Socorro do governo para aéreas e companhias elétricas é pouco, afirmam grandes empresas

Propostas são insuficientes e exigem muito, dizem setores; varejo e montadoras também negociam

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São Paulo e Rio de Janeiro

Os pacotes de socorro apresentados pelo governo a grandes setores afetados pela pandemia do novo coronavírus são considerados insuficientes para empresas e entidades de classe. As queixas compreendem o volume de recursos oferecidos e incertezas com relação às exigências propostas.

Na estratégia de oferecer pacotes setoriais, o governo tenta trazer o setor privado para oferecer instrumentos de mercado às grandes empresas, evitando, assim, questionamentos sobre o uso de recursos públicos subsidiados ou críticas sobre direcionamento da ajuda.

Até o momento, já foram divulgadas as condições iniciais para os setores aéreo e de energia. O BNDES diz que conversa também com os setores de varejo e automotivo, em bases semelhantes às propostas à aviação.

Para o setor de energia, a proposta foi elaborada pela área econômica do governo e envolve a concessão de empréstimo às distribuidoras de eletricidade, processo no qual o BNDES deve participar apenas como coordenador.

O decreto que cria as bases para o empréstimo foi divulgado na segunda (19). Para empresas do setor, embora avance em relação ao socorro de curto prazo, mantém incertezas sobre a solução de questões como a queda no consumo e o aumento da inadimplência.

O empréstimo joga para 2021 em diante o pagamento, em parcelas, de itens que encareceriam a conta de luz neste ano, como os impactos da desvalorização cambial na energia de Itaipu, o início das operações de novas linhas de transmissão e o aumento de encargo chamado CDE (Conta de Desenvolvimento Energético).

Em vez de receberem esses valores adicionais nas tarifas já em 2020, as distribuidoras negociarão entre R$ 12 bilhões e R$ 15 bilhões com um sindicato de bancos. O crédito resolve o problema de liquidez de curto prazo em um setor que viu o faturamento cair cerca de 30% após o início da pandemia.

Mas os efeitos da queda do consumo e do aumento da inadimplência só serão discutidos em processos de revisão extraordinária das tarifas de cada empresa, coordenados pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), cujos resultados não podem ser antecipados.

Assim, distribuidoras alegam que não podem se comprometer com as contrapartidas ao empréstimo, entre elas a renúncia a futuras ações judiciais ou a garantia de manter-se adimplentes nos contratos de compra ou transporte de energia, sem maior clareza em relação ao valor total a que terão direito.

“Vai ficar ainda um valor a ser coberto”, diz o presidente da Abradee (Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica), Marcos Madureira. Ele afirma, porém, esperar que as dúvidas sejam saneadas na regulamentação dos termos propostos no decreto.

Os grandes consumidores de energia veem outro ponto de incerteza, que é relacionado ao pagamento de capacidade, taxa que é cobrada sobre clientes de alta-tensão, mesmo quando não estão consumindo toda a energia contratada.

O decreto financia a diferença entre o consumido e o efetivamente usado, diz o presidente da Abrace (Associação Brasileira dos Consumidores de Energia), Paulo Pedrosa, mas deixa com a distribuidora o risco de inadimplência por eventual falência de grandes clientes.

No setor aéreo, o BNDES costurou pacotes de R$ 2 bilhões para cada empresa, que incluem empréstimos e títulos lastreados em ações, com participação de bancos privados. Na prática, o banco de fomento comprará participações em companhias aéreas, segundo confirmou na terça o ministro Paulo Guedes (Economia).

Num setor com queda na demanda superior a 90%, especialistas veem risco de que as empresas em piores condições financeiras quebrem se não houver socorro adequado.“Deve haver socorro maior às empresas aéreas, que são importantes para a economia do país não apenas para o turismo mas em atividades essenciais. É fato que vai haver redução drástica [das atividades] mesmo pós-pandemia”, afirma Luiz Roberto Ayoub, desembargador aposentado e sócio do escritório de advocacia PCPC.

Ayoub, que acompanhou a recuperação judicial da Varig, afirma que propor soluções de mercado no socorro às empresas aéreas pode dificultar o acesso a crédito. “Não é fácil as empresas irem a mercado para captar. O BNDES deveria abrir o caixa mesmo”, afirma.

“Com a redução natural e abrupta do faturamento, essas empresas terão de recorrer a instrumentos como recuperação judicial”, afirma.

Nos EUA, a ajuda ao setor foi de US$ 25 bilhões (R$ 140 bilhões, pela cotação atual) até o momento. Uma das exigências da administração Donald Trump foi que as empresas mantivessem a maior parte dos destinos para os quais voavam antes da pandemia.

Na Europa, companhias também negociam pacotes de socorro com os governos. Segundo Tom Maes, diretor da Lufthansa para a América do Sul, a companhia chegou a reduzir a oferta de voos a 5% no fim de março. Atualmente, com a redução da curva epidêmica no continente, começa a reativar parte de sua malha.

Maes diz que a empresa negocia um aporte conjunto com governos da Alemanha e da Suíça de aproximadamente US$ 9 bilhões (cerca de R$ 51 bilhões). Entre as contrapartidas em negociação, está a participação acionária na empresa, por exemplo.

André Castellini, sócio da consultoria Bain & Company, por outro lado, vê sentido em que o volume de recursos seja menor do que o prejuízo das companhias aéreas brasileiras, ao menos neste momento, o que evita correria de credores em busca dos recursos.


O que o governo oferece

Setor aéreo

Valor: R$ 2 bilhões
Proposta: oferta, em parceria com sindicato de bancos, de instrumentos de mercado, como empréstimo e títulos lastreados em ações
Resultado: BNDES diz que Gol, Latam e Azul aceitaram o pacote, que ficou abaixo do que as empresas pediam

Setor de energia

Valor: entre R$ 12 bilhões e R$ 15 bilhões, segundo o mercado
Proposta: empréstimo com sindicato de bancos para garantir liquidez de curto prazo
Resultado: empresas questionam exigências para obter os recurso


“Com o caixa reduzido, o recurso será usado para o mais essencial, para manter a operação. É melhor liberar o dinheiro a conta-gotas para evitar gastança”, afirma ele.

O BNDES ainda não divulgou os termos em negociação com o setor automotivo, que praticamente zerou a produção em abril.

Sabe-se, porém, que os instrumentos serão semelhantes aos do setor aéreo, mas com exigências de que as matrizes no exterior participem do esforço —seja oferecendo garantias, seja buscando recursos.

Na sexta (15), porém, o presidente do banco estatal, Gustavo Montezano, disse que as empresas já haviam recebido comunicação em conjunto com a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) e as negociações com as empresas que aceitaram os termos estavam em curso.

Em entrevista na semana passada, o diretor-executivo da Mercedes-Benz no Brasil disse, porém, que a discussão com os bancos privados e o BNDES “não está fácil”. Ele citou a taxa de juros proposta pelos bancos privados como um dos entraves para um acordo.

Para o vice-presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro, Hélio Ferraz, o governo deveria usar fundos públicos e dar mais garantias do Tesouro em créditos a empresas.

“Há fundos públicos que poderiam ser usados para alavancar financiamento com garantia do Tesouro. Se depender só do sistema de crédito, não vai responder a essa necessidade [de liquidez das empresas]. Nas empresas menores, com menor estrutura de capital, o risco deveria ser assumido pelo Tesouro”, diz.

Ele defende, ainda, um financiamento de longo prazo para quitação de impostos. “Teria um efeito de retorno ao setor público.”

Castellani pondera, no entanto, que planos de socorro com participação do mercado, como defende o Ministério da Economia, socializam apenas parte dos prejuízos com o contribuinte. “É importante para o país que o setor aéreo não desmonte, mas é importante também que quem investiu com risco pague o fato de que as coisas não deram totalmente certo”, diz.

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