio

Apesar da manutenção de preços, setores dependentes de importação estão em alerta

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São Paulo

A escalada do dólar, que encostou em R$ 4,67 nesta quinta (5) e acumula alta de 16% no ano, deixa o comércio dependente da importação em alerta, embora a elevação não tenha sido repassada ao preço ao consumidor.

A cadeia de trigo amarga um aumento de 15% a 20% no custo (o câmbio não é o único fator, mas figura entre os principais). A alta deve pressionar o preço da farinha e, assim, de pães, biscoitos e massas.

Os moinhos já transferem parte deste custo à farinha, mas fabricantes de alimentos ainda resistem em precificá-lo nos produtos.

Moeda americana; apesar da alta, valor ainda não é repassado a produtos que dependem de importação
Dólar americano; apesar da alta, valor ainda não é repassado a produtos que dependem de importação - Jorge Araújo/Fotos Públicas

"Até agora, o valor não foi repassado ao pão e à massa. Isso geraria efeito inflacionário, aumentando o custo da cesta básica. A questão é como as fabricantes vão lidar com esse aumento ao consumidor", diz Rubens Barbosa, presidente da Abitrigo, que reúne a indústria brasileira do cereal.

A variação cambial levou os moinhos à revisão da política de preço.A expectativa da indústria é de um "cenário sombrio" a partir de maio. Isso porque os moinhos têm estoques de três meses.

Das 11 milhões de toneladas de trigo consumidas por ano no Brasil, 7 milhões vêm do exterior.

O setor já transmitiu preocupação aos ministérios da Economia e Agricultura, que examinam o que poderá ser feito, de acordo com Barbosa.

As padarias de São Paulo não sentiram o impacto do dólar, segundo Rui Manuel, do sindicato que reúne a indústria de panificação e confeitaria.

"O quilo do pão francês permanece o mesmo desde o meio do ano passado, de R$ 10 a R$ 13. Se repassar [o custo], não vende. O mercado não aceita aumento. As empresas não passaram às padarias."

Outro setor dependente de exportação, o varejo popular, que compra diversos itens da China, também não registrou alta nos preços, de acordo com os lojistas.

Os estoques, segundo eles, ainda dão conta da demanda, embora não seja possível prever até quando os valores seguirão na média anterior à alta do dólar.

"Neste momento, está ok, mas o cenário vai mudar. Estamos favorecidos porque compramos muito antes da disparada, mas isso é por tempo limitado", afirma Ondamar Ferreira, gerente da Armarinhos Fernando, um dos maiores pontos de venda da rua 25 de Março, em São Paulo.

O problema pode ocorrer quando acabar o estoque de brinquedos —no estabelecimento, 90% vêm da China.

Segundo o dirigente, será preciso deslocar a demanda para produtos nacionais. Com o surto do coronavírus, muitas mercadorias não saem do país asiático e o que está na importadora precisa absorver a elevação do dólar.

"Não sabemos se o lojista vai repassar para o preço final ou segurar o prejuízo. Produtos da China, que deveriam chegar em dezembro, estão chegando agora. É muita incerteza", diz Claudia Urias, assessora-executiva da Univinco, entidade que reúne lojistas da 25 de Março.

Alguns produtos podem acabar em breve nas lojas com a demora dos embarques na China. É inevitável que as novas levas de compra saiam mais caras ao lojista.

"O pessoal entrou em 2020 com expectativa boa, aí veio chuva, coronavírus e dólar. Bom é que muitos compraram com antecedência", diz Claudia.

Na conjuntura de dólar e coronavírus, o turismo é uma das áreas com influência mais visível na variação de preços. As viagens corporativas, em especial, podem canceladas ou remarcadas.

O dólar alto não impactou o faturamento das agências em janeiro, mas o cenário no médio prazo é incerto.

"A alta do dólar está direcionando o passageiro para outros lugares", diz Aldo Leone Filho, presidente da Agaxtur, agência de viagens e turismo. Apesar da substituição, há quem prefira adiar a viagem, o que acarretaria num cenário de demanda represada.

"As pessoas têm medo de viajar para fora e gastar muito. Mas hoje temos conseguido negociar 20%, 25% de desconto. O destino também muda. Sai de Europa e vai para Caribe, Atacama, Bariloche, onde hotel e avião ficam baratos", afirma.

Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos, estima um impacto no IPCA (índice de preços ao consumidor) de 0,12 ponto percentual a cada 10% de desvalorização.

A moeda já perdeu cerca de 15% de valor, o que elevaria esse efeito para quase 0,20 ponto percentual, para uma meta de 4% (com margem de erro de 2,5% a 5,5%).

Na semana passada, a projeção do boletim Focus para o câmbio no final do ano, com economistas consultados pelo Banco Central, subiu de R$ 4,15 para R$ 4,20.

"A expectativa ainda é que o câmbio volte para um patamar um pouco menor. Mesmo com essa oscilação, não há preocupação para o cumprimento dessa meta de 4%", diz Cruz.

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