Descrição de chapéu Financial Times

Facebook usa conselho de anunciantes para trocar informações e reter publicidade

Integrantes do conselho relatam pressões para que não fizessem críticas públicas à plataforma

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San Francisco | Financial Times

O Facebook gosta de estender o tapete vermelho para seus maiores anunciantes, oferecendo toda espécie de recompensa, de bolos de aniversário a viagens de esqui e jantares na casa de sua vice-presidente de operações, Sheryl Sandberg, no Vale do Silício.

A companhia de mídia social obteve praticamente toda sua receita de US$ 71 bilhões (R$ 382 bilhões) no ano passado com a venda de publicidade, e se esforça para criar relacionamentos com marcas e com grupos publicitários, por meio de uma rede elitista de organizações chamadas “conselhos de clientes”, formadas por pessoas convidadas pela companhia.

Começando por um “conselho mundial de clientes” com 12 integrantes, formado em 2011, essas organizações se expandiram e agora formam 11 fóruns com dezenas de membros em todo o mundo.

Esse relacionamento estreito ajudou o Facebook a manter um crescimento forte de suas vendas publicitárias, sobrevivendo à concorrência de rivais e a escândalos graves, do vazamento de dados de usuários para a Cambridge Analytica à transmissão ao vivo em sua plataforma de vídeo de um atentado terrorista na Nova Zelândia.

bonecos de seres humanos em miniatura caminham em frente a um logo do facebook colocado em frente a um teclado de computador
Recente campanha de organizações incentiva empresas a boicotarem Facebook - Dado Ruvic/Reuters

“O objetivo do exercício era que as pessoas incluídas fossem aquelas que se inclinassem mais ao perdão e à colaboração do que a acusações sobre práticas de negócios”, disse um executivo de publicidade conhecido que fez parte do conselho mundial de clientes no passado.

Mas o relacionamento entre o Facebook e seus clientes se desgastou até o ponto de ruptura por conta da controvérsia causada pela recusa da plataforma em reprimir o uso da retórica hostil, depois da morte de George Floyd e nos meses que antecedem uma eleição presidencial que com certeza será muito polarizada nos Estados Unidos.

Diversas das grandes marcas representadas nos conselhos de clientes do Facebook, entre as quais Coca-Cola e Unilever, atenderam ao apelo por um boicote das plataformas da empresa, e alguns executivos expressaram frustração ante a posição defensiva adotada pela companhia. Outros anunciantes, como a Disney e o grupo Walmart, se mantiveram fiéis.

Embora o Facebook venha tentando ao máximo acalmar as preocupações, muitos anunciantes criticam a prática da empresa de buscar seduzi-los nos momentos positivos e depois acreditar que justificativas vazias –em lugar de mudança– bastem para manter sua adesão nos momentos difíceis.

“As pessoas parecem estar sentindo que é aceitável confiar no Facebook e ser enganado, quando isso acontece pela primeira vez. Mas, se acontecer de novo, a culpa seria delas. Ou seja, o Facebook não pode mais se defender usando a mesma desculpa”, disse um executivo de marketing de uma grande companhia americana.

“Eles fazem com que as pessoas se sintam especiais”, disse o executivo de uma agência de publicidade, que é membro de um dos conselhos. “[Mas] é provável que todo mundo estivesse esperando por uma oportunidade de punir o Facebook. É provável que uma subcorrente de frustração com a companhia exista há muito tempo, mas as pessoas não tivessem como agir. A situação atual oferece uma razão legítima para agir”.

Conselhos de Carolyn

A pessoa que criou a rede de conselhos do Facebook é Carolyn Everson, vice-presidente mundial de soluções de marketing da companhia. Seu currículo inclui uma passagem pelo site Pets.com, que ela ajudou a fundar e do qual foi demitida. A empresa se tornou um dos maiores fiascos do primeiro boom da internet, no final da década de 1990.

Pouco conhecida fora do mundo da publicidade, Everson tem uma legião de fãs no setor. O executivo de uma agência de publicidade a descreve como “diplomata consumada”, acrescentando que “havia sempre muito amor por ela”, nas reuniões. “Ela é alguém ao lado de quem você quer se sentar em um jantar”, ele disse.

David Jones, ex-presidente executivo do grupo publicitário Havas, que fez parte da primeira versão do conselho mundial de clientes, disse que “se você quer entender por que o Facebook se tornou um sucesso tão grande, Carolyn Everson desempenhou papel importante nisso”.

Foi Everson que tentou controlar os danos quando a mais recente campanha de boicote ao Facebook começou a ganhar impulso, enviando uma carta aos anunciantes explicando as nove medidas que a companhia estava adotando para tratar de suas preocupações, antes de organizar múltiplas conversas em vídeo, para discutir a questão com anunciantes e agências.

Diversos anunciantes –entre os quais pessoas que participaram e que não participaram dos conselhos– mencionaram o “manual do Facebook” para crises, que dita que a empresa realize reuniões e conversas telefônicas de emergência a fim de apaziguar anunciantes preocupados, quando ela se envolve em escândalos que são revelados pela mídia.

O antigo integrante do conselho mundial de clientes, que pediu que seu nome não fosse mencionado porque o Facebook exige que os participantes assinem acordos de confidencialidade, disse que a empresa transmitia aos participantes em caráter privativo “informações com algum interesse público”, que ele define como “interessantes e privilegiadas, mas não divulgáveis”, o que torna essencial que a pessoa mantenha seu assento à mesa. Mas o executivo define o conselho como “um mecanismo de controle” com o objetivo de “manipular as pessoas e levá-las a ignorar problemas óbvios”.

Alguns participantes também descrevem pressões para que não fizessem críticas públicas ao Facebook.

Rishad Tobaccowala, consultor sênior do grupo Publicis que falou ao Financial Times em nome pessoal, disse, sobre o relacionamento entre o setor e o Facebook em termos mais gerais, que “a pessoa é bem tratada, é levada para jantar... [mas] enfrenta problemas caso decida falar”.

“Às vezes há um aspecto de intimidação nessas ocasiões... Desde quando uma companhia acha que pode dizer a outra companhia que siga a linha determinada por ela?”

Everson se recusou a comentar. Um porta-voz do Facebook disse que “qualquer insinuação de que silenciamos nossos parceiros é categoricamente errada, e na verdade o oposto é verdade”.

O porta-voz acrescentou que as equipes do Facebook “tem um longo histórico de trabalhar com o setor”, mencionando colaboração com associações setoriais e outros parceiros “a fim de encorajar um feedback franco para que possamos continuar a melhorar”.

Novo manual

Everton postou no Facebook uma mensagem emocionada e com um toque caracteristicamente pessoal, no mês passado, mostrando o desgaste causado pela atual crise. Ela disse que o mês precedentes havia sido “o período mais difícil de minha carreira, com dias intermináveis, noites insones e mais que algumas lágrimas”, o que atraiu declarações de apoio de diversos executivos de marketing.

A companhia também apelou a outros recursos. Em um documento encaminhado a anunciantes e visto pelo Financial Times, o Facebook criou uma tabela que comparava diretamente as suas normas às de outras grandes plataformas de mídia social. “A estratégia do Facebook era claramente a de arrastar as demais plataformas para a controvérsia”, disse o executivo de publicidade. “Eles estavam na prática dizendo que, se os boicotássemos, teríamos de suspender nossos anúncios em todos os demais veículos”.

Mas esses esforços tiveram resultados contraditórios. Mais de mil anunciantes aderiram ao boicote, até agora.

Há quem afirme que isso acontece por que o risco de ser visto do lado errado da história pode prejudicar as marcas anunciantes diretamente, o que não acontecia nos escândalos precedentes do Facebook. Outros apontam que a controvérsia cresceu e agora está sendo discutida em nível de conselho, acima dos executivos de publicidade e marketing que o Facebook corteja.

“Os conselhos estão prestando atenção [a questões sociais], e os conselhos não se deixam distrair quando Sheryl telefona. Seus integrantes não vão procurar emprego no Facebook [potencialmente, no futuro], eles não têm um relacionamento amistoso [com Carolyn]”, disse Tobaccowala.

Mesmo assim, há quem continue cético quanto à adoção de mudanças significativas pelo Facebook, o que indica que a maioria dos anunciantes só está à espera de um gesto conciliatório para voltar.

O antigo membro do conselho mundial de anunciantes disse que “o desafio [para Everson] será encontrar uma narrativa aceitável que funcione com os anunciantes, e que eles encontrem uma narrativa aceitável para manter seu dinheiro no sistema”.

Financial Times, tradução de Paulo Migliacci

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