Onda de coronavírus em frigoríficos suspende exportações para China

País asiático, um dos principais destinos da proteína, impõe sanções a cinco unidades que tiveram casos da doença

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São Paulo

A crise sanitária dos frigoríficos em meio à pandemia do coronavírus chegou às exportações. Seis plantas de cinco empresas brasileiras tiveram suas autorizações para exportar para China suspensas.

O gigante asiático é um dos principais destinos das vendas externas de proteína animal produzida no Brasil –de janeiro a junho, foram exportadas 365 mil toneladas de carne bovina para a China, movimentação 148% maior do que em 2019.

A decisão afeta os frigoríficos Minuano e BRF, ambos em relação às plantas em Lajeado (SC), Marfrig, em Várzea Grande (MT), Agra, em Rondonópolis (MT), e duas unidades da JBS, uma em Passo Fundo e outra em Três Passos, no Rio Grande do Sul.

As suspensões da BRF e JBS de Três Passos ocorreram no sábado (4). As demais começaram a receber as sanções a partir do fim de junho.

Funcionário acompanha a pesagem de carne em frigorífico Xapuri, no Acre - Lalo de Almeida-27.nov.19/Folhapress

Entre as plantas suspensas, duas produzem carne bovina (Agra e Marfrig) e duas, suína (BRF e JBS em Três Passos). Minuano e JBS em Passo Fundo são produtoras de aves.

O Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) disse, nesta segunda (6), que solicitará à autoridade chinesa a retirada da suspensão, pois as plantas cumprem todos os requisitos sanitários.

O ministério informou que “recentemente o GACC [sigla em inglês para Administração Geral das Alfândegas] solicitou informações sobre alguns estabelecimentos brasileiros que exportam para a China e que tiveram notícias divulgadas na imprensa do Brasil sobre casos da Covid-19 entre seus trabalhadores.”

Antes de serem atingidas pela restrição para exportação, essas unidades frigoríficas vinham sendo alvo de ações e recomendações por parte do MPT (Ministério Público do Trabalho), que considera o setor negligente com a saúde dos trabalhadores.

A gerente adjunta do Projeto de Adequação das Condições de Trabalho nos Frigoríficos do MPT, procuradora Priscila Dibi Schvarcz, a situação era previsível. “Nós alertamos, diversas vezes, que isso acabaria acontecendo. Avisamos que isso acabaria impactando as exportações em alguma momento.”

A unidade da JBS em Passo Fundo suspensa pelos chineses vem tendo problemas desde o início da pandemia. Foi a primeira no país a ser fechada, ainda no início de maio, por determinação judicial após funcionários serem diagnosticado com Covid-19.

Sucessivas decisões judiciais levam ao seu fechamento e reabertura desde então. Na semana passada, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região chegou a determinar a interdição da planta, mas na sexta-feira (3) o efeito dessa decisão foi suspenso.

Outra unidade vetada pelos chineses que também já tinha entrado no radar do MPT é a do Marfrig em Várzea Grande, no Mato Grosso.

Os procuradores do trabalho em Mato Grosso ainda expediram 11 recomendações a outras empresas para o cumprimento de recomendação de segurança e fornecimento de proteção.

O frigorífico Agra Agroindústria, que também está com habilitação suspensa para exportar, chegou a ser notificado pelo MPT a detalhar as medidas adotadas na área de segurança do trabalho.

O advogado Paulo Roberto Lemgruber Ebert, que representa sindicatos de trabalhadores da região sul, diz que há uma pressão muito grande para que o ritmo de produção seja mantido, o que leva os trabalhadores a dissimular sintomas tomando antitérmicos e retornando antes ao trabalho.

Francisco Turra, da ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal), que reúne as indústrias e aves e suínos, diz que o número de trabalhadores do setor com diagnóstico positivo é alto porque o segmento emprega mais e testa mais.

“São poucos os setores que estão em atividades como nós. E temos muitos empregos, além de fazer muitos testes. Fazemos os testes o casos aparecem. É uma visão equivocada achar que temos mais”, diz.

Turra afirma que pandemia e os protocolos de segurança chegaram a obrigar uma redução na produção, mas a redução do consumo interno equilibrou a demanda.

O presidente da ABPA afirma também que a interdição dos frigoríficos, especialmente os de aves, coloca essas empresas sob risco de fechamento, pois resultaria no descumprimento de contratos e no eventual fechamento de mercados. “Abrir mercado é um processo muito difícil. Se você deixa de cumprir, eles vão atrás de outros [fornecedores].“

OUTRO LADO

A Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Importadoras de Carnes Industrializadas) diz que não está falando sobre o assunto.

A JBS afirma que a proteção e a saúde dos funcionários é seu principal objetivo e diz adotar um rigoroso protocolo de segurança em suas unidades, em conformidade com portaria dos ministérios da Agricultura, Saúde e Economia. A empresa informou também que não comentaria a decisão chinesa.

Ao decidir pelas suspensões, o GACC não informou os motivos que o levaram a barrar a produção brasileira.

A Marfrig fechou com o MPT um TAC (Termo de Ajuste de Conduta) com validade nacional. A multa por descumprimento é de R$ 50 mil por cláusula, limitado a R$ 1 milhão por estabelecimento onde houver a comprovação de que os termos não estão sendo cumpridos. Procurada, a empresa disse que não vai comentar.

A BRF diz que está atuando junto às autoridades chinesas e brasileiras para reverter a suspensão. A planta de Lajeado, afetada pela decisão da China, não tem registros de casos, segundo a empresa. Minuano e Agra não comentaram.

Avanço de casos no interior dos estados

Para procuradores do trabalho, não há dúvida de que a indústria de alimentos, com seus ambientes frios, de baixa renovação do ar e com milhares de trabalhadores no mesmo local, carrega uma combinação explosiva em meio à crise sanitária.

Para o MPT, os frigoríficos são responsáveis pela interiorização do coronavírus. Cidades pequenas, como São Miguel do Guaporé, em Rondônia, Guia Lopes da Laguna, em Mato Grosso do Sul, Guarabira, na Paraíba, e Araguaína, no Tocantins, viram suas taxas de contaminação disparar a partir de funcionários das indústria de alimentos que se contaminaram.

Em São Miguel do Guaporé, o MPT e a JBS travam uma disputa de pedidos liminares pelo fechamento e pela continuidade das atividades.

O MPT também tem outras ações contra a JBS pela implantação de medidas de segurança nas plantas em municípios como Três Passos, Trindade do Sul e Caxias do Sul, todos no RS.

Diferentemente de outras grandes empresas, como Aurora, Marfrig e BRF, a JBS não aceitou firmar TAC com o MPT. Os grandes frigoríficos fecharam acordos nacionais, outros, como Minuano, Agrodanieli, Nicolini, Dália, Agroaraça, GTFoods e Languiru firmaram TACs regionais.

Vilson Gimenes Gregorio, da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação de Mato Grosso do Sul, diz que as medidas de distanciamento são inviáveis diante do ritmo de produção imposta pelas empresa.

Em Campo Grande (MS), onde a JBS tem duas plantas de bovinos, há dias em que 2.000 cabeças foram abatidas, segundo a federação. “No início, reduziram a produção em 30%, agora está tudo normal. Nesse ritmo, não tem como não aglomerar o pessoal”, diz Gregório.

Em Guia Lopes da Laguna, município de pouco mais de 10 mil habitantes, 109 empregados da Brasil Global Agroindustrial foram diagnosticados em maio. Na vizinha Bonito, o Frigorífico Franca teve 30 casos.

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