Fundo gerido pelo BTG teve valorização de 30% no dia do cavalo de pau da Selic em 2011

Em sua delação, ex-ministro Palocci diz que banco tinha informação privilegiada; BTG afirma que CVM e Bolsa não encontraram anormalidades

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São Paulo

Em 31 de agosto de 2011, o Comitê de Política Monetária do Banco Central fez um inesperado corte de 0,50 ponto percentual na Selic, a taxa básica de juros. Desde janeiro, a Selic estava em alta e não havia nenhuma sinalização do órgão de que ocorreria uma revisão na trajetória. A queda de 12,5% para 12% naquele dia contrariou todos os 62 economistas consultados à época pela agência Bloomberg: eles previam a manutenção da taxa de juro.

Não é comum que um banco central, em qualquer lugar do mundo, altere a trajetória da política monetária em um espaço curto de tempo. O movimento foi tão inesperado para o mercado financeiro que entrou para a história como "cavalo de pau do Banco Central". 

Naquele dia, um fundo gerido pelo BTG Pactual foi especialmente arrojado, na visão de analistas ouvidos pela Folha. O BTG Pactual Direcional B, que tinha um patrimônio de R$ 190 milhões na véspera do cavalo de pau, teve uma valorização de 30,41% em apenas um dia –e um ganho de R$ 57,8 milhões. 

O BTG informou à reportagem que o Direcional operava apenas com títulos públicos NTN-B (hoje mais conhecido como Tesouro IPCA+). Esse título tem como principal característica pagar a variação da inflação mais uma taxa de juros prefixada. Quando a Selic cai, a tendência é que a NTN-B se valorize. O banco também destacou que o fundo era um instrumento financeiro de outros fundos, que seriam globais e com patrimônio bilionário. 

BTG em dia de abertura de capital - 26.abr.2012
BTG em dia de abertura de capital - 26.abr.2012 - Karime Xavier/Folhapress

Quem conhece o segmento afirma que um gestor com um volume pequeno de dinheiro até pode ser audacioso e arriscar um movimento na contramão da tendência, na esperança de que uma virada traga resultados superiores à média do mercado. Essa não é, porém, a conduta de gestores de fundos com patrimônio na casa de centenas de milhões.

Gestores experientes do segmento de fundos, incluindo fundos globais, afirmam ainda que a operação do Direcional é fora de padrão. Mesmo atuando como fundo de um fundo maior e global, o Direcional teria assumido uma posição arriscada e onerosa.

Para ter um ganho acima de 30% em um único dia, o que ocorreu no caso do cavalo de pau, seria preciso operar extremamente alavancado, como se diz no jargão do mercado. A alavancagem é uma técnica financeira em que se usa endividamento para assumir uma posição de investimento que dê um retorno maior. Nesse caso, também seriam exigidas garantias com valores igualmente elevados. 

Segundo a Folha apurou, a PF (Polícia Federal) e o MPF (Ministério Público Federal) estão investigando o BTG Pactual Direcional B. O ponto de partida das investigações é o acordo de delação do ex-ministro Antonio Palocci. Ele afirmou às autoridades que, de 2010 a 2012, Guido Mantega, quando era ministro da Fazenda, passou informações sobre as reuniões do Copom para o banqueiro André Esteves, sócio do BTG que ocupava a presidência do banco.

Na delação, Palocci diz que Esteves era o responsável por cuidar das finanças do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do PT. E que o banqueiro havia disponibilizado dentro de seus fundos no BTG "espécie de contas que serviriam aos interesses do PT, de Lula e familiares."

O ex-ministro narra que, ao saber antecipadamente da mudança no rumo dos juros, Esteves “buscava enriquecimento pessoal e também as contas do PT.” 

Pelo levantamento da Folha, o BTG Pactual Direcional B alcançou dois outros ganhos expressivos na sequência de reuniões do Copom (Comitê de Política Monetária) do BC (Banco Central). Em 8 de março de 2012, teve um retorno de 21%. O mercado projetava queda de 0,5% na Selic, mas a redução foi maior, de 0,75%, e o fundo ganhou R$ 30,9 milhões nesse dia.

 
O ex-ministro Antonio Palocci, na Justiça Federal em Curitiba
O ex-ministro Antonio Palocci, na Justiça Federal em Curitiba - Reprodução-29.nov.18/TV Globo

O terceiro retorno mais expressivo foi de 18,6% no dia 18 de abril de 2013. Na véspera, a reunião do Copom elevou a Selic para 7,5%. A taxa vinha estável há cinco meses e não havia consenso se haveria ou não a alta. Nesse dia, o ganho foi de R$ 57,9 milhões.

Entre a data da criação e o final de 2012, o fundo alcançou rentabilidade de 16.571% sobre o CDI (principal indicador de rendimento no mercado de renda fixa).
 
Em 10 de abril de 2014, esse fundo, que é multimercado (e na prática pode investir em diversas classes de ativos), alcançou o pico no patrimônio de R$ 602 milhões.

Especialistas ouvidos pela Folha apontam que há outros detalhes nesse fundo que chamam a atenção.

O BTG Pactual Direcional B foi criado 29 de julho de 2011, pouco mais de um mês antes do cavalo de pau. E foi cancelado na CVM no dia 22 de fevereiro de 2016, cerca de dois meses depois de André Esteves, principal sócio do banco, deixar a prisão. Esteves foi preso em novembro de 2015, após promotores o acusarem de tentar comprar o silêncio de testemunha envolvida em um esquema de suborno. Em 2018, ele foi absolvido por um juiz federal.

Os ganhos abruptos do fundo cessam em meados de dezembro de 2014, pouco antes de Guido Mantega deixar o ministério da Fazenda, em 31 de dezembro de 2014.

Outra característica do fundo é o reduzido número de investidores. Foi criado com um único cotista, mas chegou a três em nove dias. No dia do cavalo de pau, tinha apenas dois. Teve novamente três cotistas entre janeiro de 2014 e março de 2015. E volta a ter dois cotistas até o encerramento, em janeiro de 2016.

A Folha apresentou planilhas dos fundos do BTG para especialistas na área de finanças. A avaliação é que o comportamento de pelo menos quatro fundos, em especial o Direcional, têm padrão peculiar.

“Os fundos rendem mais nas datas das reuniões do Copom e, na esmagadora maioria das vezes, acertam a estratégia e performam [têm resultado] acima da média do próprio fundo”, diz George Sales, professor de finanças do Ibmec que avaliou as tabelas com os fundos e seus desempenhos.

Sales destaca, no entanto, que não é possível cravar que os retornos ocorreram graças à informação privilegiada.

“Todo mercado apostou para um lado e eles foram sozinhos para outro. A impressão é que operou muito na certeza, mas isso, por si só, não garante que havia informação privilegiada”, afirma Sales. 

Rodolfo Olivo, professor da FIA (Fundação Instituto de Administração), também afirma que a variação no cavalo de pau foi muito expressiva para um único dia. "É algo que chama a atenção. Houve um acerto muito grande naquele dia", diz Olivo.

Já houve busca e apreensão no BTG para reunir informações sobre outro fundo, o Bintang. Existe, porém, uma diferença técnica importante entre o Bintang e o Direcional, afirmam os especialistas.

No mundo da gestão de fundos, há duas figuras importantes. O administrador, que constitui e operacionaliza o funcionamento de um fundo, e o gestor, que é responsável por tomar as decisões que levam à compra e à venda de ativos. Ou seja, o gestor é o grande protagonista, o estrategista das operações.

No caso do Bintang, o BTG era apenas o administrador. No Direcional B, ele atuava como gestor.

Segundo a Folha apurou, André Esteves já prestou alguns depoimentos para os delegados da Polícia Federal de São Paulo sobre fatos delatados por Palocci. 

Palocci também passou dias inteiros na Superintendência da PF em SP dando detalhes sobre suas denúncias contra o sistema financeiro. Os anexos foram repassados pelo ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), para os delegados da capital paulista, que estão apurando as acusações.

Outro Lado

O BTG Pactual afirma que o Direcional B é "exclusivo para investidores internacionais, foi criado em 1º de agosto de 2011 tendo como únicos cotistas os fundos geridos pelo BTG Pactual que seguiam a estratégia Global Emerging Markets & Macro Fund ("GEMM"). Este veículo tinha somente o propósito de carregar as posições de títulos públicos atrelados à inflação (NTN-B). Estes títulos haviam sido comprados originalmente a partir de 30 de setembro de 2010 pelos fundos cotistas do Direcional B e foram posteriormente transferidos na sua totalidade para o Direcional B logo após sua criação". 

O banco diz ainda que o "GEMM, por sua vez, foi criado em 2009 para investir em ativos de renda fixa, moedas e ações de mercados emergentes e G7. Em 2011, este fundo possuía US$ 3,2 bilhões em ativos sob gestão e mais de 500 cotistas, entre eles grandes fundos de pensão e fundos soberanos internacionais, que eram seus principais cotistas. 

Nas datas destacadas pela reportagem, o Direcional B sequer possuía contratos de DI futuro ou papéis pré-fixados, instrumentos líquidos utilizados para operar taxas de juros, tendo em vista que seu único objetivo era investir em NTN-Bs. 

O Direcional B representava apenas cerca de 2% do patrimônio total do GEMM em agosto de 2011, mês em que a rentabilidade total do GEMM foi de 0,11%. Portanto, tanto o resultado nominal quanto o resultado percentual do Direcional B foram irrelevantes para a performance do GEMM no período. Como o Direcional B constituía um veículo de investimento exclusivo do GEMM, é um erro avaliar sua rentabilidade isoladamente. 

 Destaca-se ainda que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a BSM [órgão da Bolsa brasileira que supervisiona o mercado] avaliaram em 2012 todos os fundos do mercado que tiveram rentabilidade destacada no período, e não apontaram qualquer anormalidade na carteira e nos resultados do Direcional B e seus cotistas".

O ex-ministro Guido Mantega disse, por meio de seus advogados, "que está tomando conhecimento dos fatos noticiados apenas agora, em razão da matéria jornalística, e não tem como colaborar porque os desconhece completamente".

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