Coronavírus faz produtor pular feira e vender verduras e peixes direto ao consumidor

Com comércio fechado, produtores e fornecedores ficam sem grandes clientes e adotam sistema de venda ao consumidor

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São Paulo

Pequenos produtores de alimentos frescos e distribuidores de produtos in natura que viram seus mercados desaparecer com o fechamento de restaurantes têm se adaptado como podem ao novo e inusitado contexto do isolamento social para conter o contágio por coronavírus.

Eles têm criado ou incrementado arranjos de entrega direta ao consumidor, atendendo tanto àqueles que buscam um novo propósito no consumo durante a pandemia quanto aos que querem evitar supermercados e feiras em que o uso de máscaras está tão em falta quando a manutenção da distância mínima entre as pessoas. É o caso da Mar Direto, que fornecia a restaurantes estrelados de São Paulo peixes e frutos do mar oriundos de esquemas sustentáveis de pesca.

Postas de salmão cru
Fornecedores de grandes restaurantes fazem entrega de pescados em domicílio durante pandemia - PA

“A paradeira aconteceu de repente, mas conseguimos nos adaptar de maneira rápida”, explica Domingos Fiorino Lorca, 55, um dos sócios da empresa, que tem como clientes restaurantes como Jun
Sakamoto, Mani e Mocotó.

Fechadas as portas desses estabelecimentos, ele passou a receber pedidos de amigos e dos próprios chefs para que fizesse atendimentos individuais. Nasceu assim um esquema de entrega em domicílio de porções menores dos mesmos pescados. A divulgação é via “boca a boca em grupos de WhatsApp”, define ele.

Ainda que uma compra individual seja, em média, equivalente a 10% da de uma compra regular de restaurantes, Lorca avalia que o rearranjo temporário está funcionando e sem demissões.

Foi também o que aconteceu com a distribuidora de frutas, legumes e verduras Agrobonfim, que fornece produtos para programas como MasterChef e para chefs como Alex Atala, Paola Carosella e Salvatore Loi.

“Alguns dos restaurantes da alta gastronomia que fecharam as portas criaram serviços de delivery, o que gera um pequeno movimento. E foram esses chefs parceiros que começaram a incentivar o modelo de entregas menores de hortifrútis”, conta o empresário Élcio José de Oliveira, 51, da Agrobonfim.

“Virou uma onda, de um perfil para o outro, nas redes sociais. E em seguida comecei a entregar feirinhas para clientes avulsos.” De 150 grandes entregas diárias, sua empresa passou a fazer 40 feirinhas por dia, em que as quantidades —e, portanto, as cifras— são bem menores, movimentando um caixa 5% menor.

“Aproveitei o embalo. E, até a crise passar, devo seguir assim. O que eu não posso é ficar parado”, explica ele, que deu férias para 8 dos 35 funcionários, reforçou os protocolos de segurança e já pensa em seguir no modelo varejista quando seus antigos clientes voltarem: “É um mercado que está se abrindo para mim”.

Suspensos feiras, festas, casamentos e outros eventos, o setor de plantas e flores viu a produção perecer sem perspectiva de retomada tão cedo.

A reviravolta no cenário produziu a hashtag #euvivodeflores, em apoio a pequenos produtores, e uma campanha batizada de Ação Florescer. “A gente ficou desesperado com a situação, em especial em relação à parte produtiva, que é a vulnerável”, diz Luciana Zappala, 38, diretora de marketing do Mercadão das Flores, loja física de 21 mil metros quadrados e 350 produtores e atacadistas que seria aberta em março e foi pega pela pandemia.

A Ação Florescer converteu operação da loja física em uma plataforma online. “A ideia era não deixar que essa produção fosse para o lixo, e acho que as pessoas se sensibilizaram, ajudando quem depende desse comércio para sobreviver.”

O resultado das primeiras cinco horas de vendas surpreendeu os organizadores: 1.200 itens. “Estamos fazendo vídeos com depoimentos emocionantes de pessoas que achavam que iam perder tudo, e agora conseguiram voltar a dormir”, diz Zappala, que recebeu a doação de quatro carros de uma montadora para incrementar o sistema de entregas, que opera com voluntários.

É o caso de Simone Liebe, 34, da Liebe Azaléias, de Campos de Holambra, distrito de Paranapanema, no interior de São Paulo. “Nosso baque foi relevante. Perdemos atacado, eventos,
ficamos sem norte”, diz.

Para ela, resta saber se o movimento de agora não é algo sazonal. “A situação criou uma solidariedade da população. Afinal, flores e plantas trazem beleza e alegria. Mas, se isso vai perdurar, ainda é uma incógnita.”​

Pequenos agricultores já acostumados a arranjos solidários de comércio direto também têm percebido um aumento de demanda por alimentos in natura orgânicos e sustentáveis a reboque a crise do coronavírus.

Segundo o agricultor e assentado João Paulo Rodrigues, 40, da coordenação nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), o contexto de isolamento social por conta da Covid-19 tem aumentado a demanda por produtos agroecológicos dos assentamentos e vem se somar a duas tendências anteriores.

A primeira é a disseminação entre as classes médias do interesse por produtos orgânicos. Segundo pesquisa feita pelo Conselho Brasileiro da Produção Orgânica e Sustentável (Organis), 19% dos brasileiros disseram em 2019 consumir orgânicos com alguma regularidade. Em 2017, o percentual era de 15%.

A segunda tendência apontada por Rodrigues é a da organização de grupos de consumidores que criam pontes diretamente com pequenos produtores, garantindo aos agricultores uma demanda mensal regular e, a quem compra, a garantia dos produtos frescos na mesa.

Para ele, somam-se a essas tendências a preocupação com o acesso à comida no contexto de pandemia e a questão solidária com os agricultores, fortalecendo arranjos para que eles não quebrem e possam entregar sua produção.

“A falta de abastecimento de alimentos in natura é uma probabilidade porque os estoques estão todos no setor privado. É grave não haver estoque estatal para suprir a população durante a emergência”, diz.

Serviço

  • Mar Direto (Instagram: @mardireto; WhatsApp 11.93455-6372)
  • Agrobonfim (11. 3643-4100; WhatsApp 11.95026-2669)
  • Armazém do Campo/MST (11.3333-0652; WhatsApp: 11.96410-5084)
  • Mercadão das Flores (www.mercadaodasflores.com.br)
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