Economistas veem Brasil em depressão econômica e projetam recuperação lenta

Abril registrou recuo recorde em indicadores econômicos e levou país ao fundo do poço

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Rio de Janeiro

O volume de serviços teve recuo recorde para um mês de abril. As vendas do comércio registraram o pior desempenho da história. A indústria recuou como nunca antes. E quase 5 milhões de postos de trabalho foram perdidos. Segundo economistas, o Brasil já pode se considerar mergulhado em uma depressão econômica. E deve demorar a se recuperar.

No “Dicionário de Economia do Século 21”, Paulo Sandroni define depressão como uma fase do ciclo econômico em que a produção entra em declínio acentuado, gerando queda nos lucros, perda do poder aquisitivo da população e desemprego.

Esses indicadores são mostrados nas divulgações feitas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) sobre o desempenho da economia em abril, o primeiro mês a sentir por completo os efeitos do distanciamento social causados pela pandemia da Covid-19, que causou impactos econômicos desastrosos.

"Chegamos no fundo do poço", apontou Otto Nogami, economista do Insper. "Isso é sem precedentes na história do Brasil. Nem em 2008 ou 2014, nem nas crises da década de 70 ou 80 tivemos nada similar em termos de redução do nível de atividade econômica. Só temos parâmetros equivalentes na depressão da década de 30", apontou Luiz Carlos Prado, professor do instituto de economia da UFRJ.

Nesta quarta (17), o IBGE divulgou que o setor de serviços recuou 11,7% na comparação com o mês anterior, registrando a pior desde o início da série histórica, em 2011.

Antes, o instituto já havia mostrado que os efeitos do distanciamento social ainda derrubaram a indústria, que teve queda de 18,8%, e o comércio, com recuo de 16,8%, ambos os piores números já registrados. Esse desempenho refletiu no mercado de trabalho e contribuiu para que um recorde 4,9 milhões de postos de emprego fossem perdidos no trimestre encerrado em abril.

Outro indicador que aponta como a economia vem mal é a deflação do país, segundo Luiz Carlos Prado. Em maio, a menor pressão dos preços dos alimentos e forte recuo nos combustíveis fez o índice recuar 0,38%, o resultado mais baixo para o mês desde que a inflação começou a ser calculada, em 1980. Em abril, o índice já foi de deflação de 0,31%, nível só visto em 1998.

"A queda nos preços leva à quebra de empresas e é sinal de situação econômica muito difícil. Uma situação como essa abre espaço para gastos públicos. Nessa hora, o governo tem margem para operar e fazer política para segurar pequenas e médias empresas, vulneráveis nesse momento", disse Prado.

Otto Nogami acrescenta que tudo vai depender de como o governo vai conduzir o processo de recuperação da atividade econômica. "Na medida que demora na elaboração de um mecanismo para ajudar o pequeno, o microempresário, quanto mais ele demorar para implementar isso, maior será o dano estrutural em cima da economia", analisou o economista.

Luana Miranda, pesquisadora FGV Ibre, tem uma visão pessimista sobre a recuperação econômica do Brasil e prevê que ela retomará o patamar pré-pandemia no segundo semestre de 2022.

"Vamos demorar bastante tempo para superar, pela situação crítica das nossas contas fiscais, que gera incerteza e trava investimento. Também teremos desemprego muito alto. Já era antes [da pandemia], com muita informalidade, mas vai crescer ainda mais e prejudicar a retomada via consumo das famílias", analisou Luana.

De acordo com a pesquisadora, os serviços prestados às famílias corresponde a 24% do PIB (Produto Interno Bruto) do país. E o desempenho do setor já registra perda acumulada de 61,6% durante a pandemia. O recuo é visto principalmente no ramo de alojamentos e alimentação, que chega a 64,4% de retração.

Cristiano Melles, presidente da ANR (Associação Nacional de Restaurantes), aponta ainda que a situação piorou depois de abril. A estimativa é que 22% dos estabelecimentos, o que representam cerca de 200 mil locais, não devem reabrir as portas, podendo chegar a 80%. E aproximadamente 1 milhão de empregos já foram perdidos.

"O fundo do poço cada dia fica mais fundo. O fluxo de caixa vai acabando, você vai ficando sem acesso a crédito, aquele pequeno fluxo de caixa que eventualmente colocou em abril acabou em maio e só vai piorando. Cada vez mais operações estão sendo fechadas", lamentou Melles.

O setor vem sendo deixado por último nas flexibilizações das medidas de distanciamento social, o que vem contribuindo para que mais estabelecimentos fiquem endividados. "Por que dar prioridade a concessionárias e não aos restaurantes, que são feitos em sua grande maioria de micro e pequenos empresários que dependem daquilo para viver?", questionou.

Para o economista Luiz Carlos Prado, o governo deve promover políticas de crédito e garantias aos restaurantes, bares e outros serviços para ajudá-los a manter os trabalhadores e impedir uma desarticulação ainda mais profunda no setor.

"Qualquer política que segure essas atividades vai permitir uma retomada mais rápida. Nessas horas, gasto público não tem que ser problema. Os preços estão caindo e existe espaço para o governo fazer política do tipo. Dados assustadores como esses exigem ações mais ativas por parte do setor público. Não há preocupação de que teria risco de endividamento, nessa hora não existe isso", apontou Prado.

Outro ramo que vem em queda livre na pandemia é o do transporte aéreo. Segundo o IBGE, a perda acumulada da pandemia é de 80,9%. O presidente da Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas), Eduardo Sanovicz, diz que abril foi o pior mês da história da aviação.

"Tivemos uma redução das malhas aéreas, caindo de 2,6 mil voos diários para apenas 180", apontou. A expectativa, porém, é que uma lenta recuperação vá acontecendo nos meses seguintes. Em maio, já foram realizados em média 262 voos diários, além de 353 em junho e uma previsão acima de 500 em julho.

A queda no transporte aéreo é acompanhada por recuo de 68,1% do setor turístico no país durante a pandemia, em ramo que representava até fevereiro 13% do volume de serviços do Brasil.

A CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo) divulgou estudo que aponta que o setor perdeu cerca de R$ 90 bilhões e pode reduzir 727,8 mil postos de trabalho formais desde o começo da pandemia, em março. Segundo o Ministério do Turismo, os hotéis atingiram os seus menores índices de ocupação e as agências de viagens têm recebido mais de 50% dos cancelamentos de pacotes turísticos.

A Abav (Associação Brasileira das Agências de Viagens) aponta perdas entre 90% e 95% do faturamento na comparação com o mesmo período do ano anterior. De acordo com a organização, até que se tenha uma sinalização com relação ao término das medidas de isolamento social, as projeções sobre como e quando o turismo terá a sua retomada são menos precisas, mas a expectativa é que isso aconteça a partir do segundo semestre.

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