Descrição de chapéu Financial Times

Analistas veem risco de 'juízo final' no mercado de títulos públicos de emergentes

Compra de papéis por bancos centrais de países em desenvolvimento na pandemia pode levar à inflação e fuga da capital

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Colby Smith
Nova York | Financial Times

A pandemia do coronavírus –e o período de turbilhão financeiro ligado a ela– será lembrada por muito tempo pelas reações políticas sem precedentes que provocou em bancos centrais no mundo todo.

​Nos Estados Unidos, investidores caracterizaram os atos do Fed (Federal Reserve, o banco central dos EUA) como "choque e espanto", não tanto por sua promessa histórica de comprar uma quantidade ilimitada de dívida pública, como por sua decisão de apoiar até os mais arriscados títulos corporativos. Os elaboradores de políticas europeus também expandiram o âmbito e a escala de suas medidas de emergência, e no processo redefiniram como serão enfrentadas as futuras crises.

O mesmo vale para os mercados emergentes. Pela primeira vez, aproximadamente uma dúzia de bancos centrais do mundo em desenvolvimento escutaram a dica de seus pares nas economias avançadas e começaram a comprar títulos do governo e outros ativos como parte de suas próprias versões afrouxamento monetário quantitativa (QE, na sigla em inglês).

Os investidores em dívidas de mercados emergentes até agora adotaram o experimento, mas muitos advertem sobre consequências potencialmente negativas se certos países levarem a medida longe demais.

"Estamos em uma nova era de políticas públicas nos mercados emergentes", disse Pramol Dhawan, chefe da equipe de gestão da carteira de mercados emergentes no grupo de investimentos Pimco, baseado em Newport Beach.

"De muitas maneiras, os mercado emergentes estão convergindo para os mercados desenvolvidos em seu novo kit de ferramentas de políticas extraordinárias... [mas] eles nunca estão muito longe de descer uma ladeira escorregadia."

O uso mais geral de políticas semelhantes à QE por países de mercados emergentes representa uma clara divergência das crises anteriores. Em plena crise financeira global há mais de uma década, apenas dois bancos centrais de países emergentes realizaram compras de ativos: o Banco da Coreia comprou títulos corporativos e papéis comerciais enquanto o banco de Israel adquiriu títulos do governo.

Tanto a Coreia do Sul como Israel reiniciaram a compra de títulos em reação à pandemia global, mas depois foram seguidos por uma série de países, como Polônia, Hungria, Malásia, Filipinas e Indonésia. A Turquia e a África do Sul estão entre os países mais arriscados que também os seguiram.

Os programas variam de muitas maneiras do que foi implementado pelo Federal Reserve americano ou o Banco Central Europeu. As aquisições são muito menores, os esquemas muitas vezes não têm uma meta específica de valor e as taxas de juros em muitos países participantes ainda não estão em zero. Os objetivos também diferem. Nos mercados desenvolvidos, a meta foi geralmente facilitar as condições monetárias e estimular a economia. Nos países de mercados emergentes, o foco é mais para a proteção dos mercados de títulos domésticos.

"Nesta fase não vemos motivo para preocupação, dada a natureza limitada desses programas", disse Shamaila Khan, chefe de estratégias de dívida de mercados emergentes na AllianceBernstein. Mas se países com classificação menor e desequilíbrios financeiros mais pronunciados, como grandes dívidas fiscais ou instituições menos robustas, reforçarem suas compras ela disse que seria mais perturbador.

"Será muito difícil para alguns países emergentes conseguirem isso", ela advertiu. "Não adianta usar uma ferramenta para manter a estabilidade financeira se ela põe em risco a estabilidade financeira."

Segundo Padhraic Garvey, diretor global de dívidas e estratégias de classificação na ING, a maioria das compras de dívidas por mercados emergentes até hoje representa apenas 1% a 2% ou menos do PIB dos países participantes. As aquisições da Polônia são as mais altas, em 4,3%.

"Se chegasse a 5% ou 10% do PIB [de países como África do Sul, Indonésia ou Turquia], então você estaria entrando no reino da zona de perigo", disse ele, advertindo que haveria potencial para uma depreciação monetária considerável.

Os investidores estão menos temerosos sobre uma alta de inflação resultante de uma moeda mais fraca, diante do grave colapso de demanda que ocorreu durante o surto do coronavírus. Mas há preocupações maiores sobre quão rapidamente as coisas podem se desenrolar para países emergentes especialmente vulneráveis que têm grandes dívidas denominadas em moedas estrangeiras e cujos deficits deverão inflar com as respostas à Covid-19.

"Existe um risco de que, em um ponto de virada desconhecido, uma combinação de temores de indisciplina às políticas, inflação e fuga de capitais dominarão", comentaram analistas do JPMorgan. Eles acrescentaram que controles do fluxo de capital poderão ser "um possível resultado final".

Países com bancos centrais de credibilidade e independentes como o do Chile e os da Europa oriental estarão melhor posicionados para lidar com essas pressões, disse Sergi Lanau, vice-economista-chefe do Instituto de Finanças Internacionais, pois há menos temor entre os investidores de que os próprios bancos centrais permitam gastos públicos excessivos e insustentáveis.

Drausio Giacomelli, diretor de pesquisa de mercados emergentes no Deutsche Bank em Nova York, disse que é cedo demais para avaliar plenamente os riscos em longo prazo, já que a crise ainda está se desenrolando e os bancos centrais continuam refinando seus programas semelhantes de afrouxamento monetário.

"O dia do juízo final não é agora, quando a demanda desmoronou. Será quando as coisas normalizarem", disse ele. "Os bancos centrais estarão dispostos a endurecer a política monetária ou parar de comprar ativos?"

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.