Moradores da periferia de SP não conseguem pagar contas e pôr comida na mesa com auxílio de R$ 600

Maioria depende de ajuda de amigos e espera prorrogação do benefício enquanto não puder voltar ao trabalho

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Ana Beatriz Felicio Lucas Veloso
São Paulo | Agência Mural

Os R$ 600 do auxílio emergencial pagam apenas o aluguel na casa do autônomo Diogo Carmona, 45, que mora em Guaianases, no extremo leste da capital paulista. Ao lado da família, ele vendia trufas de chocolate, mas desde o início da pandemia do novo coronavírus, as encomendas diminuíram 90%.

“Moro com quatro pessoas e pago aluguel de R$ 600”, diz. “Ainda tem a conta de luz e de água, fora a comida.”

Nas últimas semanas, o governo sinalizou que pode estender o prazo de concessão do auxílio emergencial para além dos três meses inicialmente previstos. O próprio presidente Jair Bolsonaro disse a prorrogação é quase certa. O valor, no entanto, poderá ser menor. Há técnicos ventilando a possibilidade de que o valor caia para R$ 300.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, por sua vez, quer retomar sua proposta inicial de pagar R$ 200 e afirmou que se os R$ 600 forem mantidos, as pessoas não sairiam mais de casa porque "a vida está boa". “Ninguém sai de casa, e o isolamento vai ser de oito anos porque a vida está boa, está tudo tranquilo”, disse Guedes.

Na família Carmona, não está tudo tranquilo: além da perda de renda, Diogo, a mãe e o irmão tiveram a Covid-19. Internados em um dos hospitais de campanha da cidade, ele e a mãe se recuperaram, mas o irmão acabou vítima da doença.

A internação deixou a situação financeira da família ainda mais delicada e ele precisou pedir ajuda a amigos. “Não é fácil não ter o que comer e ter que correr para os amigos, pedindo uma cesta básica para não passar fome.”

Para garantir a sobrevivência da família, ele calcula que o valor ideal do benefício deveria ser de R$ 1.045, o equivalente a um salário mínimo.

Ao lado dele, diversas famílias de Guaianases também precisam do auxílio para passar pela fase mais delicada da pandemia. O distrito ocupa o terceiro pior índice de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) na cidade de São Paulo, que apura a qualidade de vida, a renda e a escolarização.

A costureira Marlene dos Santos, 52, também discorda de que a vida está tranquila, apesar de ter recebido o valor do auxílio emergencial. Ela mora com o filho no Jardim das Orquídeas, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo.

“Logo que começou, não tive mais como trabalhar. Ninguém tinha como vir aqui, não podia mais fazer roupas”, acrescenta.

Nas primeiras semanas, ela conseguiu algumas encomendas de máscaras, mas depois ficou sem dinheiro até para comprar o material para produzi-las.

A costureira diz que sua salvação é que não paga o aluguel. “Estou me equilibrando só com o básico do básico. Não é suficiente. Imagina você passar um mês com R$ 1.200 tendo um filho adolescente?”, questiona. “Não é suficiente.”

Apenas com água, luz e internet —que virou uma despesa essencial no isolamento e com as aulas online—, Marlene diz gastar mais de R$ 300. Ela também diz que vem contando com o auxílio de amigos. “Temos esses gastos, mais a compra no mercado. A gente vai apertando. Algum amigo ajuda também e vamos levando”.

Em Carapicuíba, também na Grande São Paulo, a diarista e cabeleira Alenice Maria Tigre, 40, afirma que o auxílio apenas ajuda e, todo mês, R$ 500 são gastos no supermercado.

“O dinheiro até dá, mas só o básico”, relata. “Esse valor já ajuda. O bom seria se esse dinheiro continuasse pelo menos até passar esse vírus.”

Ela, o marido e o filho de três anos dependem do dinheiro que chega do governo. Mas a conta fica mais difícil de fechar com os gastos no supermercado subindo.

De acordo com pesquisa do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) em abril, o custo da cesta básica na capital, que é a mais cara do Brasil, teve um aumento de 7,8% em relação a março, para R$ 556,25.

Os R$ 600 pagos pelo governo correspondem à metade da renda do trabalhador informal brasileiro antes da crise, segundo o economista Juan Pereira.

“No ano passado, a média de um informal estava entre R$ 1.200 e R$ 1.300. Portanto, a gente fala de menos da metade de um rendimento médio”, pontua. “Quem tem a vida tranquila quando se ganha menos do que se ganhava meses atrás?”

Morador de Interlagos, zona sul da capital, Juan reforça que a população que depende do auxílio está numa situação complicada. Ele cita o aluguel, alimentação, conta de luz e de água. “Os R$ 600 são melhor que nada, mas o valor está mais próximo do nada, se pensarmos nas condições dignas para que a população viva com segurança em casa.”

Para ele, um dos compromissos do governo no pós-pandemia deveria ser o da garantia de uma renda básica aos informais. “Há pelo menos cinco anos temos mais de 10 milhões de desempregados no país, somado a isso, as pessoas hoje são contratadas como pessoas jurídicas, sem garantia de direitos”, defende.

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