Entregadores de apps adotam bandeira antifascista e pedem direitos trabalhistas

Motoboys pedem fim dos bloqueios dos apps, melhor remuneração e até auxílio alimentação

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Belo Horizonte

Paulo Galo, 31, estava a caminho de uma entrega em São Paulo, em 21 de março, dia do seu aniversário, quando um pneu da moto furou. Sem conseguir concluir o serviço, ele entrou logo em contato com o aplicativo para evitar um novo bloqueio.

Mesmo com a garantia da pessoa que o atendeu de que não aconteceria, Galo foi bloqueado. O episódio o levou a se mobilizar através de um abaixo-assinado, que já conta com mais de 360 mil assinaturas, e criar o movimento dos entregadores antifascistas.

Ainda pequeno, o grupo está ganhando adesão em outros estados e levantando a pauta de direitos trabalhistas para quem trabalha com a chamada gig economy, no momento que a categoria ganhou foco como serviço essencial na pandemia do novo coronavírus.

“A proposta é empoderar o trabalhador. Se apropriar da ferramenta chamada política para transformar o mundo ao nosso redor. Um entregador antifascista é um político de rua”, diz ele.

A primeira reivindicação colocada por eles é que aplicativos garantam refeições como almoço, jantar e café para quem passa o dia na rua trabalhando com entregas. Paulo diz que pretendem encontrar um parlamentar que transforme a questão em projeto de lei no Congresso Nacional.

Com a pauta, eles querem abrir a discussão sobre vínculo empregatício entre empresas e freelancers. “CLT no Brasil é a única coisa que protege trabalhador”, diz ele.

Galo começou como motoboy em 2012, mas depois de sofrer dois acidentes, resolveu sair. Trabalhou instalando internet corporativa por um tempo, mas depois de perder o emprego, já pai, decidiu voltar às entregas.

O mercado, porém, estava mudado: sem vagas com carteira assinada e dominado pelos aplicativos. Com a prestação da moto por pagar, ele resolveu se cadastrar.

Trabalhando cerca de 12 horas por dia, ele conta que conseguia tirar entre R$ 100 e R$ 120, sem descontar o gasto com combustível. Encontrar banheiro para usar era uma dificuldade, porque achavam que ele poderia roubar. Levar marmita era inviável, porque a comida azedava pelo tempo na rua.

Ainda era comum fazer entregas para pessoas que alegavam não ter recebido o pedido, para não pagar. A Uber diz que o bloqueio de Paulo foi por repetidos cancelamentos injustificados e entregas não realizadas. Ele alega que a plataforma favorece a versão do cliente.

Quando começou a conversar com outros motoboys para tentar organizar as reivindicações, ele conta que encontrou resistência —alguns o mandavam para Cuba.

“Mudei a estratégia. Mano, mundo mudou, também tenho que mudar, não sou mais motoboy, sou entregador. Fui atrás do pessoal das bikes e fui bem recebido, entenderam melhor minha ideia”, conta ele.

Victor, 28, que prefere não ter o nome completo revelado, depende das entregas por bicicleta em Vitória (ES) e aderiu ao movimento. Com a pandemia, conta ele, apesar de os pedidos terem aumentado, o número de entregadores também cresceu. Só o Rappi registrou crescimento de 111% nos cadastros.

Semana passada, em três dias seguidos na rua, não conseguiu entregas. “Dizem que você é empreendedor mas, dependendo da situação, se você rejeita um pedido, toma bloqueio. Se atrasar 30 segundos do tempo definido pelo GPS, bloqueio”, afirma ele, que trabalha para formar um núcleo dos antifascistas no Espírito Santo.

Eduarda Alberto, 24, que virou entregadora durante a pandemia, também aderiu ao movimento. Trabalhando no Rio de Janeiro, ela conta que contatou diretamente microempreendedores que se tornaram seus clientes, para desviar das dificuldades vistas nos aplicativos, que conhecia pelo companheiro e amigos.

“Acabou que, na pandemia, só vi isso como alternativa. Fiz da minha motinho meu instrumento de trabalho, que foi o que sobrou na quarentena”, conta ela, que trabalhava como bartender.

Outro grupo, separado dos antifascistas, organiza uma paralisação de entregadores para esta quarta-feira (1º), em 19 estados. Pelo levantamento nos grupos de mensagens, esperam adesão expressiva, maior que mobilizações organizadas no ano passado. O movimento encabeçado por Galo os apoia.

Entre as reivindicações está pagamento de taxa mínima de R$ 2 por quilômetro rodado (hoje é em torno de R$ 1), auxílio para alimentação e mecânico (convênios que aplicativos dizem ter nem sempre funcionam) e fim dos bloqueios, sobre os quais alegam não ter espaço para contestar.

Motoboy com baú de entregas da Loggi; empresa não confirma relação entre protestos e bloqueio
Motoboy com baú de entregas da Loggi; trabalhadores da empresa reclamam de bloqueios após protesto - Divulgação

“Conseguiram mais motoca para trabalhar na rua e baixaram as taxas de todos os motoboys. Tem complementador de salário e tem motoboy que necessita desse trabalho”, diz Mineiro, 30, um dos organizadores.

Em resposta à Folha, três das maiores plataformas de entrega em operação no país —Rappi, iFood e Uber— dizem que bloqueios ocorrem por violações aos termos de uso e que têm adotado medidas para apoiar profissionais durante a pandemia, como pagamento de auxílio para quem se afasta com sintomas ou infecção pelo novo coronavírus.

O iFood diz que entregadores receberam, em média, R$ 21,80 por hora trabalhada em maio, enquanto Rappi afirma que 75% dos entregadores ganha R$ 18 por hora —gorjetas no aplicativo tiveram 238% de aumento na quarentena. Uber não divulgou valores.

A Rappi afirma ainda que reconhece direito à livre manifestação pacífica e que busca diálogo com os trabalhadores. Já a Uber ressalta que seus parceiros apontam a flexibilidade como benefício.

Com uma decisão da 37ª Vara do Trabalho em São Paulo favorável aos argumentos da empresa, de que as relações da plataforma com entregadores não se encaixam na CLT, o iFood diz que é a favor de uma nova regulação que beneficie todas as partes. O aplicativo tem 170 mil entregadores cadastrados no Brasil.

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