A escalada do coronavírus na Europa e nos Estados Unidos fez despencar em um mês as previsões para o investimento estrangeiro direto (IED) no mundo neste ano.
O departamento de investimento e empresas da Unctad previa em fevereiro que a pandemia reduziria o IED em no máximo 15%. Nesta quarta (26), prevê que o tombo será o dobro, na melhor das hipóteses, e pode chegar a 40%.
O impacto é descrito como “dramático” no documento da agência da ONU para comércio e desenvolvimento, que revisou seus cálculos com base nos relatórios das 500 maiores multinacionais.
Nas primeiras três semanas de março, 61% das multinacionais reviram suas expectativas de lucro para o ano fiscal de 2020-2021.
Essas previsões já eram sombrias em fevereiro, por causa da chamada quebra da cadeia de suprimentos: a China produz cerca de 20% das peças e componentes importados no mundo, e o coronavírus paralisou muitas indústrias no país asiático, afetando clientes no mundo todo.
Até o começo do mês, esse choque na capacidade de produção era o principal motivo das revisões de lucro das multinacionais.
Agora, porém, somou-se às preocupações com a oferta a queda drástica no consumo, provocada por quarentenas que já atingem um quarto da população global.
Na média das maiores multinacionais acompanhadas pela Unctad, as estimativas de lucro para este ano caíram 30% por causa do coronavírus. Isso afeta diretamente o investimento, porque na média 52% dos lucros são reinvestidos em IED (nos países desenvolvidos, 61%).
Segundo a Unctad, o investimento das empresas em capital e o IED reage com algum atraso à trajetória do PIB. Na crise global de 2008, a queda desses indicadores aconteceu em 2009, com uma redução de 13% nas economias desenvolvidas, que vinham aumentando o investimento a uma taxa anual de 15% nos anos anteriores.
Nos países de desenvolvimento, houve apenas manutenção do fluxo de investimento, sem alta nem declínio.
Para a Unctad, o impacto da coronacrise deve ser maior que o de 2008, por três motivos. O primeiro é que a doença e seus efeitos sociais e econômicos atingem mais regiões e mais setores, afetando tanto países desenvolvidos quanto os em desenvolvimento.
O segundo é que a ruptura ocorre tanto na oferta quanto na demanda, provocando um círculo vicioso. Uma terceira preocupação é que, embora esta não seja uma crise financeira, uma onda de inadimplência pode levar também o setor financeiro a enfrentar problemas.
O panorama é muito mais sombrio nos setores de aviação e energia, nos quais as empresas inverteram o sinal: em vez de esperar lucro, projetam prejuízo.
O tombo é de 208% nas previsões do setor de energia, aprofundado pela queda do preço do petróleo, e de 116% nas empresas aéreas, profundamente afetadas pelas proibições de viagens e fechamento de fronteiras.
O cálculo da associação internacional do setor, a Iata, é de que as empresas, já sem caixa, precisam com urgência de US$ 200 bilhões (cerca de R$ 1 trilhão) apenas para honrar seus compromissos com salários e leasing de aviões.
As montadoras, primeiras a serem afetadas pela pandemia, porque dependem profundamente das peças fabricadas na China, já haviam derrubado em 40% suas previsões em fevereiro. Agora, estão um pouco mais pessimistas: expectativa é de queda de 47%.
As multinacionais de países desenvolvidos (onde a epidemia cresceu mais em março) reduziram a previsão de lucros de 20%, em fevereiro, para 35%.
Já na Ásia, onde a transmissão na China parece ter sido contida, houve uma leve redução no pessimismo: de queda de 26% para queda de 21%.
A agência da ONU também detectou uma queda de até 70% no número de fusões e aquisições internacionais no primeiro trimestre deste ano. Em 2019, ocorreram em média 1.200 negócios por mês. Em fevereiro deste ano, foram 874; em março, 385 até a última sexta (20).
O cenário pode ficar ainda pior, segundo a agência, se a pandemia ficar mais severa ou se prolongar por todo o ano.
A abrangência das medidas de socorro e sua capacidade de evitar falências e desemprego também afetam as estimativas, já que muitos desses pacotes incluem estímulos a investimentos, em construção e infra-estrutura, por exemplo.
“O choque de demanda deve ser profundo, mas se as políticas de socorro forem eficientes, os investimentos podem se recuperar mais rapidamente”, diz o relatório.
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