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Azevêdo era o craque do time, e sua saída da OMC torna mais difícil virar o jogo

Azevêdo inaugurou uma maneira mais inclusiva de negociar acordos comerciais, com a participação efetiva de todos os membros

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Pablo Bentes

Há exatos sete anos eu escrevia neste espaço, com mal disfarçado ufanismo, que Roberto Azevêdo era a pessoa certa no lugar certo e que sua eleição para diretor-geral da OMC (Organização Mundial do Comércio) sinalizava o compromisso de seus membros com o sistema multilateral de comércio.

Azevêdo mostrou logo de cara que não viera a passeio. Inaugurou uma maneira mais inclusiva de negociar acordos comerciais, com a participação efetiva de todos os membros.

O brasileiro Roberto Azevêdo assumiu o cargo de diretor-geral da OMC em 2013 e está em seu segundo mandato, terminaria em agosto de 2021 - Fabrice Coffrini/AFP

Adotou soluções criativas para facilitar a conclusão de novos acordos comerciais ao oferecer aos membros mais pobres um prazo mais longo de implementação em troca de um pacote de assistência técnico-financeira para compensar sua relativa falta de recursos.

Assim, com menos de quatro meses de mandato, Azevêdo liderou as negociações que levaram à conclusão do Acordo de Facilitação de Comércio durante a Reunião Ministerial de Bali, em 2013. Parecia ter resgatado a função negociadora da OMC.

De lá pra cá, porém, a organização desceu ladeira abaixo. A partir de 2016, a administração Trump adotou uma estratégia clara de desmonte do sistema multilateral de comércio.

Os Estados Unidos iniciaram uma guerra tarifária contra a China e diversos outros membros da OMC, à medida que minavam a efetividade do mecanismo de solução de controvérsias nas quais suas medidas seriam questionadas.

Os demais membros da OMC não reagiram bem à estratégia de terra arrasada dos americanos e impuseram retaliações comerciais de maneira unilateral enquanto insistiam em preservar o status quo institucional.

Portanto, a coisa já não vinha bem quando do advento da Covid-19. A pandemia levou à suspensão das reuniões da OMC por tempo indeterminado, ao adiamento da Reunião Ministerial no Cazaquistão para o ano que vem e à proliferação de medidas restritivas ao comércio.

Há hoje um sério risco de que medidas protecionistas aprofundem a atual recessão econômica, e é fundamental que os membros da OMC coordenem esforços para mitigar os efeitos econômicos e sanitários do coronavírus.

No entanto, o nível de disfunção no seio da organização é tamanho que seus membros nem sequer conseguem chegar a um consenso sobre a atual necessidade de realizar reuniões através de plataformas virtuais.

Frustrado e visivelmente cansado, o embaixador Azevêdo surpreendeu o mundo nesta quinta (14) ao renunciar um ano antes da conclusão de seu segundo mandato como diretor-geral da OMC.

É o fim de uma era. Desde que começou a trabalhar com o tema, em 1997, Azevêdo se tornou um dos pilares do sistema multilateral de comércio.

Primeiro como líder da equipe brasileira que venceu disputas paradigmáticas contra os Estados Unidos e União Europeia na área de subsídios agrícolas, depois como nosso principal negociador para a Rodada Doha, e, finalmente como diretor-geral da OMC.

A sensação em Genebra é de perplexidade e de derrota. É como se o Zico tivesse pedido para sair do jogo quando ainda estava 1 a 0 para Itália na Copa do Mundo de 1982, na Espanha. Perdemos o craque do time e ficou mais difícil virar o jogo.

Pablo Bentes

Sócio do escritório Baker McKenzie em Genebra. Foi assessor jurídico do Órgão de Apelação da OMC entre 2006 e 2012

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