Descrição de chapéu
Coronavírus Coronavírus, o debate econômico

Pensamento míope faz países limitarem exportação de comida durante pandemia de coronavírus

Receio de que redes de suprimentos mundiais poderiam entrar em colapso é infundado

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Rodrigo Zeidan

“É proibido exportar comida.” Esse é o pensamento de vários países que restringiram a venda de alimentos para o exterior, enquanto durar a crise mundial da Covid-19.

O comportamento desses governos não é muito diferente daquele das famílias assustadas que estocaram comida para meses, mas o custo para a sociedade mundial pode ser muito alto.

Segundo a Organização Mundial do Comércio, a Argélia já proibiu a exportação de mais de 1.200 produtos, a maioria alimentícios. El Salvador proscreveu a saída de feijão até dezembro de 2020. A Tailândia limitou as vendas de ovos, ao exterior, até o dia 30 de abril. E o Quirguistão suspendeu as exportações de vários produtos agrícolas por seis meses.

Do ponto de vista global, não há a menor chance de faltar alimento pelo lado da produção. Nenhum país, mesmo com a quarentena mais pesada, vai ordenar que agricultores e caminhoneiros parem de trabalhar.

Entretanto, em relação à distribuição e vendas, disfunções em alguns países já estão acontecendo. O Vietnã ordenou a suspensão de novos contratos de exportação de arroz e pretende estocar 270 mil toneladas do produto antes de definir qual o limite que poderá ser exportado. Os distribuidores de arroz na Índia pararam de assinar novos contratos de fornecimento, já que a quarentena no país criou problemas de falta de trabalhadores e de transporte.

Contudo, essas questões são temporárias. No caso indiano, pelo tamanho e complexidade da sua economia, e, em relação ao Vietnã, porque uma seca limitou a produção local. Ambos os governos já estão liberando os gargalos de produção e distribuição.

Na possibilidade de uma paralisação do comércio mundial, que não vai acontecer, o dilema dos países viria do fato de que nenhuma nação produz tudo que consome. Países se especializam. O Brasil, segundo maior exportador de alimentos do mundo, é um importador de trigo, por exemplo.

Nesse caso, valeria a regra do meu pirão primeiro: limitam-se as exportações, mas continua-se importando. Obviamente, a reação dos outros países seria suspender as vendas ao exterior. Ninguém conseguiria importar, e o protecionismo global levaria a uma crise ainda mais sem precedentes do que a atual que estamos vivendo.

Comércio resiliente

O cenário apocalíptico não ocorrerá porque a infraestrutura mundial de comércio é muito resiliente, ainda mais com a capacidade ociosa gerada pelo fechamento de várias indústrias manufatureiras no mundo.

Ainda assim, vários países estão realmente limitando algumas exportações pelo tempo que durar a crise, aproveitando a brecha criada pela decisão de dezenas de nações de criar barreiras para as exportações de produtos de saúde.

São dezenas os países que limitaram as exportações de produtos relacionados ao combate da Covid-19. Há proibições e outros tipos de barreiras. No Brasil, criou-se um regime temporário de licenças prévias antes que alguma empresa possa exportar produtos relacionados à luta contra a pandemia do coronavírus.

É também esse sistema de licença prévia que criou a Argentina, para exportação de alimentos. Isso ainda não limita o que o país exporta (o que nem faria muito sentido, já que os argentinos têm grande saldo comercial nessa rubrica), mas dá ao governo poder de suspender as exportações quando quiser —basta não soltar nenhuma licença.

Ucrânia e Rússia estudam quotas de venda de grãos. Vários outros países também têm planos de contingência se houver uma onda protecionista global nesse sentido.

Esses movimentos podem afetar os preços internacionais. Quem mais sofreria seriam os países do oeste africano, muitos que dependem de importações de grãos para alimentar sua população, e outras economias importadoras de grãos.

Em razão dos problemas no Vietnã e Índia, os preços do arroz no mercado mundial, que eram de US$ 9,13 por 100 libras para grãos longos e US$ 9,36 para grãos curtos no início do ano, são agora de US$ 10,15 e US$ 10,82, respectivamente.

O receio dos que dependem de importações de alimentos de que as redes de suprimentos mundiais poderiam entrar em colapso é infundado. O perigo maior é o protecionismo míope de cada país. Nada deve acontecer, a não ser algumas variações de preços atípicas, e faltas pontuais de alguns produtos. No auge da pandemia na China, era difícil encontrar vegetais e algumas frutas.

Para o Brasil, pode ser até bom no agregado, pela alta do preço de produtos que o país exporta, mas ninguém deveria pensar em lucrar com desgraça alheia.

De qualquer modo, vai ficar uma lição: como cada país deve promover a segurança alimentar nacional de forma a ser resistente a choques internos e externos? Faltar papel higiênico, tudo bem. Comida, nem pensar.


28
países e organizações (União Europeia e União Aduaneira da África Austral) já impuseram restrições a exportações por causa do novo coronavírus

15%
foi a alta mundial nos preços do arroz (grão curto) desde o início do ano, segundo o governo americano. No caso dos grãos longos, a alta foi de 11%

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.