Manifestação de entregadores de app dura sete horas em São Paulo

Trabalhadores reivindicam taxas mais altas das empresas; protesto tem autônomos, informais e celetistas

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São Paulo

Programada há cerca de um mês, a paralisação dos motoristas de aplicativos de entrega desta quarta-feira (1º) durou mais de sete horas. O protesto é nacional, pede taxas mais justas aos aplicativos e ajuda com itens básicos de proteção durante a pandemia de coronavírus.

Com apoio do movimento sindical em São Paulo, as manifestações se concentraram em três pontos da cidade, movimentando centenas de motoboys e ciclistas entre as 9h e as 16h30. Eles prometem nova parada até o dia 12 para conquistar as reivindicações.

Por volta das 10h, cerca de 500 motoboys já estavam reunidos no SindimotoSP, sindicato de mensageiros motociclistas, ciclistas e mototaxistas do estado. Junto a bags de marcas como iFood, Uber Eats e Rappi, os trabalhadores carregavam bandeiras da UGT e do Sindicado dos Comerciários. Paralelamente, outro grupo já se concentrava na avenida Paulista em frente ao Masp.

Motoboys fazem greve pedindo melhores condições de trabalho; grupo começou protesto no sindicato da categoria e seguiu até o Tribunal do Trabalho, na Consolação - (Rivaldo Gomes/Folhapress)

A manifestação sindicalista tomou parte da avenida Brigadeiro Faria Lima e seguiu pela avenida Rebouças, reunindo um grande número de integrantes. O sindicato estima a participação de 1.000 entregadores.

Líderes dos motoristas pediam que trabalhadores não obstruíssem a avenida dos Bandeirantes antes de saírem junto ao carro de som. A paralisação foi combinada com a Polícia Militar. Não houve tumulto ou confronto com a polícia ao longo do dia.

A manifestação na capital paulista foi descentralizada até o início da tarde, mas os grupos tinham pleitos semelhantes.

O coletivo ligado ao sindicato agregou trabalhadores em regime CLT e autônomos e seguiu ao Tribunal Regional do Trabalho, na avenida Consolação, por volta das 11h. Eles discursaram por cerca de uma hora no caminhão de som. A pauta incluiu consideração de vínculo empregatício.

Além do aumento das taxas de entrega em apps como iFood, Uber Eats e Rappi, os sindicalizados defendem a aprovação do PL 578, de 2019, que regulamenta uma lei federal e exige que empresas paguem 30% de adicional de periculosidade aos motoboys.

"O motofretista paga a moto dele, o combustível dele, o INSS dele, o seguro de vida dele para chegar a ganhar uma taxa de R$ 0,60 por entrega por quilômetro? O aluguel de uma moto em São Paulo é de R$ 602 por mês. Isso é exploração", diz Marcos Alves, da diretoria sindical.

Segundo ele, há cerca de 15 mil motoboys com carteira assinada em São Paulo. A AMABR (Associação dos Motofretistas de Aplicativos e Autônomos do Brasil) diz que devem ser de 50 mil a 70 mil entregadores na cidade.

"Trabalho das 7h as 23h, meia-noite, para ganhar R$ 3.000 por mês. Pagando todo o resto dos custos", diz o motoboy Davi Alexandre, de São Bernardo.

Depois do TRT, os motoboys seguiram para o vão-livre do Masp, na Paulista, onde se reuniram a outros manifestantes. Por volta das 15h, todos seguiram rumo à ponte estaiada Octávio Frias de Oliveira, na zona sul. A manifestação terminou por volta das 16h30.

Além de motoristas sindicalizados e da AMABR (Associação dos Motofretistas de Aplicativos e Autônomos do Brasil), o protesto reuniu trabalhadores mobilizados por um coletivo mais político, com lideranças como o motorista Paulo Lima, o Galo, que dialoga com a esquerda e carrega a bandeira do antifascismo.

Chamada de BrequedosApps, a paralisação também foi registrada em outras capitais, como Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador e Recife.

Pelas redes sociais, os entregadores convocaram a população a não fazer pedidos por aplicativos durante o dia.

Na Paulista, os trabalhadores receberam apoio de grupos da sociedade civil. Em meio a buzinaços e cartazes de "Basta!", profissionais da saúde, representantes de movimentos estudantis e de torcidas organizadas de futebol aplaudiam os entregadores e defendiam o fim da "uberização".

Os estudantes Artur Feitosa, 19, e Bruno Carvalho, 25, do grupo jovem "Juntos, organize sua indignação", afirmaram que o momento é importante para todos os setores afetados pela precarização trabalhista.

"Nossa luta é por universidade pública, mas estamos num projeto de precarização federal que vem de cima. Viemos demonstrar solidariedade à categoria, até porque grande parte é jovem. Eles são as maiores vítimas do trabalho precário", disse Carvalho.

Com jalecos e distribuindo álcool em gel para a população, médicos também apoiaram a categoria. "A luta é deles, mas a uberização é geral. Os profissionais de saúde têm mais a ver com a situação de precarização do que as pessoas pensam", afirmou Vitor Dourado, presidente do Sindicato dos Médicos.

Segundo ele, médicos que adoecem nos hospitais de campanha estão demitidos. "A pandemia, em vez de melhorar a situação, aprofundou. Ampliaram a pejotização", disse.

A remuneração dos motoristas sofreu baixa mesmo com o aumento da demanda, impulsionada pelo consumo da classe média durante o isolamento social imposto pela pandemia.

Os aplicativos não têm vínculo empregatício com os entregadores, mas o Ministério Público do Trabalho orientou que entregassem itens como álcool em gel, máscaras e suporte em casos de Covid.

Os motoristas, que se organizam em dezenas de grupos de WhatsApp dos quais a Folha participa, relatam que não há recomposição de álcool em gel, que a pontuação individual do Rappi está prejudicando os ganhos e que algumas plataformas fazem bloqueios injustificados.

Há poucos dias, entregadores associados à empresa Loggi entraram na Justiça por alegarem bloqueio no aplicativo após participação em protesto no Rio de Janeiro, conforme foi antecipado pela Folha. Os entregadores afirmam que o descredenciamento da plataforma ocorreu de modo injustificado.

Durante a pandemia, o Ministério Público do Trabalho já moveu ações civis públicas contra sete aplicativos de entrega: iFood, Rappi, Uber Eats, Lalamove, Uber, Cabify e 99.

Todas exigem o fornecimento de máscaras e álcool em gel em quantidade suficiente, espaços para a higienização dos veículos, bags, capacetes e jaquetas, além de orientações contra o coronavírus a serem adotadas.

Segundo a Conafret (Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho), algumas empresas empresas impetraram mandado e conseguem suspensão dos efeitos.

Estudo da Remir (Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista), elaborado por pesquisadores de universidades federais e pelo MPT, com 298 motoristas, mostra que 59% passaram a ganhar menos com as plataformas em relação ao período pré-coronavírus.

A remuneração já era baixa: 47,4% afirmaram receber até R$ 520 por semana, sem os descontos dos gastos, de acordo com a pesquisa.

O estudo também mostrou que o aumento de jornada não resultou em maior rendimento: 52% dos motoboys que passaram a trabalhar mais horas tiveram queda nos ganhos. Entre os que mantiveram a carga horária, a maioria (54%) passou a receber menos.

Os motoboys e ciclistas atribuem a baixa nos ganhos ao aumento da mão de obra nos aplicativos, o que distribuiu as entregas. Também há registro de redução de períodos com tarifas dinâmicas, redução de oferta de prêmios e, segundo a Remir, da bonificação.

Outro lado

Nos últimos dias, as empresas têm afirmado que manifestações são legítimas.

Nesta quarta, a Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia), que reúne empresa como Uber, 99 e iFood, disse, em nota, que suas associadas não trabalham com esquema de pontuação para a distribuição de pedidos.

“[As empresas] deixam claro que a participação em atos como a manifestação desta quarta-feira (1/7) não acarretará em punições ou bloqueios de qualquer natureza.”

A Uber Eats destacou que "não houve diminuição nos valores pagos” e que entregadores diagnosticados com Covid-19 recebem auxílio financeiro por até 14 dias. Disse também que todos os ganhos dos entregadores são disponibilizados de maneira transparente no aplicativo.

O iFood afirmou que os entregadores são desativados somente quando há evidências de extravio de pedidos, fraudes de pagamento ou cessão da conta para terceiros, por exemplo.

A empresa disse que não trabalha com sistema de pontuação e que o valor médio recebido pelos entregados por hora em maio foi de R$ 21,80, sendo que o valor mínimo por rota é de R$ 5.

A Rappi informou que seu programa de pontuação foi criado "para que os entregadores parceiros com um maior número de pontos possam ter preferência para receber pedidos, criando mais oportunidades para eles e uma melhor experiência para nossos clientes".

A empresa disse que oferece seguro para acidente pessoal, invalidez permanente e morte acidental. Ainda segundo a Rappi, 75% dos entregadores em sua base ganham mais de R$ 18 por hora de trabalho.

“Reiteramos, ainda, que os entregadores parceiros têm total liberdade para se conectar ao nosso aplicativo sem restrições de tempo e sem exclusividade, e que não são bloqueados em decorrência de participação em manifestações no exercício de seus direitos”, afirmou a Rappi.

Em nota, o Cabify afirma que a categoria de entrega possui as mesmas regras do serviço privado de mobilidade de passageiros e que o critério de seleção é por distância e avaliação do condutor.

A 99Food esclarece que "respeita o direito à liberdade de expressão e manifestação dentro dos limites legais" e que não está oferecendo nenhum tipo de incentivo extra, além daqueles já praticados pela plataforma", para evitar paralisações nesta quarta.

RAIO X

- Estimativa de entregadores de app na cidade de São Paulo: de 50 a 70 mil
- Média paga por hora: de R$ 6 a R$ 10
- Média de horas trabalhadas por dia: de 10 a 12
- Reivindicações: mais transparência no valor cobrado (cada app tem um sistema de pagamento); tabela com preço mínimo para todos (a sugestão da AMABR é de R$ 9 por corrida, com R$ 2 por quilômetro adicional); tolerância de espera nos restaurantes; fim dos bloqueios injustificados nos aplicativos; auxílio na pandemia (reabastecimento de álcool em gel e máscaras) e fim do sistema de pontuação da Rappi;

(Fonte: AMABR, que representa cerca de 8.000 regulamentados)

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