Coaf reduz atividades e aplicação de multas após vaivém entre Justiça, Economia e BC

Especialistas atribuem essa queda de rendimento às mudanças de gestão ao longo do ano

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Brasília

O vaivém na definição da gestão do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) gerou instabilidade e diminuiu as atividades do órgão. Houve queda na produção de relatórios e nas multas.

O Coaf começou 2019 sob o comando do Ministério da Justiça e voltou para o Ministério da Economia. Acabou, porém, o ano vinculado ao Banco Central.

Antes de o órgão ir parar na autoridade monetária, houve polêmica. O então ministro Sergio Moro (Justiça) esperava comandá-lo, mas perdeu a batalha.

Criado em 1998, o Coaf é responsável por políticas de prevenção e combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo.

fachada preta com banco central do brasil escrito em letras prateadas
Sede em Brasília do Banco Central, que ficará responsável pelo novo Coaf - Ueslei Marcelino - 16.mai.17/Reuters

O conselho produz e envia relatórios às autoridades quando identifica indícios de crimes financeiros. O órgão, contudo, não tem poder de investigação.

A turbulência no Coaf no ano passado se refletiu em números. O valor das multas aplicadas caiu de R$ 77,8 milhões, em 2018, para R$ 8,34 milhões em 2019. O recuo foi de 89,2%.

O conselho produziu 6.273 relatórios de inteligência financeira em 2019 —14,65% a menos. Até agora, em 2020, 3.698 relatórios foram feitos.

A quantidade de processos instaurados passou de 116 para 15 de um ano para o outro. A baixa foi de 60,8%. Em 2020, apenas 3 processos foram abertos e R$ 1,15 milhão aplicados em multa.

Especialistas atribuem essa queda de rendimento às mudanças de gestão ao longo do ano.

Para a professora de direito penal da Faculdade de Direto da USP (Universidade de São Paulo) Helena Lobo, as movimentações causaram insegurança na equipe.

"As pessoas ficam esperando pela reorganização, qual vai ser o fluxo de trabalho, o que prejudica o desempenho", diz.

Segundo ela, não importa onde o órgão se instale, desde que haja autonomia. "Com estrutura e colaboração não existe tanta diferença entre uma pasta e outra", afirma.

"As modificações entre dois ministérios e depois a ida para a estrutura do BC fizeram com que se perdesse a efetividade no gerenciamento das informações. Além disso, mudanças exigem adaptação", diz Caio Bartine, especialista em direito tributário.

"É preciso analisar também as diretrizes da nova gestão. Agora é preciso que não tenha mais jogo de empurra para que os servidores consigam seguir com as atividades", afirma.

Bartine observa que a vinculação do Coaf à autoridade monetária coloca ainda mais em evidência a necessidade de se aprovar a autonomia do BC.

"A discussão é se o órgão terá liberdade política para agir. Então, se o BC não tem independência formal, é só mais uma mudança administrativa", diz.

Ao assumir, o presidente Jair Bolsonaro tirou o Coaf do Ministério da Economia e o colocou na Justiça. O Congresso, no entanto, devolveu o órgão à Economia em maio.

Em agosto, uma MP (medida provisória) transferiu o órgão para o BC e ainda lhe deu novo nome —UIF (Unidade de Inteligência Financeira). Esta mudança foi rejeitada pelos congressistas.

Quando passou a integrar o BC, o servidor de carreira Ricardo Liáo foi escolhido para a presidência do Coaf. Antes, o conselho estava sob comando de Roberto Leonel, indicado por Moro.

A lei que transferiu o Coaf para o BC, sancionada em janeiro deste ano, manteve os servidores e os empregados que já compunham o quadro.

Embora o volume de resultados tenha caído, o Coaf cresceu em 2019, em meio aos impasses sobre seu destino.

Em 2019, a equipe passou de 37 para 81 funcionários, entre servidores, militares, cargos de confiança, terceirizados e estagiários. O orçamento do órgão saltou de R$ 5,7 milhões para R$ 14,7 milhões.

O ex-ministro Sergio Moro participa de cerimônia com o presidente do Coaf, Roberto Leonel - Pedro Ladeira - 9.mai.19/Folhapress

Para Thiago Bottino, professor de direito da FGV (Fundação Getulio Vargas) do Rio de Janeiro, essas modificações no quadro e na direção podem ter prejudicado o fluxo de trabalho do Coaf.

"Mudança na equipe ou nos procedimentos trazem risco de perda do know how, da experiência de pessoas que trabalham na área", diz.

O Coaf, no entanto, nega que as mudanças tenham gerado instabilidade e causado a queda das atividades. Em nota, o órgão atribui a redução de processos à nova orientação estratégica de gestão.

"Essa diminuição, longe de sinalizar algum problema, corresponde justamente a um aprimoramento do trabalho do Coaf", afirma.

"A instauração de menor número de processos sancionadores por ano reflete a orientação estratégica de intensificar a priorização da qualidade, em vez da quantidade, nas ações de supervisão do órgão, em linha com a abordagem baseada em risco internacionalmente recomendada", diz.

ENTENDA O PAPEL DO COAF

  • O que é o Coaf?

    Criado pela lei dos crimes de lavagem (nº 9.6313/1998), é uma unidade de inteligência financeira ligada ao Ministério da Economia. Envia relatórios a autoridades como Ministério Público, Polícia Federal e polícias civis quando identifica indícios de crimes de lavagem de dinheiro e de financiamento do terrorismo ou de outros ilícitos. O Coaf não faz investigação

  • Quem abastece o Coaf?

    Há setores da economia que são obrigados, por lei, a informar ao Coaf sobre movimentações financeiras suspeitas, como bancos, empresas seguradoras e de previdência privada, joalherias, comércio de bens de luxo ou de alto valor e comércio de imóveis

  • Em quais casos esses setores comunicam o Coaf?

    Há dois tipos de comunicação: 1) de operações suspeitas e 2) de operações em espécie (dinheiro vivo) acima de determinado valor estabelecido em norma

  • Como o Coaf repassa esses dados às autoridades que fazem investigação?

    Por meio de RIFs (relatórios de inteligência financeira), compartilhados em um sistema eletrônico próprio, que dá agilidade e preserva o sigilo. Há dois tipos de relatório: 1) espontâneo, feito por iniciativa do Coaf e 2) de intercâmbio, feito para atender aos pedidos das autoridades. Os RIFs não são provas de crimes, mas apenas indícios que devem ser apurados

Sobre a redução das multas, o órgão afirmou que, em 2018, foi aplicada uma multa de R$ 50,2 milhões a uma única empresa e R$ 25 milhões ao seu principal dirigente, em um caso "muito peculiar", por isso o salto.

O conselho ainda passa por processo de adaptação. Até 31 de dezembro, os Ministérios da Justiça e da Economia ainda precisam prestar apoio técnico ao órgão.

De acordo com o Coaf, segue gradual a operacionalização da vinculação administrativa ao BC, com a transferência do que estava a cargo das pastas.

Segundo o Coaf, no novo cenário, foram tratadas desde questões simples, como, por exemplo, a obtenção de um CNPJ ou de um domínio de email próprios, até a contratação dos serviços de tecnologia necessários para funcionamento dos sistemas.

"As mudanças ocorridas em 2019 não geraram instabilidade. Claro, porém, que mudanças demandam adaptação. E o Coaf superou bem seus desafios de adaptação até a confirmação expressa em lei da garantia de sua autonomia técnica e operacional", diz a nota.

O órgão pode punir atos ilícitos por meio de multas. O valor de recolhimento, no entanto, é baixo. Em 2019, só R$ 570 mil (6,8%) em penalidades foram de fato pagos ao conselho.

"Isso acontece com a maior parte das agências reguladoras. Falta atuação efetiva na parte da cobrança", diz Lobo, da USP.

O Coaf explica que a arrecadação das multas cabe a órgãos vinculados à AGU (Advocacia-Geral da União) e que foram alterados entre 2018 e 2019, por causa das reestruturações do conselho.

Agora, a Procuradoria-Geral do Banco Central (PGBC) ficará responsável por cobrar e recolher as multas inscritas em dívida ativa a partir de 20 de agosto de 2019.

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