A regra do teto de gastos, que limita o crescimento das despesas federais, não impede que o governo gaste mais em ações de combate ao coronavírus, pois o dinheiro para casos de calamidade pública fica fora da restrição, afirmam especialistas.
No entanto, uma ala defende que o mecanismo seja temporariamente suspenso para que a equipe de Jair Bolsonaro (sem partido) adote as medidas necessárias para controlar os efeitos na saúde pública e na atividade econômica causados pela Covid-19.
Aprovado pelo Congresso em 2016, na gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB), o limite de crescimento das despesas públicas foi incluído na Constituição e impede a expansão dos gastos acima da inflação. Qualquer alteração nessa regra depende de amplo apoio na Câmara e no Senado.
A restrição ao aumento dos gastos tem algumas exceções. Uma delas é o envio de dinheiro para despesas imprevisíveis e urgentes, como em caso de guerra, comoção interna ou calamidade pública.
O governo, portanto, pode usar esse dispositivo para ampliar os recursos em ações de contenção das transmissões do vírus e tratamento de pacientes infectados, sem pressionar ainda mais o teto, defende o economista Marcos Mendes, colunista da Folha e um dos criadores da regra fiscal.
“Isso vale para situações atípicas, como essa que estamos vivendo agora. Despesas para lidar com a epidemia não têm restrição”, disse Mendes.
Essa exceção se aplica também a recursos para a realização de eleições, aumento de capital de estatais não dependentes da União e transferências previstas na Constituição para estados, municípios e Distrito Federal.
A regra de limitar o crescimento das despesas públicas já vinha sofrendo pressão nos últimos anos por causa das dificuldades do Executivo em destinar mais verba para políticas públicas, já que o Orçamento do país está apertado com gastos obrigatórios, principalmente por aposentadorias e despesas com servidores públicos.
O teto imposto é global, e não segmentado por ministério. Ao elaborar o Orçamento de cada ano, Congresso e governo devem ajustar os gastos ao limite previsto. Em 2020, este limite é de R$ 1,454 trilhão.
Sem espaço para ampliar gastos, por exemplo, na área social, a equipe do ministro Paulo Guedes (Economia) insiste na necessidade de manutenção da regra fiscal para que as contas públicas sejam ajustadas futuramente.
A pressão contra o teto ganhou um novo contorno com a crise causada pelo novo coronavírus.
Pesquisadora do Peterson Institute for International Economic, em Washington, a economista brasileira Monica de Bolle afirmou que a regra precisa ser temporariamente suspensa para que o país consiga adotar as ações contra o vírus e medidas para evitar que a economia afunde.
“O quadro é de depressão econômica; não é de recessão”, sustenta Bolle. Para ela, a rede pública de saúde não deve ter qualquer tipo de restrição de acesso a recursos.
Além disso, diz, medidas de combate ao novo coronavírus terão forte impacto negativo na atividade econômica e na renda das famílias. A taxa de informalidade no país chegou a 41,1% dos trabalhadores no ano passado, segundo o IBGE.
O governo, na avaliação da economista, precisa ampliar assistência social, expandir crédito a micro, pequenas e médias empresas e ampliar o investimento público, especialmente em infraestrutura.
Consultor de Orçamento da Câmara, Ricardo Volpe é contra o afrouxamento da regra fiscal. “O teto de gastos é a principal âncora fiscal do governo, que sinaliza para um ajuste gradual para o médio e longo prazos. Sua flexibilização seria um péssimo sinal para os agentes econômicos”.
Para suavizar os efeitos da crise do coronavírus na economia, Mendes disse que o governo deveria alterar a meta de resultado primário (diferença entre receitas e despesas, descontando gastos com juros da dívida pública), como vem estudando a equipe de Guedes.
Com a queda da atividade, a arrecadação deverá cair muito e, dessa forma, seria necessário um forte corte de despesas para que essa meta seja cumprida, afirmou o economista.
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