Quarentena longa na Argentina e recessão no Brasil serão negativos a ambos, dizem economistas

Há preocupação que possível cenário de recessão aguda no Brasil impacte retomada na Argentina

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Buenos Aires

"Já estava clara a falta de sintonia entre Brasil e Argentina do ponto de vista político e de interesses comuns, como a economia, o controle das fronteiras e a atividade turística. Com o coronavírus, essa falta de sintonia é ainda mais palpável", diz à Folha o economista e consultor argentino Marcelo Elizondo.

Segundo ele, há uma imensa preocupação na política e entre os empresários argentinos com a possibilidade de que, após a pandemia, o Brasil entre num processo de recessão agudo, "que impedirá a retomada do crescimento da Argentina".

Para Elizondo, os setores da economia que mais serão abalados são os de cereais e de calçados, assim como a indústria automotriz, que já vem sentindo os efeitos da desaceleração do comércio bilateral nos últimos anos.

O cenário macroeconômico argentino antes da crise do coronavírus já não era bom. Com uma inflação de 55% ao ano, desemprego a 10%, e previsão de crescimento do PIB de, no máximo 1%, agora é bem pior.

"O desempenho do PIB argentino depende do Brasil, se o Covid-19 abalar muito a economia brasileira, nós vamos encolher nossa economia, é muito preocupante, ainda que o nosso país venha tomando medidas para combater o problema desde cedo."

A Argentina estabeleceu uma quarentena obrigatória, fechando toda a atividade produtiva e comercial que não esteja relacionada ao abastecimento de comida, medicamentos e combustível internos. Todo o resto esteve parado por 15 dias, e irá permanecer parado por mais 12 dias, prolongáveis até o fim do mês, por conta do coronavírus.

"Essas medidas são consideradas essenciais pelo governo argentino para parar a pandemia. Mas se isso não é feito em coordenação com o governo brasileiro, ambos os países terão a perder", disse Elizondo.

E acrescentou: "o Mercosul está praticamente suspenso, e não irá se reativar enquanto não houver um diálogo entre ambos. O fato de Fernández tomar uma atitude combativa em relação ao vírus, e de Bolsonaro se mostrar mais a favor de não sacrificar a economia, não há meio termo possível entre os dois. O que parecia ser apenas uma rivalidade ideológica lá atrás está se transformando num problema sério e real para ambas as economias".

Ainda para Elizondo, o principal problema dos dois países hoje é fiscal, pois o Brasil desvalorizou muito o real, enquanto a Argentina vem mantendo o peso estável. Portanto, os produtos argentinos, que chegarão ao Brasil mais caros pois têm de pagar os impostos determinados pelo novo governo no começo do ano, podem não ser mais acessíveis a esse mercado.

"Se o Brasil entrar numa recessão muito forte, a Argentina buscará alternativas para escoar sua venda de trigo, ainda que pagando mais por isso, uma vez que Fernández aumentou os impostos para a exportação de cereais. Para o Brasil, ficará muito caro comprar trigo daqui. A Argentina já está olhando, nesse caso, para o Canadá, por exemplo."

Consultoras independentes argentinas estimam que, se a quarentena obrigatória durar até o fim de abril, que é o cenário mais provável, a economia argentina poderá se contrair de 3% a 5% em 2020.

Se a primeira quarentena determinada por Fernández em 20 de março foi bem vista de modo geral pela sociedade, sua ampliação até 12 de abril, já determinada, ou mesmo para o fim do mês, que é contemplada, não tem tanto apoio.

Nos últimos dias, vêm ocorrendo buzinaços e carreatas impulsados por empresários que querem retomar as atividades econômicas.

O economista e ex-candidato à presidência José Luis Espert diz: "A economia argentina está desmoronando. Uma pequena e média empresa logo não terá como pagar seus impostos. Se as empresas não recebem, não pagam e acaba a arrecadação".

Para implementar as políticas de ajuda aos mais necessitados e às pequenas e médias empresas na quarentena, a Argentina tem apostado na emissão monetária. "Todos sabem como isso acaba, numa inflação maior, ou numa hiper-inflação no fim do ano", diz Elizondo.

Para outro analista, Andrés Malamud, a "Argentina tem reagido ao coronavírus como um país europeu, mas nem as famílias, nem o Estado e nem as empresas argentinas têm o estofo necessário para reagir como um país europeu".

Para ele, a quarentena precisa, aos poucos, ser relaxada, em nome do não estancamento da economia. "Não apoio a 'opção Bolsonaro', porque esta pode terminar em catástrofe, mas se pode buscar um meio-termo", afirma.

"Afinal, quando a emergência terminar, a recessão argentina vai continuar, e a divisão política, hoje amenizada pelo drama da epidemia, vai aflorar novamente, e vai ser difícil conter o descontentamento de certos setores. Voltarão as velhas rivalidades políticas e as queixas de organizações sociais e sindicatos", diz.

Para ele, esticar a quarentena além de abril seria condenar o PIB a "uma queda de dois dígitos, com consequências dramáticas sobretudo para o aumento da pobreza".

Já o economista ultraliberal Javier Milei crê que uma quarentena horizontal e estrita, como a que está sendo aplicada agora, é "ridícula", e que levará a Argentina "à pior crise de sua história, que irá combinar default, hiperinflação e uma catástrofe sanitária. Sou pessimista, será um desastre", disse.

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