Descrição de chapéu
Cássia Pizzotti e Gabriela Bussab

Ainda falta clareza para suspender contrato e reduzir jornada de trabalho

Justiça já começa a se manifestar a favor, mas suspensão via acordo individual é rara e pode gerar discussão judicial

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Cássia Pizzotti Gabriela Bussab

A preocupação com um possível colapso da economia tem sido o centro das discussões sobre as incertezas trazidas pela pandemia da Covid-19. O isolamento, quer ele seja obrigatório ou facultativo, certamente trará impactos na rentabilidade de estabelecimentos ao longo dos próximos meses.

Nesse cenário, é provável que as dispensas decorrentes dessa crise se intensifiquem, o que, além de importar grandes custos sociais, representará impacto financeiro significativo no orçamento das empresas.

A Medida Provisória nº 927/2020 não traz regramento específico sobre o tema. Muito embora preveja condições especiais para favorecer, de certo modo, a perpetuação do vínculo de emprego, a MP não dispõe, objetivamente, sobre o pagamento de verbas rescisórias no caso de rescisão decorrente da crise causada pela Covid-19, salvo quanto ao diferimento do pagamento do FGTS.

Diante desse cenário de incerteza, tem-se ventilado a possibilidade de extinção do contrato de trabalho na modalidade do artigo 502 da CLT, que prevê o pagamento de apenas metade das verbas rescisórias que seriam devidas em uma dispensa sem justa causa, quando configurada a hipótese de o vínculo empregatício ser extinto por força maior. É o caso, por exemplo, do estabelecimento único destruído por um desastre natural.

O ministro Paulo Guedes (Economia) e o presidente Jair Bolsonaro durante pronunciamento de medidas de combate à crise do coronavírus - Lucio Tavora - 18.mar.2020/Folhapress

A aplicação desse dispositivo, no entanto, é rara na Justiça do Trabalho. A maioria dos Tribunais sugere ser difícil distinguir quando a rescisão ocorreu efetivamente por força maior e quando ela decorreu de mera dificuldade empresarial.

No caso da Covid-19, é possível que a aplicação do artigo 502 da CLT fosse rechaçada pela maior parte da jurisprudência, posto que a interrupção temporária das atividades, ainda que gere impactos econômicos, não implica, necessariamente, a extinção do estabelecimento, como determina o artigo 502 da CLT.

Além do artigo 502 da CLT, tem-se aventado a aplicação do artigo 486 da CLT, que determina que, quando houver paralisação temporária ou definitiva do trabalho por ato administrativo que impossibilite a continuidade da atividade, é devida indenização ao empregado por parte do governo responsável. É o que se chama de fato do príncipe.

O fato do príncipe se configura quando a inviabilização da continuidade do vínculo de emprego decorre de ato da administração, estranho, portanto, à vontade do empregador e do empregado. Muito embora encontre previsão na CLT, o fato do príncipe, até então, raramente era aceito pela jurisprudência. Foi o que se observou na época do fechamento dos bingos pela MP 168/04, em que a maior parte da jurisprudência decidiu ser devido o pagamento integral das verbas rescisórias sob o argumento de que a ilegalidade dos bingos deveria ter sido presumida pelos empresários, diante dos debates da época.

No caso da Covid-19, nem todas as atividades necessariamente precisam ser interrompidas, mas prestadas de outra forma. É o caso dos restaurantes, que, diante da proibição de atenderem o público, podem continuar a funcionar pela entrega de refeições em domicílio. Outras atividades, no entanto, necessariamente deverão ser interrompidas sem possibilidade de continuidade, como academias de ginástica, cinemas, casas noturnas, e similares.

Não se pode perder de vista o fato de que o governo federal editou Medida Provisória que, em tese, cria mecanismos para fomentar a permanência do vínculo de emprego durante o ápice da pandemia. É possível que surjam argumentos de que, em razão desses mecanismos, o pagamento de indenização por parte do governo seria injustificado. De toda forma, o artigo 18, que previa expressamente a suspensão do contrato de trabalho sem pagamento do auxílio do FAT foi revogado imediatamente após a promulgação da MP, fortalecendo a tese de aplicação do artigo 486 da CLT.

O cenário atual, é claro, gera inúmeras incertezas. A aplicação dos artigos 486 e 502 da CLT deverá ser cautelosa, para não causar maiores prejuízos ao empregador no futuro.

Nesse meio tempo, os empresários aguardam ansiosamente alterações legislativas que tragam efetivo subsídio do governo durante a crise —a exemplo do que se tem visto em diversos outros países—, capaz de atenuar os impactos aos trabalhadores e ao próprio emprego.

Enquanto essas medidas não chegam, o STF, pelo que se tem depreendido das recentes decisões monocráticas proferidas liminarmente em Ações Diretas de Inconstitucionalidade propostas por partidos políticos, vem afastando a nulidade das alterações trazidas pela MP 927/20, conferindo ao empresariado algum respiro para que possa lidar com a crise, inclusive mediante acordos individuais.

Quem sabe o desapego ao formalismo se torne tendência, diga-se acertada, para que medidas implementadas pelas empresas na tentativa de sobreviver e de manter os empregos não se tornem contingência futura.

Cássia Pizzotti

Sócia do Demarest Advogados

Gabriela Bussab

Advogada do Demarest Advogados

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.