No PR, mulher eleva em 30% produção de cafés especiais

Projeto desenvolve protagonismo feminino e rende projeção internacional

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Curitiba

Antes vistas apenas como ajudantes dos maridos, cafeicultoras do norte do Paraná estão assumindo protagonismo nas plantações e já fizeram crescer em 30% o volume de produção de cafés especiais da região desde 2013.

O projeto Mulheres do Café, promovido pelo Emater (Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural), reúne cerca de 250 participantes de 11 cidades e oferece cursos de qualificação profissional e desenvolvimento pessoal para as produtoras.

Além de capacitá-las para a tarefa desde a escolha do local do plantio até a comercialização do produto, fazendo crescer a renda da família, o programa tem colhido como resultados autoestima e fortalecimento do cooperativismo feminino.

A ideia do projeto surgiu com a percepção de técnicos da Emater de que, nas propriedades em que a mulher já tinha posição de destaque, a tecnologia para o desenvolvimento do café especial --mais trabalhoso e rentável– era implantada com mais facilidade.

"Nas visitas às propriedades, os técnicos percebiam que era a mulher que estava cuidando do terreno, mas quem participava das reuniões eram os homens", diz Cíntia Lopes de Souza, coordenadora do programa, do Emater de Pinhalão.

Integrante do projeto Mulheres do Café, que oferece cursos de qualificação profissional e desenvolvimento pessoal - Emater-PR/Divulgação

Logo na primeira reunião montada exclusivamente para elas, mais de uma centena de cafeicultoras apareceu. Uma delas era Rosana de Azevedo Felet, nascida numa família de produtores e que hoje, aos 48 anos, coordena o projeto na cidade de Carlópolis.

"Apesar de já estarem bem instruídas, pois sempre trabalharam na produção, elas agora estão comandando ou dividindo o comando da propriedade com o marido, estão mais empoderadas, entendem melhor o seu papel", opina.

Felet tem duas filhas, uma formada em administração e outra em agronegócio, e viu acontecer com elas o movimento inverso do que ocorreu na sua infância no campo.

"Quando a gente era criança, tinha vontade de ir embora do campo. Hoje elas querem ficar e se desenvolver na área", diz a produtora, que não chegou a cursar faculdade, mas se orgulha de ter se desenvolvido na profissão, gerando cada vez mais lucro para a família.

A renda maior vem da qualidade e da exclusividade do produto: o café especial rende três vezes mais do que o comum. Uma saca do grão chega a ser vendida por até R$ 1.500.

O trabalho das mulheres paranaenses também tem ganhado projeção internacional e reconhecimento no território antes essencialmente masculino. Elas já exportam os grãos para o Japão e Austrália e ganharam destaque em premiações.

Logo no primeiro ano em que entrou no projeto, em 2014, a produtora Maria Maciel Gomes, de 41 anos, obteve o segundo lugar entre os melhores cafés do Paraná, num pódio em que só subiram mulheres.

"Quando inventei de mexer com cafés especiais, me chamaram de burra por investir em algo que não era meu", relembra a produtora do município de Japira. Ela não é dona da propriedade, e sim parceira no serviço. Hoje, tem 5.000 pés para cuidar, desde o plantio até a comercialização.

"Uma das coisas que o projeto me ajudou a perder foi a timidez. Eu vivia escondida atrás do marido, porque não me preocupava em estar na pós-colheita com ele. Hoje, eu saio da minha casa com o meu café, eu mesma negocio e eu mesma vendo", explica.

O projeto paranaense levou ainda a região a ser a primeira do Brasil a fazer parte da Aliança Internacional das Mulheres do Café (IWCA Brasil), um "capítulo" –como é chamado– da IWCA (International Women's Coffee Alliance), organização criada em 2003 a partir do encontro de mulheres da indústria do café dos Estados Unidos com produtoras de café na Nicarágua.

A Aliança chegou ao Brasil em 2012 e tem como foco formar uma rede de apoio de mulheres envolvidas em toda a cadeia do negócio café –do grão à xícara.

"Até recentemente o café era uma mercadoria em que o produtor não colocava preço, ele não conhecia o que fazia, e agora há um investimento sobre o produto", diz a vice-presidente da entidade, Miriam Monteiro de Aguiar. Também filha de produtores, hoje é ela quem administra a fazenda de cultivo e exportação de cafés orgânicos especiais em Santo Antônio do Amparo (MG).

O desenvolvimento do protagonismo das cafeicultoras é algo que se reflete nos números do mais recente censo rural do IBGE, de 2017. Elas já representam 18% do comando das áreas rurais brasileiras, índice que variando de 12% a 25% entre os estados. Em 2006, elas eram 12% na administração das terras.

As agricultoras do pequeno município Teutônia, no interior do Rio Grande do Sul, já ultrapassaram a média nacional, com mais de 20% do total na direção das propriedades, que essencialmente produzem leite e carnes.

Como estímulo para o aumento da participação feminina nas decisões do campo, elas estipularam cotas de 50% para cada sexo na direção do sindicato rural da cidade.

A agricultora aposentada Liane Brackmann está há quase 20 anos no comando da associação.

"Mesmo vindo de uma cultura conservadora, tivemos que nos libertar e arregaçar as mangas. Parece que alguma coisa segura a gente às vezes, mas evoluímos. Minha mãe era classificada como 'do lar', nem tínhamos a profissão reconhecida, e agora temos."

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