Comportamento pouco usual antes da pandemia, pequenas e grandes varejistas agora oferecem frete grátis nas compras online, uma tentativa de enfrentar a acirrada concorrência pelos parcos clientes com renda e ainda dispostos a comprar produtos não essenciais na crise.
A taxa de entrega mais barata ou isenta cresceu mesmo em mercados estabelecidos, formados pela classe média que já comprava pela internet e naturalmente migrou para o ecommerce durante o isolamento social. O frete grátis era a norma do comércio online quando ele engatinhava, e lojistas tentavam estimular um novo hábito.
O esforço para atrair consumidores desde março, porém, pouco influenciou no faturamento geral do setor, que já vinha em escalada de crescimento e apresenta números altos durante a pandemia de coronavírus, de acordo com consultorias que monitoram o setor. E o varejo caiu em março, segundo dados do IBGE, apesar do aumento das vendas online.
Empresas como Casas Bahia, Dafiti, lojas de marketplace da B2W, e Magazine Luiza intensificaram o benefício a várias regiões do país desde o início da pandemia.
A ViaVarejo, dona de Casas Bahia, Extra.com e Pontofrio, ampliou a oferta de frete grátis nas regiões Sul e Sudeste, definidas pela alta demanda.
“Temos um grupo grande de clientes nessas regiões, cruzamos com os itens mais vendidos e antecipamos essa demanda; com isso, temos um prazo de entrega ao cliente final reduzido e um valor de frete mais baixo”, diz Fernando Gasparini, diretor de logística da companhia.
A regionalização dos estoques auxiliou em investimentos nas campanhas com fretes grátis sem comprometer os resultados da empresa durante a pandemia, de acordo com o diretor.
Além da procura natural por itens de limpeza, que antes eram adquiridos em grande parte nos supermercados, itens de alto valor agregado, como TVs, notebooks e produtos de ginástica também registraram aumento de demanda na varejista.
O Magazine Luiza zerou o frete a produtos de mercado e saúde em qualquer valor em todas as cidades durante o período de isolamento. Também subsidiou o frete aos vendedores de suas plataformas, movimento que já vinha implementando desde 2019, após a chegada da Amazon Prime, assinatura da Amazon que inclui frete, no Brasil.
“Para conseguirmos entregar sem ferir a operação com custo alto, foram vitais nossas lojas físicas. Avançamos ferozmente em nosso projeto de "ship from store" [loja usada como centro de distribuição para produtos comprados online] e conseguimos acelerar semanas de desenvolvimento em dias”, afirma Felipe Cohen, diretor de operações do ecommerce do Magalu.
Lojas de roupas como Khelf, TNG e Básico.com, que tinham no ponto físico parte essencial de renda, estão usando o benefício para driblar o impacto de estabelecimentos ou shoppings fechados.
“As marcas estão precisando se esforçar ao máximo para captar clientes para o online nesse período”, diz Fernando Abilio, sócio-diretor da Khelf, que tem cerca de 36 lojas em São Paulo, sendo apenas uma fora de shopping.
No caso da empresa, o frete é gratuito se o cliente utilizar o código do vendedor —outra tendência durante a quarentena, vendedores que buscam ativamente sua lista de clientes para lançar ofertas diretas.
Apesar da alta na procura geral pelo ecommerce, vendedores de itens considerados não essenciais, como roupas, lazer e eletrônicos, adotaram, além do subsídio de frete, descontos promocionais como alavancas de demanda para sobreviver à pandemia.
“Esse movimento foi visto principalmente nas primeiras semanas. Depois, o prazo de entrega se tornou um fator de importância, porque a procura aumentou muito e varejistas não estavam preparados ao desafio logístico desse incremento nos pedidos”, diz Roberto Butragueño, diretor de atendimento ao varejo e ecommerce da Ebit| Nielsen.
Nas últimas semanas de março, segundo ele, o prazo médio de entrega do comércio eletrônico era de 21 dias —o que não se aplica a marcas com programas já consolidados de prazo, como a Amazon. Hoje, o intervalo baixou para 16 dias. “Virou um fator de competição que pode fazer o cliente optar entre uma de duas lojas”, diz Butragueño.
Segundo a Nielsen, 41% dos pedidos despachados tinham frete grátis na primeira semana de abril, alta ante os 38% registrados no fim de janeiro.
“Existe aumento, mas como os produtos de alto giro e baixo ticket médio cresceram muito, o frete não importou tanto [na conta final do ecommerce]”, afirma o analista.
Dados da Compre&Confie, que monitora transações online de grande parte do mercado, mostram que a média de preço de frete caiu 6,2% na comparação entre fevereiro e março de 2020 e o mesmo período do ano passado.
“A tendência seria aumentar mais o frete grátis, mas muitas lojas entenderam que não faz sentido baixar porque os clientes chegam por necessidade, inclusive novos consumidores, quase obrigados a comprar online diante da impossibilidade de sair de casa”, diz André Dias, diretor-executivo do Compre&Confie.
Um forte impulso para a alta do faturamento do varejo eletrônico está nos consumidores de primeira viagem, que nunca haviam adquirido alimentação pela internet, por exemplo. Nas primeiras semanas de pandemia, 40% dos compradores do setor alimentício estavam fazendo uma compra online pela primeira vez.
O faturamento do ecommerce cresceu 35,8% na comparação entre março de 2020 e de 2019, segundo a Nielsen.
Na mesma comparação, o varejo brasileiro caiu 1,2%, de acordo com dados do IBGE divulgados nesta quarta (13). Na comparação com fevereiro, o comércio caiu 2,5% em março, marcando o pior desempenho desde março de 2003. Só houve crescimento nas vendas de supermercados e farmácias.
Na comparação entre o período pré-confinamento (do início de fevereiro a meados de março) e o pós (contabilizado até 27 de abril), a alta do ecommerce foi de 48,3%, atingindo R$ 8,4 bilhões em faturamento.
O número de pedidos foi mais importante que o ticket médio para tal aumento no online. Ainda segundo a Nielsen, as categorias de consumo de maior destaque durante a Covid-19 são eletrônicos, decoração, informática e bens de consumo de alto giro, que incluem alimentação e farmácia.
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