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Paulo Solmucci Jr.

A acertada decisão do Banco Central

Arranjos fechados na indústria de pagamentos custam caro ao varejo, diz executivo

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Paulo Solmucci Jr.

Presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) e Diretor da União Nacional de Entidades do Comércio e Serviços (Unecs).

​A notícia recente de que pagamentos poderiam ser feitos pelo WhatsApp gerou bastante burburinho. Era o “zap”, o aplicativo em que gastamos boas horas do nosso dia, procurando adentrar no sistema financeiro do país em uma parceria com uma maquininha e alguns bancos. Poucos detalhes da iniciativa vieram a público. Na sequência, o Banco Central suspendeu a empreitada, para uma análise mais minuciosa do que ela representaria à competição e à segurança da indústria, e o Cade permanece com investigações. A decisão é acertada: é preciso avaliar as regras antes para garantir que sejam claras e justas.

O Brasil é o segundo país do mundo com mais usuários do “zap”, uma centena de milhões de pessoas. O WhatsApp Pay já começaria grande, ao contrário do que usualmente ocorre. Por isso, o “zap” precisa passar pelo crivo do Banco Central. Embarcar todos esses usuários em uma nova forma de pagamento obviamente pressiona os lojistas a também entrarem na dança. Ora, não é possível se negar a vender para centenas de milhões de pessoas. Sabendo disso, o “zap” poderia se aproveitar, agora ou no futuro, de um enorme poder de mercado. Como é de praxe nessa relação, os lojistas arcariam com as benesses aos usuários: o nível especulado da taxa por transação (por volta de 4%) seria bem mais alta do que as praticadas atualmente.

Brasileiros poderão enviar dinheiro pelo Whatsapp
Brasileiros poderão enviar dinheiro pelo WhatsApp - Reprodução

Lembremos que a indústria de pagamentos no Brasil já foi marcada por várias relações de exclusividade. Estes arranjos fechados representaram um atraso à competição, inibiram preços mais acessíveis e nos afastaram da inovação. Isso custou muito caro ao varejo e não queremos voltar a essa realidade.

O Banco Central vem fazendo um trabalho árduo para aparar estas arestas, estabelecendo novas regras de jogo, para que as diferentes maneiras de pagamento no país sejam “abertas”. Ou seja, um varejista não precisa mais ser refém de um banco, de uma maquininha ou qualquer outro para aceitar um tipo de pagamento específico, a chamada “interoperabilidade”. Palavra difícil no jargão, mas que se traduz em “todos precisam se comunicar com todos”, sem barreiras artificiais.

Este movimento nos permitiu importantes avanços, como a competição e a redução de custos, princípios que as autoridades não abrem mão. A competitividade trouxe inclusão para o varejo: hoje, do botequim ao shopping luxuoso, milhões de lojistas em todo o país conseguem aceitar pagamentos por meios mais seguros e eletrônicos. E conseguimos tudo isso dentro das regras, em um ambiente cada vez mais livre de abusos.

As “bigtechs” têm um histórico de embates antitrustes em vários países – de multas bilionárias por práticas de competição desleal a vazamentos de informação e dúvidas sobre privacidade de dados dos usuários. Estes fatos nos levam a ficar, no mínimo, ressabiados com esse movimento recente. A iniciativa deve vir acompanhada do atendimento a critérios que a regulação determine cabíveis para proteger o varejo de fraudes.

Por exemplo, caso haja um ataque que desvie dinheiro dentro do aplicativo, o “zap” deveria ser o responsável por arcar com o prejuízo. O problema não pode cair na conta do pequeno lojista. Há ainda preocupações com uso indevido de informação e potenciais abusos de poder econômico (de novo, como não aceitar um meio de pagamento utilizável por milhões de compradores?). Esses mesmos critérios impediram que o “zap” avançasse seu projeto em países como Índia, México e França. Acharam que escapariam no Brasil?

A crise atual impõe enormes desafios ao varejo, que tem sido pouco atendido pelas políticas de governo para sua contenção. Precisamos estar atentos a novas formas de vender, buscando entrar no mundo digital. Mas isso precisa ser feito com responsabilidade, não cedendo a saídas aparentemente fáceis. A decisão do Banco Central não procura barrar a inovação. Na verdade, ela passa a mensagem de que qualquer inovação no sistema precisa ser segura e representar um passo além do que conquistamos até aqui, não um retrocesso. Os desafios já são grandes o suficiente para que tenhamos que lidar, sem nenhuma proteção, com um gigante que pode nos sufocar.

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