Descrição de chapéu Coronavírus

Sem intervenção do governo, economia não volta como poderia, diz fundador da XP

Benchimol, cuja corretora que teve 40 casos de Covid-19, defende isolamento social para que hospitais tenham tempo de se preparar

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São Paulo

Era Carnaval quando Guilherme Benchimol, presidente da XP, a maior corretora independente do Brasil, se deu conta do potencial de estrago que a epidemia do coronavírus poderia causar na economia. Em viagem a Portugal, viu as Bolsas europeias despencarem enquanto o Brasil caía na folia.

Logo depois da sua volta ao país, deparou-se com o imponderável: o segundo caso brasileiro de Covid-19 era de um executivo da XP, que havia retornado de Milão, um dos focos da doença na Itália.

“Tudo isso parece um filme —e aí você se vê dentro do filme”, diz Benchimol, na tentativa de definir a sensação.

Depois de colocar, em apenas três semanas, 98% dos 3.000 funcionários em home office —40 deles tiveram o vírus—, ele está entre os empresários que apoiam o isolamento. "Precisa controlar a epidemia dessa forma, para dar tempo de ajustar os hospitais. Isso é o mais adequado", diz.

Apesar se declarar admirador da visão liberal na economia, afirma que percebe claramente o papel do Estado em momento de crise como o de agora. “Se não houver uma intervenção do governo na economia, e muita gente ficar pelo caminho, empresários quebrarem, a economia não voltará na velocidade que poderia.no fim da epidemia”.

Na sua opinião, a panderia vai deixar duas lições: mudar a forma como as cidades lidam com o trabalho e deixar as pessoas mais solidárias. “O Brasil é um pais muito carinhoso, mas não é solidário".

Guilherme Benchimol, fundador da XP Investimentos
Guilherme Benchimol, 43; formado em economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é fundador e presidente da XP, maior corretora independente do Brasil. Em 2018, foi eleito pela Bloomberg uma das 50 pessoas mais influentes do mundo, destacado por ter democratizado o acesso a investimentos - Rafael Baranda/Divulgação

Quando foi que o sr. percebeu o tamanho do impacto que o coronavírus poderia ter sobre a economia no Brasil? A ficha só caiu mesmo no meio do Carnaval. Até ali, parecia algo mais concentrado na China. Segunda e terça-feira de Carnaval é feriado no Brasil, mas não é no mundo inteiro. E na segunda, as Bolsas europeias caíram 5%. Começaram a ter muitos casos em Milão, na Itália, e eu vi que realmente não havia controle sobre a epidemia. Eu estava fora em Portugal, e cheguei aqui na quinta-feira. Logo depois, a segunda pessoa que teve coronavírus no Brasil foi um executivo da XP.

Como foi lidar com a doença dentro de casa?Tudo isso parece um filme —e aí você se vê dentro do filme. Quando você acompanha as notícias, sempre acha acha que aquilo não vai ser contigo e, quando acontece, você vê o impacto direto. Vê o quão apavoradas as pessoas podem ficar.

A gente já tinha soltado um comunicado interno determinando que quem tivesse estado em local de risco não deveria trabalhar. Mas essa pessoa não viu o comunicado. Chegou na Quarta-feira de Cinzas e foi trabalhar. Ficou no escritório duas horas e sentiu um pouquinho de febre. O colega do lado dele disse ‘olha, você não deveria estar aqui, você estava em Milão, é importante que você vá casa’. Ele foi, fez o teste e estava contaminado. A gente teve de pedir para pessoas que tiveram contato com ele na empresa que ficassem de quarentena. Fizemos os testes nelas, demos todo suporte e elas entraram em quarentena.

Ficou claro, então, que haveria um impacto muito grande no Brasil. Se a empresa não criasse um plano de contingência robusto e houvesse muita gente contaminada, como iríamos manter as áreas funcionando? Vimos que tínhamos um desafio ali. Em uma semana, tínhamos 90% dos funcionários da empresa em casa, em duas semanas 95% e, em três semanas, 98%. São quase 3.000 pessoas.

Vocês chegaram a aplicar testes de coronavírus nos funcionários? Sim. Compramos entre 5.000 e 10 mil testes, para os funcionários e para as suas famílias. Tivemos mais ou menos uns 40 casos, algo como 1,3% da empresa. Em três casos, as pessoas tinham mais de 50 anos. Apenas uma ficou hospitalizada, mas não precisou de respirador. Graças a Deus, não tivemos nenhum caso mais grave. Ha cerca de uma semana, não registramos nenhum caso novo.

Hoje a XP opera remotamente? Sim. No escritório só estão indo cerca de 60 pessoas, porque existem algumas tarefas muito específicas e alguns sistemas só funcionam lá dentro. Mas criamos toda uma blidagem. As pessoas não se encontram. Ficam afastadas.

Pela experiência em sua própria empresa, qual a sua visão sobre o fechamento do comércio e o isolamento social, que acabou criando tanta polêmica? É, virou uma polêmica, mas precisava fazer isso no começo. O sistema de saúde não está pronto para algo assim. Não tínhamos leito, respiradores. Precisa controlar a epidemia dessa forma, para dar tempo de ajustar os hospitais. Isso é o mais adequado.

Mas, naturalmente, temos outro desafio. O Brasil é um país pobre. Temos 40 milhões de pessoas informais e autônomas. Por mais que o governo ofereça vouchers e adote outras medidas, é difícil. Muita gente não tem nem conta em banco. É uma batalha dentro de uma guerra. Em algum momento, teremos a discussão de como sair dessa. Mas não sei se já está na hora. Eu não sou médico.

A coisa boa é que a China, depois de um lockdown de dois meses, já voltou. A gente se prende nesse case, já que Itália e Espanha estão registrando números cada vez menores de casos. Tudo isso prova que o lockdown funciona. Mas, de novo, é importante entender que o Brasil é mesmo diferente. Não tem a riqueza desses países. Precisamos de uma solução para nossa realidade.

Logo no começo, a XP passou a fazer lives com empresários e, em uma delas, o sr. defendeu que o Brasil precisava de um 'Plano Marshall', que é uma ação do Estado na economia. Qual era a sua ideia quando fez aquela comparação? As empresas de serviços representam cerca de 65% do PIB, e uma grande quantidade pertence a pequenos e médios empreendedores, pessoas sem capital de giro. Quando a gente faz uma interrupção na economia como essa, o caminho para elas, se não conseguirem vender, é demitir. Muitas não sobrevivem. E, de novo, temos informais e autônomos.

Ali o meu pedido foi mais para que o governo viesse com medidas muito relevantes. Eu sei que o governo é liberal, e eu acho importante essa visão. Mas se não houver uma intervenção do governo na economia, se muita gente ficar pelo caminho, empresários quebrarem, a economia não voltará na velocidade que poderia no fim da epidemia.

O Plano Marshal foi o plano de reconstrução da Europa no Pós-Guerra e a minha sugestão ali era similar: ‘Olha, a gente vai entrar aqui num regime quase de guerra e se o governo não vier com um plano de incentivo que possa nos manter vivos a gente vai acabar com o país'. Era essa minha provocação. E as medidas que o governo lançou depois foram bastante fortes, tanto monetárias, quanto fiscais.

Qual é o cenário econômico da XP para os próximos meses? Vamos ter um segundo trimestre muito difícil, e as mortes pioram tudo, geram mais ceticismo ainda. Mas eu tenho uma esperança pessoal de que essa crise, em termos econômicos, vai ser mais rápida do estão prevendo. Temos um alinhamento. Ninguém quer ficar na crise —nem governos, nem empresários, nem a população. Essa convergência ocorre no momento em que nunca vimos tantos estímulos monetários e fiscais. Estamos vendo no mundo os menores juros da história.

Temos 3.000 funcionários CLTs e já deixamos claro para o time inteiro que ninguém vai ser demitido e que a gente vai continuar crescendo. Não mexemos nas metas do ano. E vamos continuar contratando, inclusive. Temos um negócio diferente. A gente consegue funcionar sem presença física, em casa, via Skype, WhatasApp, Zoom, atendendo os clientes.

Qual foi o comportamento do cliente na crise? Todo o mundo acabou tendo muitas dúvidas sobre o que ia acontecer na economia e com os seus investimentos. E foi por isso que a gente lançou uma porção de lives. Foi uma forma de nos aproximarmos dos clientes. Normalmente, a indústria financeira faz o contrário: se afasta. Não quer explicar coisa ruim, talvez porque afeta o investimento no curto prazo. A gente lançou muitos cursos e tentou trazer um conteúdo que não tinha no mercado, com lives, e tivemos às vezes, 500 mil acessos. E as pessoas foram se acalmando.

Era um momento de florescimento e até de descoberta da Bolsa quando veio a pandemia. O coronavírus pode alterar isso? A Bolsa divulgou que de janeiro a março deste ano 500 mil novas contas foram abertas na Bolsa. O Brasil sempre foi um país de juros elevados. Desde o Plano Real, a média do juros é de 13,5% ao ano. O brasileiro nunca soube investir de verdade. Mundo afora, se você quer investir, precisa aprender o que é longo prazo, o que é volatilidade, comprar um pouquinho de ações, de diferentes fundos, como fundo imobiliário.

Agora, então, a lição foi a da queda e da volatilidade [termo financeiro para grandes oscilação nas cotações de ações]? Da queda, sim. Mas, no final, se você quer retorno no longo prazo, não tem como não ter mais volatilidade no curto prazo –lembrando que essa volatilidade atual é extremamente incomum. Mas são nesses momentos que surgem oportunidades. Tem ações baratas. E com os juros caindo cada vez mais, não tem como não avaliar isso.

Eu não descarto a possibilidade de o juros cair a 2% ao ano no final do ano. Se alguém quiser ganhar dinheiro com seu próprio dinheiro,vai ter de aprender assumir risco. E assumir risco para ganhar dinheiro é normal em qualquer lugar do mundo se quiser investir. A gente vai viver, em termos de investimentos, anos muitos diferentes daqui em diante.

O sr. acha que o coronavírus vai ter influência nisso ou gerar outras mudanças? Um ensinamento que o coronavírus trouxe é no trabalho. Nós utilizamos 25 mil metros quadrados de espaço físico no Brasil e no mundo. Não precisa disso tudo. Eu estou aqui num sítio, no interior, fazendo mil lives. Acho que teremos mais qualidade de vida, as pessoas vão poder trabalhar em casa, sem se locomover tanto, com menos custo de vida, menos tempo no trânsito. A gente vai ter economia de espaço físico, com certeza. E isso talvez isso consiga deixar as cidades menos tumultuadas. Você vai poder morar no interior e trabalhar numa empresa na capital sem presença física.

A coisa mais importante é que vamos ter um Brasil mais solidário. O Brasil é um pais muito carinhoso, mas não é solidário. A gente doa mais ou menos 0,2% do PIB, enquanto os Estados Unidos doam 1,1% do PIB, cinco vezes e meia mais.

Acho que neste momento, não apenas o governo, mas a sociedade como um todo precisa adotar um empresário —seja um informal, um autônomo, um microempresário, um fornecedor— mais rápida será a retomada.

Mas como seria essa adoção? A gente sempre quer que o governo ou grande empresas ou ONGs façam alguma coisa. Mas temos 5.500 municípios aproximadamente e 26 estados, mais o Distrito Federal. Nesse momento, seria importante que a solidariedade estivesse entre nós. Não importa se numa cidade do Norte, do Nordeste, do Sul, a comunidade pode se ajudar. Quem tem mais doa mais. Quem tem menos doa menos. Pode ser um estudante, um empreendedor, um executivo, uma dona de casa. Se juntar um pouquinho de muita gente, dá para ajudar a comunidade local. Com R$ 1.000, R$ 2.000, quantas cestas básicas você compra? Se a solidariedade estíver nos municípios, de forma espalhada, a gente consegue superar isso junto. Quanto menos gente ficar para o caminho, melhor para todos.

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