Descrição de chapéu Financial Times

Ex-diretor de fundo desenvolve remédio azarão para coronavírus

Wayne Holman e sua mulher, Wendy, apostam que podem mudar o rumo da pandemia

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Financial Times

Uma droga experimental que está sendo desenvolvida por uma pequena empresa de biotecnologia oferece um vislumbre de esperança em um momento de crise: uma pílula tomada duas vezes por dia poderá ser prescrita para uma pessoa assim que ela der positivo no teste de coronavírus, atacando a doença antes que ela se agrave.

Como todos os medicamentos em estágio inicial, tem pouca credibilidade. Menos de 10% dos remédios que passam na fase 1 dos testes com humanos acabam chegando ao mercado.

No entanto, se o medicamento, de codinome EIDD-2801, afinal funcionar, será uma grande conquista para Wayne e Wendy Holman, o casal por trás da empresa Ridgeback Biotherapeutics, sediada em Miami. Também será um acontecimento notável para o doutor Holman, que ganhou destaque em 2014 durante o escândalo de corretagem na SAC Capital.

"Uma coisa que eu sempre digo às pessoas envolvidas é: 'Se falharmos, ninguém lembrará do que fizemos aqui'", disse ele em uma entrevista. "Se tivermos êxito, todos se lembrarão."

O doutor Holman, que trabalhou numa divisão da SAC Capital, o fundo hedge hoje extinto de Steve Cohen, entre 2003 e 2006, nunca foi acusado de desvios. Ele foi arrastado para o escândalo por Mathew Martoma, outro ex-funcionário da firma, que está cumprindo pena de nove anos de prisão por fraude e conspiração em ações.

Martoma alegou, sem sucesso, que os negócios no centro do caso do governo foram feitos com base em conselhos de perito do doutor Holman, e não de informações internas. Holman já tinha deixado a divisão da SAC na época dos negócios em questão, mas continuou assessorando o fundo sobre seus ativos no setor de saúde.

O escândalo da SAC Capital acabaria se desenvolvendo em um dos maiores casos de corretagem com informações privilegiadas da história. Em 2013, o fundo hedge se declarou culpado das acusações, pagou uma multa recorde de US$ 1,8 bilhão e teve de devolver dinheiro de investidores estrangeiros. Em 2016, Cohen foi proibido de administrar dinheiro estrangeiro durante dois anos.

O doutor Holman deixou a empresa de Cohen em 2006 para montar seu próprio fundo de investimentos, o Ridgeback Capital, que lista a residência de US$ 28 milhões do casal, em Miami, como endereço nos documentos do mercado de capitais.

Em 2014, Wendy Holman, uma ex-gerente de investimentos, formou a Ridgeback Biotherapeutics com o doutor Holman como cofundador e assessor científico. A companhia já desenvolveu uma droga para o ebola, que aguarda aprovação regulatória.

Em janeiro, quando o surto do coronavírus estava incipiente, os Holman localizaram um medicamento que outros na indústria de biotecnologia não haviam notado. Descoberto por pesquisadores da Universidade Emory em Atlanta, o EIDD-2801 fora projetado como droga para raros vírus encefálicos, mas também demonstrou promessas no ataque a coronavírus como o sars e o mers.

Wendy conheceu o pessoal [da Emory] antes que qualquer pessoa soubesse algo sobre o coronavírus", disse Holman. "A Ridgeback foi a única que entendia essa droga e que imediatamente se mostrou disposta, capaz e pronta para fazer o trabalho."

Em 23 de março, a Ridgeback anunciou que tinha licenciado a droga da Emory e concordou em realizar os necessários testes clínicos. No início de abril, uma revista científica publicou um estudo mostrando que o remédio era capaz de prejudicar a capacidade do vírus de se multiplicar em células de pulmão humanas em tubos de ensaio, enquanto também impedia a replicação de outros coronavírus em ratos.

Cientistas do laboratório farmacêutico Merck, o maior dos Estados Unidos, ficaram impressionados com o estudo animal e contataram a Emory para adquirir os direitos da droga, mas descobriram que tinham sido superados pela Ridgeback.

Naquela altura, os Holman já tinham estudado o medicamento em testes da fase 1, que tentam determinar se uma droga é segura para consumo humano.

Em 2 de maio, a Merck anunciou um acordo de colaboração com a Ridgeback. Os termos do acordo, que está pendente de autorização regulatória, não foram revelados.

A Merck estava interessada no EIDD-2801 porque é um comprimido, enquanto outras drogas antivirais para covid-19, como o remdesivir da Gilead Sciences, são administradas por infusão intravenosa.

Ampolas do medicamento remdesivir, antiviral fabricado pelo laboratório americano Gilead - Ulrich Perrey/Reuters

Teoricamente, isso significa que o EIDD-2801 pode ser dado a pacientes assim que eles dão positivo no teste e antes que cheguem doentes ao hospital. Não só isso mudaria o rumo da pandemia que já matou quase meio milhão de pessoas, como significaria um mercado muito maior para a droga.

A rápida cadeia de acordos levou a acusações de que os Holman estavam "manipulando" a droga na tentativa de fazer lucros rápidos. O doutor Holman repudiou a acusação, indicando que o casal usou sua própria fortuna pessoal para financiar os testes clínicos até agora. Além do teste da fase 1, eles começaram a recrutar pacientes para dois testes da fase 2: um para pacientes hospitalizados e outro para pacientes ambulatoriais que deram positivo no teste do vírus.

"Todo o dinheiro que usamos para desenvolver o 2801 veio de Wendy e de mim --financiamos pessoalmente cada centavo", disse ele. "Não quisemos perder tempo levantando dinheiro [de investidores externos] e muito poucos estavam interessados na época."

No entanto, quando a Merck manifestou interesse, a Ridgeback logo se dispôs a fazer negócio. Parte do motivo foi que o doutor Holman já conhecia o principal cientista da Merck, Roger Perlmutter, um dos mais antigos chefes de pesquisa e desenvolvimento no setor.

"Não estávamos querendo sociedade com ninguém, mas quando tivemos mais atenção pública as pessoas nos procuraram", disse ele. "Se o Roger quer ajudar a desenvolver uma droga [para a covid-19] que poderá salvar vidas, você fala com o Roger."

Holman disse que o envolvimento da Merck significa que a droga acabará custando menos, se tiverem sucesso. "A Merck tem uma capacidade industrial substancial para fazer isto em grande escala pelo menor custo possível", disse ele. "Se der certo, haverá uma enorme necessidade global."

A Ridgeback disse que pretendia fabricar 4,5 milhões de doses até o outono para garantir um suprimento suficiente se os testes derem resultados positivos.

Até pelos padrões da indústria de biotecnologia dos EUA, que demonstrou uma capacidade de desenvolver drogas em velocidade vertiginosa, a Ridgeback conseguiu muito em um curto espaço de tempo. Em 20 dias após licenciar a droga da Emory, ela iniciou os testes da fase 1, e os da fase 2 começaram dois meses depois.

Os Holman trabalharam duro --16 horas por dia, segundo o doutor Holman--, mas também tiveram sorte. Conseguiram rapidamente garantir uma instalação clínica no Reino Unido para o estudo da fase 1, porque lá havia capacidade excedente devido à pandemia do coronavírus, que causou o adiamento de muitos testes.

A droga da Ridgeback é um análogo de nucleosídeo que engana os vírus a usar os blocos de construção errados, levando a uma série de mutações que fazem o vírus formar uma cadeia fraca.

Alguns cientistas levantaram preocupações sobre a segurança da droga, que pode causar mutações em bactérias. Embora isso não signifique necessariamente que fará o mesmo em humanos, algumas drogas mutagênicas podem aumentar a probabilidade de alguém desenvolver câncer.

A Ridgeback e a Merck dizem que há menos risco disso com o EIDD-2801, porque ele deve ser dado aos pacientes por um curto período de tempo --apenas cinco dias--, mas a Merck terá de realizar estudos de carcinogenicidade para satisfazer os reguladores médicos.

Rick Bright, o ex-cientista do governo que se tornou denunciante, disse anteriormente que enfrentou pressão política para dar verbas do governo aos Holman, mas resistiu porque tinha temores sobre a segurança da droga.

A advogada do doutor Bright, Lisa Banks, disse ao Financial Times que ele sofreu "pressão significativa para se desviar de processos de revisão científicos e contratuais". Mas ela também acrescentou que as opiniões dele sobre os perigos potenciais do EIDD-2801 evoluíram depois do sucesso do teste da fase 1.
"Ele está animado ao ver que a droga agora foi avaliada em estudos clínicos com humanos e que a Merck achou que os dados sustentam novos desenvolvimentos da droga", afirmou ela.

Há pouca dúvida de que se o EIDD-2801 tiver sucesso se tornará um medicamento campeão de vendas, com a capacidade de desacelerar a marcha do coronavírus e potencialmente futuras epidemias.

Em uma nota recente, analistas do Morgan Stanley disseram que investidores "subapreciam" a droga, acrescentando: "[Ela] tem potencial de grandes vendas se tiver sucesso. Os pacientes de covid-19 poderão tomar [o comprimido] depois do diagnóstico inicial para reduzir a gravidade e o risco da doença".

No entanto, as leis brutais do desenvolvimento de drogas aumentam as apostas contra o EIDD-2801, e até o doutor Holman admite as dificuldades que a Ridgeback e a Merck enfrentam.

"Passamos pela parte mais arriscada e... com dados que foram melhores do que esperávamos", disse ele. "[Mas] sabemos muito pouco [sobre a covid-19], por isso é muito difícil projetar e conduzir testes clínicos. Essa é a parte mais difícil."

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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