Eleição para o comando da Firjan tem troca de acusações e briga na Justiça

Há 25 anos no cargo, presidente da federação do Rio é desafiado por ex-aliada na busca por 9º mandato

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Rio de Janeiro

A 25 dias da eleição, a corrida pela presidência da Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro) tem sido marcada por trocas de acusações, debate acalorado em grupos de WhatsApp e até briga na Justiça. Em disputa, a gestão de um orçamento anual de cerca de R$ 1 bilhão.

Buscando o nono mandato consecutivo, o presidente da Firjan, Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira, enfrentará uma antiga aliada: a vice-presidente da federação e presidente licenciada da ACRJ (Associação Comercial do Rio de Janeiro), Ângela Costa.

O próprio formato da eleição —marcada para o dia 17 de agosto— é alvo de contestação. Em decorrência da pandemia do coronavírus, a Firjan optou por uma votação online e contratou uma empresa para sua realização.

Eduardo Eugenio, presidente da Firjan - Ricardo Borges/Folhapress

Queixando-se de falta de transparência na decisão e escolha da empresa, os opositores exigiram que o processo fosse mediado pelo Ministério Público do Trabalho. Um sindicato foi à Justiça pela manutenção do voto presencial sob argumento de que a mudança para o virtual feriu o estatuto da federação por ter ocorrido menos de seis meses antes da eleição. O pedido foi derrotado em primeira instância.

Vice da chapa de Ângela Costa, o presidente do Sindicato das Indústrias da Construção e do Mobiliário do Sul Fluminense, Mauro Campos, afirma que a oposição não foi formalmente consultada sobre a alteração do voto presencial para o online.

“A mudança foi unilateral e escolheram uma empresa que não conhecemos. Minha suspeita pessoal é que Gouvêa Vieira está apostando tudo em uma eventual manipulação”.

Há 25 anos no cargo, Gouvêa Vieira afirma, por sua vez, que a eleição por meio eletrônica tem respaldo legal e foi aprovada por ampla maioria, de 58 votos a favor e 3 contra, na quinta-feira (2) pelo Conselho Superior da Firjan, formado pelos sindicatos que compõem a federação.

“O voto eletrônico estimula a participação nas eleições da Firjan e contribui para superar eventuais dificuldades por conta da pandemia, como restrições à circulação e necessidade de isolamento social por parte de votantes”, argumenta Gouvêa Vieira.

Os adversários questionam a data e instância que decidiu pelo voto eletrônico. Acusam Gouvêa Vieira de desperdício dos recursos do sistema S, como os mais de R$ 110 milhões gastos para a instalação da Casa Firjan, segundo eles um “palacete” na Zona Sul do Rio, e os custos para mudança da marca da federação fluminense.

“Só posso lamentar questionamento sobre a Casa Firjan, crítica que associo a uma verdadeira vanguarda do atraso, jurássica”, reage Gouvêa Vieira, afirmando que a Casa Firjan serve para capturar “tendências tecnológicas e comportamentais dos consumidores, que afeta o mundo dos negócios”.

A disputa invadiu as relações pessoais. Chegou à cúpula da campanha adversária a informação de que Gouvêa Vieira telefonara para eleitores relatando os laços de amizade de Ângela Costa com o economista Marcelo Sereno. O presidente da Firjan teria tomado a iniciativa ao saber que Sereno tem pedido votos para a chapa de oposição.

Assessor do ministro José Dirceu no governo Lula e ex-secretário de comunicação do PT, Sereno chegou a ser preso em operação deflagrada em abril de 2018, por ter sido “indicado como o responsável pelas transações financeiras operadas pelo Fundo de Pensão Núcleos (servidores das estatais de energia nuclear) tendo manipulado o fundo para desviar dinheiro diretamente para o PT, em 2006”. Sereno, que nega irregularidades, foi solto 40 dias após a prisão.

Aliados de Ângela Costa entenderam o movimento como uma tentativa de associá-la aos alvos da Lava Jato e ao PT, estabelecendo uma contraposição à proximidade de Gouvêa Vieira com o presidente Jair Bolsonaro.

Em nota, a candidata de oposição nega qualquer ligação com o PT, afirmando que o próprio Gouvêa Vieira a apresentou a Sereno. “Encontrei o Sr. Marcelo várias vezes na residência do próprio Eduardo Eugênio, inclusive à ocasião do casamento de uma de suas filhas. Nem por isso o acuso de ter qualquer tipo de ligação com a Lava-Jato”, afirmou Ângela Costa.

Questionado sobre o disparo de telefonemas, Gouvêa Vieira limitou-se a afirmar, em nota, que a candidata de oposição integrou a diretoria da Firjan por mais de duas décadas.

“É alguém a quem respeito e quero bem. É importante que não permita que a eleição se transforme num vale tudo promovido por terceiros. O que se espera da candidata é um debate de ideias, não de ofensas”.
Há 28 anos presidindo o Sindicato das Indústrias de Artefato de Papel, Papelão e Cortiça do Estado do Rio de Janeiro, Ângela Costa também prega união em seu discurso, dizendo-se ainda “uma pessoa voltada para o futuro”.

“Tanto que o programa da chapa Renovação e Transparência mira em uma Firjan que fortaleça seus sindicatos e que, estes, fortaleçam as empresas, sobretudo as pequenas e médias. Vivemos em um momento de alta complexidade para a economia como um todo. O Rio de Janeiro, em especial, precisa de entidades que se unam”, diz.

Enquanto isso, os opositores de Gouvêa Vieira disparam mensagens com trechos do depoimento em que o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró menciona a compra da Ipiranga pela Petrobras em 2007.

Segundo ele, a Ipiranga pedira US$ 1 bilhão, mas a Petrobras, ao lado da Braskem e do grupo Ultra, acabou pagando US$ 4 bilhões, apesar de o valor de mercado ser US$ 2 bilhões. De acordo com ele, parte do dinheiro envolvido foi para campanhas do PT.

Na ocasião, Gouvêa Vieira, já presidente da Firjan, era integrante de uma das cinco famílias até então acionistas da Ipiranga e afirmou que a proposta havia sido "irrecusável". Cerveró apontou que a operação levantou questionamentos no conselho da Petrobras, mas foi aprovada. O ex-diretor chamou a operação de "um escândalo".

Gouvêa Vieira afirma o referido delator nem mesmo formula uma acusação. “A família Gouvêa Vieira é integrada por pessoas de bem. Suas reputações e trajetórias falam por si”.

Vice na chapa de oposição, Mauro Campos diz lembrar que Gouvêa Vieira costumava receber o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para almoços. Campos diz guardar um recorte de reportagem do jornal O Globo, segundo a qual Gouvêa Vieira foi citado em um email de um diretor da Odebrecht ligado ao cartel que atuava na Petrobras e ao ex-governador do Rio Sérgio Cabral (MDB).

Na ocasião, ele alegou que, como presidente do Firjan, mantém interlocução permanente com as principais lideranças políticas do estado e do país e que Cabral sempre foi um desses interlocutores.
Gouvêa Vieira afirma que se não houvesse total transparência das atividades da Firjan, reportando as decisões e iniciativas aos sindicatos industriais através das instâncias internas da casa ou de comunicados, não teria sido eleito para o atual mandato nem recebido a solicitação de 70 sindicatos para que se candidatasse.

O colégio eleitoral da Firjan é composto por representantes de cem sindicatos aptos a votar. Cada chapa é formada por 42 delegados. A primeira votação está programada para o dia 17, podendo ocorrer novamente nos dia 24 e 31 de agosto na remota hipótese da falta de quórum nas anteriores.

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