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Tréplica: O teto dos gastos, o inferno e as boas intenções

Colunista da Folha responde crítica de governadora do RN sobre limitação de gastos públicos

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Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é autor de 'Por que É Difícil Fazer Reformas Econômicas no Brasil?'

A governadora do Rio Grande do Norte e coautores publicaram crítica a uma coluna em que defendi o teto de gastos. O cerne de seu argumento está no seguinte trecho:

“É urgente aumentar o gasto social e ambiental para proteger e salvar vidas durante e no pós-pandemia e garantir o direito ao isolamento social à população; reagir ao crescimento alarmante das desigualdades no país com respostas redistributivas; transferir recursos do governo federal para estados e municípios sem chantagens federativas; e retomar uma economia em profunda recessão”.

Por isso, pregam que “se dê um fim às políticas econômicas de austeridade”

Analisemos essas afirmações.

Não existe “política econômica de austeridade” no Brasil. Alesina e coautores definem “austeridade” como corte de despesa e aumento de tributos para controlar a dívida pública. No Brasil, a despesa, em vez de cair, só aumenta há quatro décadas, e não caiu mesmo depois do teto. Desde 2006 a carga tributária, em vez de subir, caiu. A dívida, que deveria ser controlada se houvesse austeridade, disparou de 51% do PIB em 2014 para 76% em 2019.

O teto é um limite à pressão desorganizada por mais gastos. Foi o descontrole fiscal, e não o teto, que nos jogou em uma “profunda recessão” em 2014.

O teto não impediu ações para “proteger e salvar vidas” ou “garantir o direito ao isolamento social”. Foi criado um auxílio emergencial que custa R$ 50 bilhões por mês e R$ 37,5 bilhões foram destinados à saúde. Ao todo já foram disponibilizados mais de R$ 500 bilhões.

Se o dinheiro do auxílio não chega em quem deveria receber ou se o Ministério da Saúde não consegue gastar as verbas que recebe, não temos um problema de pouco gasto, e sim de incapacidade de gastar bem.

O problema do estado brasileiro não é ser grande ou pequeno, mas ser incapaz de entregar os serviços públicos que a população precisa.

Ele deixou de ser um prestador de serviços, focado em melhorar saúde, educação e meio ambiente.

Passou a ser um pagador de salários, subsídios e benefícios tributários. As transferências de renda aos pobres são, muitas vezes, capturadas pela classe média.

Isso nos remete à afirmação dos autores de que é preciso “reagir ao crescimento alarmante da desigualdade com respostas redistributivas”. Revogar o teto e voltar ao status quo anterior não será o melhor caminho para isso.

Rozane Siqueira e José Ricardo Nogueira, usando dados de antes do teto, mostram que o efeito final da tributação e do gasto público sobre a desigualdade no Brasil é uma redução de apenas 5,3 pontos percentuais no índice de desigualdade (Gini). Na média da OCDE cai 14,3 p.p. e na zona do euro, 19,9 p.p.

Isso ocorre a despeito de gastarmos muito com políticas de proteção social: 12,8% do PIB, contra 7,1% nas economias avançadas e 4,3% nos emergentes. Não gastamos pouco, gastamos mal.

Sobre “transferir recursos aos estados sem chantagem federativa”, vale lembrar que no Brasil 56,4% da receita tributária pertence a estados e municípios, contra 49,5% na média mundial. Nossos governos estaduais não estão de pires na mão.

Mas a alta disponibilidade de receitas não impediu que vários estados, ao longo dos últimos 40 anos, estourassem as suas contas e jogassem o custo para ser pago por todos nós. Desde 1980 foram nada menos que 17 refinanciamentos de dívidas pela União, 4 PECs para parcelar precatórios, 13 socorros a bancos estaduais e 13 resoluções do Senado afrouxando limite de endividamento.

Se falta de limite fiscal fosse bom para reduzir pobreza e desigualdade, nossos estados seriam um paraíso. E o que vemos? Assembleias e judiciários com prédios de luxo e salários inacreditáveis, hospitais sem remédios, professores com salários atrasados.

Bem fez a governadora do Rio Grande do Norte, que aprovou um teto de gastos no seu estado.

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