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Setor de flores estima queda de R$ 1,3 bi nas vendas no país devido ao coronavírus

Em Holambra, onde produção responde por 90% do PIB, toneladas têm sido descartadas por dia

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São Paulo

Todos os dias toneladas de flores têm sido descartadas nos sítios de Holambra (a 133 quilômetros de São Paulo), conhecida justamente como cidades das flores. São rosas, orquídeas, crisântemos —plantadas há meses, até mesmo anos, para serem vendidas e usadas em festas de casamento, formaturas e outros tipos de evento.

Os produtores de flores amargam uma queda de cerca de 90% nas vendas desde o início da quarentena imposta para tentar conter o avanço do novo coronavírus no Brasil.

Um levantamento feito pelo Ibraflor (Instituto Brasileiro de Floricultura) estima que o setor pode deixar de vender R$ 1,3 bilhão até o Dia das Mães, que é a principal data para esse comércio no ano.

“Após o Dia das Mães, se nada for feito agora, teremos um cenário devastador, com a falência de 66% dos produtores e o desemprego de 120 mil pessoas nas áreas produtivas”, afirma Kees Schoenmaker, presidente do Ibraflor.

Segundo ele, o cálculo foi feito por um grupo envolvido em um comitê de crise criado pelo instituto e levou em conta a previsão de faturamento total do ano, englobando todos os setores: produtores, atacadistas e varejistas.

Produtores afirmam que as vendas zeraram na semana do dia 16 a 22 de março e tiveram uma recuperação de 5% nos sete dias seguintes. Nesta semana, segundo relatos, as vendas tiveram mais um pequeno acréscimo.

“Com as flores de corte [usadas em eventos] a retomada é mais difícil, por volta de 8% ou 10% nesta semana. As vendas de flores em vaso já estão chegando a 15%. A expectativa é de melhora nas próximas semanas, mas não acreditamos que vá passar dos 20%. Isso representa uma queda de 80% nas vendas”, diz Schoenmaker.

As dificuldades enfrentadas pelo setor, também podem refletrir na economia de Holambra. De acordo com o prefeito, Fernando Fiori (PTB), as flores correspondem a 90% do PIB do município.

“A cidade vive da produção de flores. Somos estância turística por causa das flores, que movimenta a cidade. Todo o comércio e a vida local estão ligados direta ou indiretamente à comercialização e produção”, afirma.

A cidade, de cerca de 15 mil habitantes, não tem espaço no orçamento para subsidiar as perdas dos produtores, segundo o prefeito.

“Estamos ajudando as famílias mais carentes com cestas básicas e programas para viabilizar alimentos para as pessoas que estão em casa.”

Na quarta (1º), Fiori enviou uma carta para os governos estadual e federal solicitando atenção especial ao setor —que, de acordo com o documento, movimenta R$ 8 bilhões por ano. Por enquanto, não se disponibilizou uma linha de crédito específica para os floricultores.

“Cada dia é um dia, não sei como vamos fazer. Estou tentando honrar a folha de pagamento, mas ainda tenho parcelas de financiamento, para custeio agrícola, vencendo em abril”, diz a produtora Andreza Esperança.

“A gente precisa de medidas do governo com relação à prorrogação desses prazos. Prefiro honrar com compromissos de pagamento de salários e fornecedores.”

Andreza Esperança Monfardini, 35, uma das proprietárias do  Grupo Esperança, (produtores de flores em Holambra)
Andreza Esperança Monfardini, 35, uma das proprietárias do Grupo Esperança, (produtores de flores em Holambra) - Eduardo Knapp/Folhapress

A família de Andreza planta flores em Holambra desde a década de 1980. Ela, que emprega 200 pessoas na região, afirma que já deu férias para 35% dos funcionários.

“Não posso colocar mais [pessoas] em férias porque a flor precisa de manutenção, não dá para simplesmente fechar as portas. Tem que continuar pulverizando, irrigando, todo o processo normal”, diz.

“Até o momento não demitimos ninguém. Esperamos não precisar, mas tudo depende do que está por vir.”

Andreza, que dedica 18 hectares de uma propriedade a rosas e astromélias, é uma das produtoras que têm descartado flores diariamente. As que já estariam prontas para venda são cortadas e vão para a compostagem virar adubo.

Outro drama enfrentado por ela são as orquídeas; mudas da espécie chegaram há um ano da Holanda para as vendas do Dia da Mães.

“Elas estão no ponto e não há pedido. Já chegamos a descartar alguma coisa, porque a flor vai abrindo e eu não tenho muito espaço, tem mais mudas chegando”, conta.

“A partir do momento que eu planto, leva um ano para a flor estar pronta para vender.”

Segundo ela, o fechamento das floriculturas não foi o único motivo para a queda expressiva nas vendas.

“A maioria das pessoas vai comprar comida. Flor é o último caso. Ainda assim, estamos batalhando em cima dos supermercados, que estão abertos.”

O relato de Andreza coincide com o de outro produtor, Jean Ferreira. “A flor é perecível como frutas, legumes e verduras, mas não é algo que a pessoa precise comprar”, diz. “Redes de supermercados reduziram drasticamente os pedidos, e a maioria de floriculturas, paisagistas e garden centers está fechada.”

Ferreira deu férias para 70% dos seus funcionários. Os que seguem trabalhando estão fazendo manutenção e descarte da produção.

“A flor tem um ciclo, que pode ter de dois meses a dois anos. Quando ela está no ponto, tem que ser colhida ou descartada. No momento, a maioria está descartando”, afirma. “A gente até tentou doar flor, mas o volume é irrisório.”

Segundo ele, a cooperativa da cidade lançou a campanha “Flor Alimento da Alma” para tentar alavancar vendas. “Ainda é pequeno, mas é um começo. Floriculturas também estão tentando fazer delivery, têm produto em estoque”, diz.

O serviço de entrega em casa tem crescido exponencialmente. O site de vendas online Giuliana Flores, um dos maiores no segmento, afirma que chegou a vender 130% a mais em alguns dias.

“As pessoas não têm outro lugar para comprar, mas querem comemorar aniversário, mandar lembranças para alguém de quem está sentindo saudades”, diz Clóvis Souza, fundador da marca.

A empresa afirma que tem feito campanhas para diminuir as perdas dos produtores e que também vai lançar campanhas de doação e presentes para estimular o consumo.

Os produtores tentam manter a esperança. “A gente está na expectativa, rezando muito para que a semana que vem seja melhor que esta e assim por diante. Ver um trabalho bem-feito sendo descartado é de chorar”, diz Andreza.

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