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Flávio Rocha

O direito de contestar

Empresário Flávio Rocha responde à reportagem 'Fisco aponta manobras tributárias de empresários ligados a Bolsonaro' publicada na Folha

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Flávio Rocha

Presidente do conselho de administração do grupo Guararapes

O Brasil, e isso não é segredo para ninguém, é um país com uma das mais complexas e mais injustas cargas tributárias do mundo. Pagamos muito imposto e o emaranhado de leis, regramentos, exceções, códigos, estatutos e ordenações ligadas aos impostos é digno de um romance kafkiano. Essa realidade tem como resultado prático que o Brasil é hoje um portento em termos de litígios na área tributária.

Estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO) de 2019 mostrou a velocidade do aumento do contencioso tributário federal, que cresceu 51% nos últimos cinco anos. Em 2013, o estoque na esfera federal estava avaliado em R$ 2,275 trilhões, o que equivalia a 42,7% do PIB. No ano passado, alcançou R$ 3,440 trilhões, valor correspondente a 50,4% das riquezas geradas pelo País.

Matéria recente publicada nesta Folha (Fisco aponta manobras tributárias de empresários ligados a Bolsonaro, 24 de junho de 2020, pág. A3) no afã de adjetivar empresários por eventuais posicionamentos políticos omite o tamanho do problema e força ao entendimento inclinado.

A Riachuelo, empresa fundada por meu pai há mais de 70 anos, é seguramente hoje uma das empresas que mais paga impostos no país. Somente em 2019 foram cerca de R$ 1 bilhão recolhidos aos cofres públicos nas esferas federal, estadual e municipal. É preciso deixar bem claro para todos que contestação tributária não é sinônimo de evasão fiscal. Fazer a devida contestação sobre temas tributários é algo assegurado a todos os indivíduos e organizações pela normativa brasileira.

Nos orgulhamos de ser uma empresa que gera mais de 40 mil empregos diretos e cerca de 1 milhão de indiretos em todo o país, e fazemos questão de contribuir com o nosso justo quinhão para a construção de um Brasil cada vez melhor. Mas isso não quer dizer que não temos o direito de questionar eventuais erros ou desvios causados pela altíssima complexidade de nosso código tributário, e é essa distinção que a supracitada matéria deixa de fazer.

Os débitos apontados no texto não são fruto de desvios ou camuflagem de lucros, mas sim uma justa contestação de valores cobrados —regiamente pagos— de forma absolutamente indevida pelas autoridades. Esta é a nossa maneira de atuar, sempre por vias legais, que inclusive já nos garantiu um histórico formado por pareceres judiciais favoráveis que somam, em uma década de debate nos tribunais, cerca de R$ 1,2 bilhão que voltaram para a empresa e puderam financiar nosso crescimento e, consequentemente, a geração de mais empregos.

A defesa da necessidade de uma reforma tributária é provavelmente uma das poucas unanimidades que temos neste país. Mas o diabo, como não poderia deixar de ser, mora nos detalhes, e nós ainda não conseguimos chegar a um consenso sobre como deveria ser esta reforma. O fato é que vivemos em uma nação que cobra mais de R$ 1,5 trilhão em impostos de seus cidadãos, e isso já deixou de ser suportável há muitos e muitos anos.

Precisamos simplificar todo o sistema, reduzir a pressão sobre os cidadãos e sobre as empresas grandes, médias, pequenas e micro. Temos de desenvolver um novo código que esteja alinhado com a revolução tecnológica que o mundo atravessa nesse século, e que estimule o empreendedorismo, a criação de novas formas de trabalho e que tenha como objetivo final servir à sociedade como um todo, e não somente ao leviatã estatal que acabamos criando. Enquanto isso não acontecer muitas empresas serão obrigadas a continuar lutando contra as injustiças de um sistema que já se provou ultrapassado há muito tempo.

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