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Marcos Lisboa e Paulo Hartung

Marcos Lisboa e Paulo Hartung: uma proposta de socorro aos estados durante a pandemia do coronavírus

Momento recomenda a união para que se aprovem medidas que viabilizem a flexibilização das despesas de estados e municípios

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Marcos Lisboa Paulo Hartung

Um pacote de ajuda fiscal aos estados e municípios, em face do impacto do coronavírus, precisa partir das seguintes constatações:

São elas:

  1. Há urgência em aprovar o socorro, frente à rápida corrosão das receitas;

  2. Há incerteza quanto à duração e intensidade da crise nos meses futuros;

  3. O endividamento da União já está caminhando para 90% do PIB e isso vai representar um peso grande sobre a sociedade na saída da crise, e pode ser maior, dependendo do tamanho do pacote;

  4. Alguns estados conseguiram, na justiça, reduzir seus pagamentos de dívida com a União em decorrência da pandemia. Por uma questão de equidade, esses valores devem ser descontados da ajuda;

  5. Deve-se evitar o mau exemplo da quebra unilateral de contratos, principalmente quando decretada por lei, pois se esse comportamento se espalhar pela sociedade, os efeitos da crise serão mais agudos;

  6. Parte dos recursos necessários pode e deve vir de esforço próprio de ajuste dos estados e municípios, mas boa parte desse esforço é hoje bloqueado por legislação federal, que precisa ser alterada. Isso pode dar um reforço de caixa na retomada, daqui a alguns meses

A proposta a seguir procura conciliar as seis dimensões acima listadas. Não entram nessa análise os recursos adicionais que o Congresso e o Executivo têm liberado exclusivamente para os gastos com saúde pública enquanto durar a pandemia. Esses recursos são urgentes e devem ser exclusivamente alocados para hospitais de campanha, equipamentos médicos e os demais itens necessários.

Esta nota se resume a analisar os recursos transferidos da União para repor a perda de receita dos estados, que são necessárias para seus gastos obrigatórios, como folha de pagamentos de ativos e inativos.

Câmara dos Deputados em votação digital nesta semana; texto de socorro aos estados foi aprovado
Câmara em votação digital nesta semana; texto de socorro aos estados foi aprovado - Maryanna Oliveira/Câmara dos Deputados

1.Transferências extraordinárias para repor perda de receita

Para lidar com a urgente necessidade de recursos para repor receitas em queda não é preciso aprovar uma lei complementar no Congresso. Basta uma medida provisória.

Para lidar com a incerteza quanto a valores e duração da crise, pode-se fazer essa ajuda em fases: toma-se o valor médio de queda de receita nas últimas semanas e a perda projetada para o próximo mês. A partir desse valor define-se um pacote de ajuda para os próximos três meses.

Ao longo desses três meses, acompanha-se a situação de modo a definir o pacote de ajuda para o trimestre seguinte, e assim continua o processo enquanto houver queda relevante de receita.

Tomando a expectativa de queda de receita de 30% do ICMS e do ISS, teríamos uma perda mensal de R$ 12,2 bilhões nos estados e de R$ 1,5 bilhões nos municípios. Um pacote para suprir três meses somaria R$ 41,1 bilhões.

Trata-se de uma sugestão de magnitude, para que se tenha ideia da ordem de grandeza. O real valor do pacote tem que ser definido na mesa de negociação política. Até porque, como afirmado no item 3, adiante, sugerimos um eventual aumento desse montante para que se evite outra modalidade mais nociva de socorro.

Uma simples medida provisória poderia liberar esse montante em três parcelas mensais.

A partilha dos recursos pode proporcional à participação de cada estado ou município nas receitas totais de ICMS e ISS.

2.Descontar alívios obtidos na justiça

Alguns estados conseguiram suspender o pagamento de suas dívidas na justiça, alegando necessidade de caixa para lidar com a pandemia. Por uma questão de isonomia, esse alívio de caixa deve ser descontado das transferências propostas no item 1 para cada um dos beneficiários da suspensão do pagamento da dívida.

Os valores descontados seriam contabilizados como pagamento (parcial ou total) da dívida à União.

Não caberia descontar valores transferidos pela União a título de complementação de FPE, FPM ou de transferências à saúde, pois estes atacam necessidades distintas daquela tratada no item 1, que é a queda de ICMS e ISS.

3.Não suspender unilateralmente pagamentos a bancos públicos

Suspender unilateralmente, por lei, os pagamentos dos estados e municípios ao BNDES e à CEF é inconstitucional: fere expressamente o art. 5º, inciso XXXVI da Constituição, que estabelece que “XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Os contratos de dívida são atos jurídicos perfeitos.

Para além da inconstitucionalidade, essa medida abre um precedente para quebras similares nas relações contratuais privadas, o que pode gerar uma onda de falências e forte agravamento da crise.

Além disso, se a União está repondo as perdas com a arrecadação e está aprovando recursos adicionais para cuidar da saúde pública, qual a justificativa para essa transferência adicional de recursos para os estados?

Não há necessidade desse tipo de medida se o objetivo final é colocar liquidez nas mãos de estados e municípios. No limite, aumentam-se os valores do pacote proposto no item 1: o efeito será o mesmo (mais recursos para estados e municípios) sem o custo gerado pela quebra de contrato.

4.Repartir o custo da pandemia de forma justa e equilibrada

Antes da crise estavam em discussão diversas medidas de ajuste nas despesas dos estados e municípios. Problemas claramente identificados são o alto valor e a rigidez das folhas de pagamento, a posição privilegiada e gastos excessivos dos demais poderes e o excesso de vinculações de receitas. Atualmente os governadores e prefeitos têm pouco espaço para tomar medidas nessas áreas, pois estão amarrados por legislação federal.

A gravidade do momento atual recomenda a união de esforços para que se aprovem, no Congresso, medidas que viabilizem a flexibilização das despesas de estados e municípios, mesmo que apenas durante a pandemia.

Trabalhadores do setor privado estão perdendo o emprego, e muitos que estão conseguindo mantê-lo, estão abrindo mão de boa parte do salário. É preciso que os servidores públicos façam parte do esforço nacional de combate à crise. Já têm a estabilidade no emprego. Precisam, portanto, contribuir com a redução temporária de suas remunerações.https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/04/projeto-mostra-que-o-caronavirus-e-endemico-no-brasil.shtml

Como argumenta Marcos Mendes em artigo nesta Folha, não seria uma contribuição meramente simbólica: uma redução de 5% na folha de pagamento de estados e municípios por um ano garantiria R$ 45 bilhões, valor maior que o pacote inicial proposto no item 1.

O problema é que parte significativa das medidas necessárias a flexibilizar as despesas de estados e municípios requer PEC, e a ajuda proposta no item 1 teria como veículo uma medida provisória. Logo, não poderia tramitar na mesma proposta legislativa.

O que se poderia fazer é estabelecer uma pauta comum dos governos estaduais com o governo federal (executivo e legislativo) para aprovar, nos primeiros três meses em que a ajuda federal tenha sido concedida via MP, uma PEC que venha a ter efeitos nos meses posteriores ou, até mesmo, ao longo de 2021, como forma de ajudar a reestruturação das contas estaduais após o impacto maior da pandemia.

Essa PEC trataria dos seguintes temas:

  • redução de jornada de servidores com redução proporcional de remuneração;

  • possibilidade de redução de remuneração dos servidores de renda mais alta durante períodos de calamidade pública;

  • possibilidade de contingenciamento do orçamento dos demais poderes;

  • transferência do saldo dos fundos desses poderes para o Executivo em casos de calamidade pública;

  • repasse do pagamento de aposentadorias e pensões para os poderes onde os servidores se aposentaram;

  • inclusão dos inativos nas despesas mínimas de educação e saúde;

  • unificação do gasto mínimo em saúde e educação;

  • aumento do percentual da Desvinculação de Receitas de Estados e Municípios (DREM);

  • limitação das diversas formas de expansão de despesa de pessoal, conforme redação já prevista na chamada PEC Emergencial;

  • Prorrogação do FUNDEB nos termos atuais por três anos.

Marcos Lisboa

Economista, presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005, governo Lula), é colunista da Folha

Paulo Hartung

Presidente-executivo da Ibá, membro do conselho do Todos Pela Educação, ex-governador do Estado do Espírito Santo (2003-2010/2015-2018)

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