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Coronavírus, o debate econômico

Mas o Brasil precisa de um New Deal contra o coronavírus?

Pandemia vai passar e precisaremos voltar às reformas do Estado e do ambiente de negócios no Brasil

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Ana Paula Vescovi

O Brasil entrou na crise do Covid-19 ainda convalescendo da crise anterior (2014-2016). A prioridade agora deve ser disponibilizar recursos para o sistema de saúde e para sustentar a renda de pessoas e empreendedores vulneráveis. Mas precisamos ter responsabilidade com condições mínimas para sair da crise e iniciar a recuperação sustentada da economia.

Temos vantagens: tamanho das reservas internacionais; perfil da dívida pública; reservas financeiras no caixa do Tesouro Nacional; as mais baixas inflação e taxa de juro neutra da história. Isso significa que teremos tempo para enfrentar a crise na saúde, que será temporária, embora seja grande a incerteza quanto à sua duração.

Também temos desvantagens. Entramos na crise antes de aprofundar a agenda de reformas. O ajuste fiscal necessário estava no meio do caminho. A reforma do Estado apenas entrara na pauta de discussões e o orçamento público encontrava-se no seu máximo grau de rigidez e má alocação, dando suporte à elevada desigualdade de renda.

As reformas legitimadas pelas eleições mais recentes, de modernização do ambiente de negócios, dos marcos regulatórios da infraestrutura e das privatizações ainda estavam em estágio inicial. A abertura comercial sequer havia começado. Com a produtividade estagnada há quatro décadas e com crescimento cada vez menor da força de trabalho, o PIB potencial crescia pouco, ao redor de 1% do PIB.

Isso significa que os recursos mobilizados para o combate da pandemia e seus efeitos são inexistentes, e serão viabilizados apenas com maior emissão de dívida pública. Como mais de 90% da dívida é detida por brasileiros, isso significa que estamos transferindo para o futuro bem próximo o acerto de contas. Até porque, por força das incertezas e riscos crescentes, será inevitável maior encurtamento no perfil da dívida e maior custo de rolagem da mesma.

O esforço de enfrentamento da crise nos levará, inevitavelmente, a um novo salto da relação dívida/PIB, que já saltou de 55% em 2011 para 75% no pré-pandemia, devendo possivelmente atingir novos níveis acima de 100%. Com PIB potencial de 1% e taxa de juro estrutural indo para mais de 4%, a dívida pode se tornar insustentável. Será necessário um novo esforço de ajuste das contas públicas no longo prazo, superior a 5% do PIB, ainda maior do que aquele iniciado em 2016, apenas para estabilizar a dívida neste elevado patamar.

Assim, abandonar o teto dos gastos antes de empreendida uma reforma do Estado seria aprofundar a crise, trazendo ainda mais riscos, imprevisibilidade e desorganização à economia, com freio nos investimentos, na produtividade, e no crescimento de longo prazo. Um tiro pela culatra.

O único acordo possível durante a crise capaz de levar à recuperação mais rápida e sustentada dos empregos deverá combinar componentes gastos públicos temporários, focalizados nos mais vulneráveis, com a sustentação das âncoras macroeconômicas (regras fiscais, baixa vulnerabilidade externa e sistema de metas de inflação). Preservar a segurança jurídica dos contratos também é imperativo. Para isso será fundamental afastar comportamentos oportunistas e impedir agendas alternativas que já deram errado no passado.

A pandemia vai passar e precisaremos voltar às reformas do Estado e do ambiente de negócios no Brasil.

Ana Paula Vescovi

Economista-chefe do Santander Brazil, ex-secretária do Tesouro Nacional (2016-18) e ex-secretária-executiva do Ministério da Fazenda (2018)

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