Pandemia emperra negócios com créditos de descarbonização na B3

Governo revisa metas de aquisição dos títulos diante de queda no consumo de combustíveis

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Rio de Janeiro

A crise econômica gerada pela pandemia do novo coronavírus emperra as negociações dos primeiros créditos de carbono lançados na B3, a bolsa de valores de São Paulo e abriu uma frente de batalha entre distribuidores de combustíveis e produtores de etanol e biodiesel sobre os rumos de programa de incentivo a combustíveis renováveis lançado no governo Michel Temer.

Os primeiros certificados, chamados de Cbios, foram registrados na B3, a bolsa de valores de São Paulo, no dia 25 de abril. Até a sexta (17), apenas cerca de 1% do estoque de títulos registrados havia sido negociado. E, ainda assim, em valores bem inferiores aos esperados.

A ausência de negócios reflete uma disputa de bastidores no setor sobre a revisão das metas do programa devido à pandemia. As distribuidoras de combustíveis alegam que o consumo despencou e pedem o adiamento das obrigações de compra de títulos para 2021.

O agronegócio, que é o vendedor dos títulos, é contra. O MME (Ministério de Minas e Energia) já propôs a redução em 50% das metas de 2020, com efeitos na evolução das obrigações pelos próximos dez anos, mas vem sendo pressionado pelos dois lados para rever a proposta.

O programa prevê que distribuidoras de combustíveis comprem certificados para compensar a emissão de poluentes no consumo dos produtor. O objetivo é transferir recursos da venda de combustíveis fósseis para a produção de energia renovável, barateando seu custo e incentivando o consumo.

Tem como objetivo ajudar o Brasil a cumprir metas de descarbonização prometidas no Acordo de Paris. Cada título equivale à emissão de uma tonelada de carbono na atmosfera. As metas de cada distribuidora são calculadas de acordo com a projeção de equivalente ao volume de combustíveis fósseis que cada uma põe no mercado.

Os primeiros Cbios foram registrados já com atraso: o programa previa o início das negociações já em janeiro, mas dificuldades na certificação dos títulos atrasaram o processo. A primeira operação de compra foi realizada no dia 12 de junho, quando a consultoria Datagro, especializada no mercado de etanol adquiriu 100 Cbios por R$ 50 cada um.

Embora não opere no setor de combustíveis, a empresa diz que fez o negócio para neutralizar as emissões de carbono dos eventos que produz. O valor pago ficou dentro do que o mercado previa antes do início da pandemia, em torno de US$ 10 por título.

As compras seguintes, porém, tiveram preços médios bem inferiores, entre R$ 15 e R$ 21, em um indicativo de que o interesse do mercado depende da definição das novas metas de aquisição pelo governo. As distribuidoras de combustíveis têm até o fim do ano para comprovar que têm em mãos títulos suficientes para cobrir suas emissões.

A meta original previa a compra de 29 milhões de títulos em 2020, com acréscimos anuais até atingir 95 milhões em 2028. Após o início da pandemia, o MME (Ministério de Minas e Energia) propôs reduzir a metade (14,5 milhões de Cbios) no primeiro ano. Em 2028, seriam 90​ milhões de títulos.

O assunto foi tema de consulta pública encerrada no último dia 5. Entre as contribuições do mercado, empresas de etanol e biodiesel questionaram os cálculos do governo e querem um corte menor. A Unica (União da Indústria de Cana de Açúcar), por exemplo, fala em ao menos 16 milhões de Cbios em 2020.

A entidade alega que a meta proposta "é substancialmente inferior" à quantidade de títulos disponíveis, o que deve gerar superoferta de títulos, eliminando a eficácia do programa.

"Entendemos que essa redução drástica superestima os efeitos da atual pandemia sobre a atividade econômica e, particularmente, sobre o mercado de combustíveis no país", escreveu a entidade, em sua manifestação na audiência pública.

Já as distribuidoras reforçam o discurso de que a queda nas vendas demanda uma revisão das metas de longo prazo e alegam que o curto período disponível para cumprir a meta de 2020 pode gerar movimentos especulativos sobre o preço dos títulos.

Por isso, pedem o adiamento do início de vigência para 2021. Para convencer o governo, têm apelado também para o bolso do consumidor, ao defender que o programa gerará aumento no preço da gasolina em um cenário de crise econômica.

Até esta sexta, havia pouco mais de dois milhões de Cbios registrados na B3, valor muito inferior, de fato, à nova meta proposta pelo MME. Apenas 22 mil haviam sido negociados. Para a Unica, porém, que a disponibilidade chegará a 19,3 milhões de títulos.

O MME concluiu na semana passada a avaliação das contribuições à consulta pública e deve fechar na semana que vem uma proposta final. A Folha apurou que a ideia de adiar o início da vigência do programa já foi descartada e a tendência é que não haja mudanças significativas em relação à proposta original.

A revisão será levada para apreciação do CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) e a expectativa é que os novos números sejam aprovados até meados de agosto.

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