Governo resgata papel do Estado na retomada e põe em xeque agenda liberal de Guedes

Programa chamado de Pró-Brasil prevê investimentos de R$ 30 bilhões em obras

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Brasília

O governo Jair Bolsonaro anunciou, nesta quarta-feira (22), o programa Pró-Brasil, um conjunto de medidas que têm como pivô a retomada do investimento público para a geração de empregos.

O plano foi rejeitado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, que imprimiu ao governo até o momento uma agenda liberal, centrada em ações de mercado e com mais investimento privado na economia.

O anúncio foi feito pelo ministro-chefe da Casa Civil, general Walter Braga Netto, que comandará o programa a pedido de Bolsonaro.

Nenhum integrante da equipe econômica participou do evento, que, dentre os ministérios envolvidos, só contou com a presença do ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas.

Ministro da Economia, Paulo Guedes
Ministro da Economia, Paulo Guedes; o ministro rejeitou o programa que têm como pivô a retomada do investimento público para a geração de emprego - Adriano Machado/Reuters

"Não é um programa somente de governo, é de Estado. Tanto que a nossa previsão de trabalho do programa está num universo temporal de dez anos, até 2030. Estamos pensando a longo prazo", disse Braga Netto, em coletiva de imprensa no Palácio do Planalto.

Também devem apresentar propostas os ministérios de Minas e Energia e o de Desenvolvimento Regional.​

De acordo com Tarcísio, a ideia inicial é investir cerca de R$ 30 bilhões do próprio Orçamento do ministério com cerca de 70 obras paralisadas ou em estágio inicial ao longo de três anos.

O ministro disse que o programa de concessões e privatizações seguirá adiante, mas, nesse caso, o resultado em relação à geração de empregos demora mais.

Com as obras públicas, o efeito seria praticamente imediato e poderia garantir, no período considerado, algo entre 500 mil e 1 milhão de contratações.

"A gente estima o valor de R$ 30 bilhões [para obras públicas], estamos falando dentro do horizonte plurianual. Isso representa complementação do que que já temos hoje", disse Tarcísio.

"Não vamos dar nenhuma pirueta fiscal, nenhuma cambalhota. Será feito com muita responsabilidade, dentro da linha de controle de gastos e de solvência que têm marcado a gestão [Bolsonaro]", afirmou.

Ao apresentar o plano, o governo não deu valores de investimentos em cada obra nem informou quais são as ações prioritárias do programa Pró-Brasil.​

Durante as discussões ao longo das duas últimas semanas, a ala militar do governo, da qual o próprio Tarcísio faz parte e também Braga Netto, chamou o programa de "Plano Marshall", em uma referência aos investimentos feitos pelos EUA na reconstrução de países aliados logo após a Segunda Guerra Mundial.

​No início da reunião interministerial ocorrida na manhã desta quarta no Palácio do Planalto, Brag​a Netto apresentou uma série de planilh​as sobre as perspectivas e previsões para a pandemia do coronavírus.

Segundo relato de presentes, o Planalto avalia que os efeitos da pandemia se estenderão, pelo menos, até o se​g​undo semestre de 2021.

Em uma breve fala, Bolsonaro disse que o quadro de dificuldades pode ser uma oportunidade para que o governo avance nas reformas administrativa e tributária e ajuste do atual arcabouço reg​ulatório, uma forma de estimular a chegada de capital novo de investidores privados em concessões.

Em tom professoral, Guedes disse aos colegas que, diferentemente da ajuda dos americanos para a reconstrução da Europa, o plano idealizado pela Casa Civil significaria "abrir mão de dinheiro para ajudar o próprio país". Foi o que levou à troca do nome para Programa Pró-Brasil.

Logo em seguida ele se colocou contrário ao aumento do gasto público, fazendo um contraponto ao núcleo militar.

De acordo com auxiliares presidenciais, o ministro da Economia preg​ou a necessidade de manter a atual ag​​enda liberal e ressaltou que cabe ao poder público facilitar a atração de investimentos. A intenção de Guedes é estimular a economia via concessão de crédito com garantias estruturadas.

O ministro da Economia lembrou ainda que a política idealizada pela Casa Civil tem uma orientação desenvolvimentista e foi adotada pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT), causando um agravamento da situação fiscal do país.

Em conversas paralelas após a reunião, ministros militares elogiaram o plano lançado pelo ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama após a crise econômica de 2008.

A medida, cujo objetivo era reaquecer a economia e reempregar a classe média, previa a reconstrução de estradas e pontes, além da contratação de desempregados na área da construção civil.​

Representantes da ala ideológica do governo, no entanto, concordam com Guedes e consideraram que o ideal seria garantir liquidez e o equilíbrio fiscal ao máximo possível.Ao final da apresentação do plano, Braga Netto disse que Guedes estava na reunião ministerial desta quarta e que "todos os ministros foram favoráveis".

Felipe Salto, diretor da Instituição Fiscal Independente (órgão do Senado que monitora as contas públicas), ressaltou que o lançamento oficial do programa não teve números. Para ele, foram palavras jogadas ao vento.

“Enquanto se empilham mortos em Manaus, o governo anuncia o ‘Pró-Brasil’. Tratam-se de 7 slides (com a capa). Nenhum número. Palavras ao vento. Promessa de centenas de bilhões em investimentos em 30 anos (!). O que significa isso?”, escreveu em rede social.

A economista Elena Landau se opôs à intenção de mais gastos públicos e também questionou a apresentação nos slides. “Alguém deveria passar uma lei proibindo uso de PPT [Power Point] pelo governo. PPT aceita qualquer coisa”, disse, em referência ao programa de computador de apresentação de slides.

O economista Manoel Pires, que foi secretário no antigo Ministério da Fazenda, também criticou a proposta. “O governo anunciou um Power Point. O amplamente vazado novo Plano Marshall não é um Plano e não tem o Marshall. Segue o jogo”, disse.


O PLANO DE REATIVAÇÃO DA ECONOMIA

Ala militar quer promover obras com dinheiro público

Principais eixos do programa Pró-Brasil

  1. Infraestrutura
  2. Desenvolvimento produtivo
  3. Capital humano
  4. Inovação e tecnologia

Ações previstas

  1. Uso de recursos orçamentários contingenciados para a retomada de cerca de de 70 obras pelo país com custo estimado de R$ 30 bilhões ao longo de três anos. Haverá projetos nas áreas de energia e mineração, desenvolvimento regional, transporte, logística e telecomunicações
  2. Ainda em aberto, envolverá a indústria, agronegócio, serviços e turismo na busca de ações do Estado para esses setores da economia
  3. Parcerias, especialmente com entidades do Sistema S, deverão levar adiante um plano de capacitação de mão de obra
  4. Projetos nas áreas digitais e que promovam aumento de produtividade, especialmente na indústria, terão incentivo do governo como forma de absorver mão de obra

Cronograma

Período

  • Mai-jul
  • Ago-set
  • Out-dez

Metas

  • Estruturação do programa
  • Detalhamento dos projetos
  • Implantação em larga escala e avaliação dos resultados

Por que esse plano?

A ala militar do governo, liderada pelo general Braga Netto, ministro da Casa Civil, considera que a economia não vai se recuperar quando o isolamento causado pelo coronavírus tiver fim e será preciso algum investimento público para gerar empregos rapidamente e, assim, conter a alta do desemprego no país

O ministro da Economia concorda?

Não. Esse plano contraria seu modelo liberal, que prevê medidas de estímulo da participação da iniciativa privada na economia

O plano vai durar somente até o fim da crise?

A ideia do ministro Braga Netto é que ele seja implementado por, ao menos, dez anos. No entanto, a ala militar diz que não se trata de um novo PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), porque corrigirá todos os desvios que levaram a um aumento do déficit público e à paralisia das obras previstas

Fonte: Casa Civil e ministérios

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