Familiares de vítimas de Brumadinho dizem que bônus milionário da Vale é afronta

Empresa aprovou premiação de R$ 19 milhões a diretores por desempenho em ano da tragédia

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Belo Horizonte e Rio de Janeiro

Familiares de vítimas do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG) disseram que a distribuição de bônus milionários a diretores da Vale pelo desempenho da empresa no ano da tragédia "é mais uma afronta e motivo de indignação".

Em nota enviada à Folha, a Avabrum (associação que reúne os familiares de vítimas e atingidos) frisaram que a companhia é acusada de ter ciência dos riscos de rompimento. O ex-presidente da mineradora Fabio Schvasrtsman e outros dez funcionários foram denunciados por homicídio doloso duplamente qualificado.

"Com uma cultura enraizada em administrar erros, [a Vale] optou por deixar como está, negligenciou números, laudos e hoje vivemos o luto de 272 vidas [a associação contabiliza os bebês das duas vítimas grávidas]", diz o texto. "Vidas que foram ceifadas, por uma empresa que gerenciou por anos a cultura do erro, mas que em placas e processos internos prega a vida em primeiro lugar".

Logo da mineradora Vale em Brumadinho, Minas Gerais
Logo da mineradora Vale em Brumadinho, Minas Gerais - Adriano Machado - 21.fev.2019/Reuters

A distribuição de bônus milionários foi aprovada em assembleia de acionistas realizada nesta quinta (30). A empresa premiará a direção atual em R$ 19,1 milhões pelo desempenho em 2019, ano do rompimento da barragem.

Apesar do prejuízo de R$ 6,7 bilhões, a companhia considera que eles cumpriram metas de sustentabilidade e de reparação de danos do desastre. "A liderança da empresa demonstrou engajamento total com a construção de uma empresa melhor e compromisso com a transformação cultural no futuro da Vale", defende a mineradora.

Além disso, a Vale decidiu retomar os bônus referentes ao desempenho de 2018, que foram suspensos logo após a tragédia. São R$ 29,8 milhões. Só receberão o prêmio, porém, os executivos que não são alvo de investigações sobre as causas do rompimento da barragem.

Dos diretores atuais, quatro executivos estavam no comando da empresa quando a barragem se rompeu: os diretores de Finanças, Luciano Siani, de Suporte ao Negócio, Alexandre Pereira, de Relações Institucionais, Luiz Eduardo Osório, e o atual presidente, Eduardo Bartolomeo, que era diretor de Não Ferrosos.

"Se a empresa está preocupada em recompensar seus acionistas e diretores, deveria primeiro pensar na reparação de todas as 272 famílias e comunidades atingidas", continua a Avabrum, que chamou de "aviltante" acordo de indenização trabalhista fechado pela mineradora com o Ministério Público do Trabalho.

Em seu balanço do primeiro trimestre, divulgado na terça (28), a companhia disse que já fez acordos com cerca de sete mil pessoas e que o pagamento de indenizações e ações emergenciais relacionadas ao desastre já soma R$ 3,6 bilhões.

A aprovação dos bônus milionários ocorreu sob protesto de investidores minoritários ativistas e teve voto contrário do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), acionista com participação relevante na companhia.

Em nota, o banco diz que aderiu em 2017 ao Código de Princípios e Deveres dos Investidores Institucionais da Amec (Associação de Investidores no Mercado de Capitais), documento de princípios para melhorar a transparência e o engajamento de investidores institucionais com papel relevante em empresas.

"Através de sua adesão, a BNDESPAR [o braço de participações em empresas do banco estatal] se comprometeu a buscar o cumprimento de uma série de princípios de Governança Corporativa em linha com as melhores práticas do mercado", afirmou.

​A proposta de remuneração da diretoria dobra o valor reservado ao pagamento dos executivos (incluindo salários e premiações) e foi aprovada por acionistas detentores de quase 60% das ações.

Os dois maiores acionistas são Bradesco e Previ, o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, que não responderam a questionamento da Folha sobre seus votos.

A advogada Alexandra Montgomery, declarou considerar inadequado conceder reajustes salariais e retomar premiações suspensas em 2018 porque ainda não houve conclusão dos processos criminais sobre o rompimento da barragem e citou a crise provocada pela pandemia do novo coronavírus para questionar os bônus de 2019.

"Ainda não se pode afirmar que outras pessoas não estejam envolvidas nos crimes que estão sendo apurados", defendeu. "No momento, nenhum funcionário do alto escalão desta empresa, que já a compunha em janeiro de 2019, deve ser isentado da possibilidade de que tenha participação."

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