Fechar Bolsas poderia frear a queda dos mercados?

Parar funcionamento dos mercados pode tornar as coisas até piores, quando eles forem reabertos

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Londres e São Paulo

Com a crise do coronavírus, investidores e autoridades regulatórias começam a debater a possibilidade de impor restrições a operações no mercado, temendo que as oscilações nos preços tenham se tornado desordenadas e que instituições com forças de trabalho reduzidas percam a capacidade de lidar com o pesado volume de transações.

Foi levantada, inclusive, a possibilidade das Bolsas de Valores do mundo fecharem. Além do risco de contaminação dos operadores e funcionários, os mercados enfrentam o período mais volátil da história, com seguidos circuit breakers —parada nas negociações em quedas bruscas—​ e desvalorizações semelhantes a crises financeiras passadas.

Homem trabalha na Bolsa de Valores de Nova York, Estados Unidos - Michael Nagle/Xinhua

Nesta terça-feira (17), a Bolsa de Valores das Filipinas, enquanto isso, foi fechada por dois dias nesta terça (17), depois que o país entrou em uma “quarentena comunitária reforçada”.

Nos Estados Unidos, a Bolsa de Chicago anunciou que, a partir de sexta (20), o seu andar de negociações será fechado por tempo indeterminado para evitar "aglomerações que possam contribuir para a disseminação do coronavírus em linha com recomendações médicas", disse a CME.

A Bolsa americana informou que todas as negociações seguirão acontecendo normalmente.

Em entrevista à Bloomberg, o presidente da CME, Terrence A. Duffy disse que fechar negociações poderia ser "um erro muito grande" e que "circuit breakers têm funcionado muito bem". Ele ainda sugere que

"Temos que tentar tudo o que podemos para reduzir a volatilidade, mas não se pode, de maneira alguma, fechar os mercados e não ter onde transacionar negócios", afirma Duffy.

Jay Clayton, presidente da Securities and Exchange Commission (SEC), agência federal que regulamenta os mercados de valores mobiliários dos Estados Unidos, segue a mesma linha.

“Os mercados deveriam continuar a funcionar, em momentos como o atual”, disse em entrevista à rede de notícias CNBC na segunda (16).

No Brasil, também cogitou-se a possibilidade de fechamento da B3, que já viveu cinco circuit breakers em março. Além de ser responsável pelo mercado de ações brasileiro, a empresa negocia, compensa, liquida, deposita e registra "todas as principais classes de ativos, desde ações e títulos de renda fixa corporativa até derivativos de moedas, operações estruturadas e taxas de juro e de commodities", diz a companhia.

A B3 também é central garantidora para a maior parte das operações que ela processa. Também é central depositária e de registro.

"Grande parte da estruturas de operação é baseada em tecnologia, o que dá um alívio, mas algumas pessoas precisam estar na Bolsa, ela requer alguns operadores in loco", diz Luis Sales, analista da Guide Investimentos.

Analistas apontam, que, para a Bolsa brasileira fechar, seria necessário ser decretado feriado bancário. Desta forma, bancos e demais agentes do mercado financeiro permaneceriam fechados por tempo determinado pelo governo federal.

O Banco Central (BC), contudo, não considera essa possibilidade.

“Para a Bolsa fechar no Brasil, de maneira eficiente, a iniciativa teria que partir dos Estados Unidos, fechando as Bolsas por lá. Não tem como partir daqui”, afirma Victor Beyruti, economista da Guide Investimentos.

Uma outra hipótese seria a redução do horário de negociações. Hoje, a Bolsa brasileira funciona das 10h às 17h, com after market até 17h30.

Na segunda (16), autoridades regulatórias da Austrália informaram aos operadores mais ativos nos mercados de ações do país que eles teriam de reduzir significativamente suas operações, porque volumes maiores de transações colocavam os corretores e a Bolsa mesma em risco.

Na Europa, Bolsas baniram a venda a descoberto (short selling, em inglês). Essa prática financeira consiste na venda de ativos que foram tomados por empréstimo, sem tê-los, efetivamente, em carteira. Depois, o investidor compra os papéis por um valor inferior ao que venderam, embolsando o lucro obtido.

Na Espanha, a proibição vale até 17 de abril, podendo ser estendida por mais três meses. Na Itália vai até junho. França e Bélgica proibiram a prática por um mês.

Existem precedentes para o fechamento das bolsas?

Sim, mas fechamentos são raros e tenderam a ser breves, e a ter relação com problemas específicos na região em que a bolsa a ser fechada está localizada.

A Bolsa de Valores de Londres fechou pela última vez em 1987, quando tempestades impediram milhares de operadores de chegar à cidade. A Bolsa de Valores de Nova York e a Nasdaq fecharam em outubro de 2012, como parte dos preparativos da cidade para enfrentar a tempestade Sandy, e também ficaram fechadas por diversos dias depois dos ataques terroristas de setembro de 2001, que causaram danos a cabos de comunicação e escritórios.

Exemplos como esses ilustram que uma massa crítica de pessoas precisava estar presente em um lugar físico específico para que os mercados funcionassem, no passado. Hoje em dia, a natureza das operações mudou e a participação humana foi eliminada do processo, em boa medida. A maioria das transações nos mercados de ações, futuros e de câmbio é executada automaticamente por computadores, servidores instalados em data centers.

Ainda assim, os operadores dizem que a transição para operações em locais remotos, como centros de recuperação pós-desastre, ou mesmo para home offices, em resposta ao vírus, está exacerbando os bolsões de baixa liquidez.

Nem todos os fechamentos foram causados por problemas logísticos. Na Grécia, em 2015, a Bolsa de Valores de Atenas, assim como os mercados de títulos e derivativos, e os serviços de compensação de transações, ficaram cinco semanas fechados depois da imposição de controles de capital.

Como é que as bolsas se mantiveram abertas até agora?

Muitas vêm ativando planos para continuação de negócios. Companhias como a London Stock Exchange, a Nasdaq e a Intercontinental Exchange dividiram suas equipes entre o pessoal que trabalha remotamente, o pessoal que trabalha de casa, e aqueles que estão à disposição para certas operações críticas, como os serviços de vigilância e os sistemas tecnológicos.

Serviços acessórios como as cerimônias de abertura e fechamento foram truncados ou cancelados. A CME, CBOE Global Markets e Nasdaq fecharam seus pregões “de voz” para transações de opções, embora esses mercados continuem a funcionar eletronicamente. Até agora, a maioria das operações das bolsas se sustentou, e elas reportaram poucos problemas.

Mas algumas mudanças foram adotadas a fim de aliviar o estresse. Por exemplo, a Bolsa de Valores de Londres afrouxou as faixas de flutuação nas quais os “market makers”, em geral bancos ou operadores de alta frequência, podem cotar preços de compra e venda de títulos.

Isso permitirá que eles ofereçam preços mais atraentes aos participantes do mercado, persuadindo-os a não abandonar o mercado quando ele parece arriscado demais. A Autoridade Europeia de Títulos e Mercados adotou regras mais firmes de transparência sobre vendas de títulos a descoberto.

Qual é o benefício de fechar uma bolsa?

Em termos práticos, isso reduziria o desgaste nas bolsas e nas corretoras que as empregam, e potencialmente reduziria o escopo de acidentes de mercado que poderiam agravar a crise econômica e de saúde pública.

Foi isso que as autoridades regulatórias australianas tentaram impedir. Como explicou Guy Warren, presidente-executivo da ITRS, uma provedora britânica de tecnologia para operações financeiras, “sem as ferramentas corretas para planejamento de capacidade, é extremamente difícil identificar qual é o ponto vulnerável de um sistema de tecnologia, e quando uma crise pode acontecer”.

E o lado negativo?

Ações, títulos, fundos negociados em bolsa e contratos futuros são operados internacionalmente, em mercados fortemente interligados. As transações com ações do índice FTSE-100 tendem a se concentrar na bolsa de Londres, por exemplo, mas os contratos futuros de componentes desse índice são mais ativos na bolsa ICE Futures Europe.

Companhias com ações cotadas no Reino Unido também são componentes do índice Euro Stoxx 600, que é operado na Alemanha. As operações matutinas na Europa, enquanto isso, são fortemente influenciadas pelo preço dos contratos futuros “eMini”, que são operados em Chicago.

A menos que todas as grandes bolsas sejam fechadas simultaneamente, os operadores recorrerão aos locais que continuam abertos e líquidos. Uma autoridade europeia disse que o resultado serias “uma bagunça”.

Fechar os mercados pode tornar as coisas até piores, quando eles forem reabertos. Quando o mercado de Atenas reabriu depois de seu hiato, cinco anos atrás, sofreu uma queda de 20%. Fechar mercados pode impedir que investidores fujam de ações em queda enquanto seus ativos ainda retêm algum valor. Alguns fundos, é claro, lucrariam com a queda dos preços dos ativos.

Stacey Cunningham, presidente da New York Stock Exchange, disse na segunda-feira que era “importante” que os mercados continuassem abertos, e que fechá-los só agravaria as ansiedades do mercado.

“[Isso] não mudaria as causas inerentes do declínio do mercado, removeria a transparência quanto ao sentimento dos investidores, e reduziria o acesso dos investidores ao seu dinheiro”, ela tuitou.

(Com Financial Times)

Tradução de Paulo Migliacci

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