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Coronavírus, o debate econômico

Dívida bruta ou dívida líquida: qual delas melhor reflete a situação fiscal?

Nas últimas semanas, a discussão entre qual é a dívida mais apropriada voltou novamente à baila

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Alexandre Manoel Angelo da Silva

É economista, ex-secretário de Acompanhamento Fiscal e de Avaliação de Políticas Públicas dos Ministérios da Fazenda e da Economia

O economista Affonso Celso Pastore argumentou ser mais apropriado usar a dívida líquida que a bruta para analisar a situação fiscal brasileira, ao considerar a correlação positiva entre a variação das reservas cambiais e a dívida bruta, em sua coluna no domingo (7) para o Estadão.

O ex-presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, quando foi diretor de Polítca Econômica na instituição em 2002, já havia apoiado essa sugestão para a avaliação de solvência, argumentando que os ativos patrimoniais do setor público eram “líquidos” e poderiam, portanto, fazer frente a exigências de pagamento.

Neste artigo, argumenta-se que, apesar de tecnicamente consistentes, tais sugestões não são prudencialmente adequadas para a realidade fiscal nacional.

A simplicidade é uma característica dos bons indicadores de monitoramento fiscal, conforme literatura de regras fiscais. O FMI (Fundo Monetário Internacional) historicamente sugeriu a dívida bruta como indicador de ajuste fiscal, por ser um indicador amplo, com baixa margem de discricionariedade em relação ao que deve e não deve fazer parte de sua composição e de mais fácil entendimento para a comunicação.

Talvez, a maior dificuldade para o gestor público seja fazer o que é simples, certo e universalmente já testado. Embora atalhos muitas vezes levem a consequências desastrosas, são costumeiramente sugeridos para a política fiscal doméstica. No final do anos 90, a dívida líquida foi consagrada (junto ao FMI) para o acompanhamento da situação fiscal brasileira.

Os atalhos escolhidos no final da década de 90 tiveram consequências conhecidas, a partir da execução de políticas públicas mal desenhadas, geradoras de simultâneos ativos e passivos, que por isso não chamavam atenção em termos de solvência fiscal, uma vez que o indicador monitorado era a dívida líquida. Há vários exemplos de políticas que geraram o descolamento das trajetórias entre as duas medidas de dívida, como a desordenada expansão dos restos a pagar, dos créditos concedidos ao BNDES e ao FIES.

Após um longo período de aprendizado, por volta de 2012, analistas de mercado já não mais acreditavam na fidedignidade da dívida líquida como balizador da solvência fiscal do governo, devido ao excesso de criatividade contábil e aos repasses do Tesouro Nacional aos bancos públicos. A dívida bruta passou a ser novamente o padrão.

Nas últimas semanas, a discussão entre qual é a dívida mais apropriada voltou novamente à baila. Desta vez, argumenta-se que a dívida líquida deve subtrair da bruta apenas as reservas, tornando-se um indicador mais apropriado para refletir a verdadeira situação fiscal do país. Deveriam exisir dúvidas em relação a essa afirmação, principalmente pelo fato que não é a totalidade das reservas que pode ser imediatamente desfeita para fazer face ao pagamento das obrigações governamentais, pois há um valor mínimo –o nível ótimo de reservas– aceitável para que o país não flerte com crise externa.

Enfim, ainda que seja tecnicamente razoável, recomenda-se não substituir um indicador pelo outro, e sim usar os dois simultaneamente, de maneira complementar, no intuito de ao menos não existir discordância com o princípio contábil da prudência. Este ensina que, em caso de alternativas válidas, exige-se impor a que resulte em maior valor de passivo para a apropriada quantificação das mutações patrimoniais do setor público.

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