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A Argentina e o acordo sobre a dívida: apenas o primeiro passo

Está claro que 2021 apresentará crescimento econômico, diante do paupérrimo 2020

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Alexander Güvenel
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O refinanciamento da dívida da Argentina está na agenda do Executivo desde o começo do governo de Alberto Fernández. Na realidade, é o tema ao qual o governo dedica mais atenção desde agosto do ano passado, quando aconteceu a vitória contundente da coalizão que agora governa o país, a Frente de Todos, nas eleições primárias.

As primárias abertas simultâneas e obrigatórias, cuja função é selecionar os candidatos de cada partido para as eleições gerais –embora funcionem geralmente como termômetro político–, praticamente destruíram as esperanças da coalizão Juntos por el Cambio, do ex-presidente Mauricio Macri, de se manter no governo.

O resultado das primárias resultou em uma queda fenomenal das variáveis financeiras locais, com as ações de empresas argentinas despencando em mais de 70%, em alguns casos, e os títulos de dívida pública caindo em mais de 50%. A cotação cambial do peso argentino também caiu em mais de 30%.

O país vinha enfrentando uma situação financeira precária desde abril de 2018. Isso levou o então presidente Macri a recorrer a um pacote de resgate do Fundo Monetário Internacional (FMI). O objetivo do empréstimo era enfrentar as fortes pressões cambiais e a desconfiança com relação à capacidade do país para arcar com as velhas e as novas dívidas que havia contraído.

Com a eleição e a indicação de Martín Guzmán para o Ministério da Economia, os sinais enviados, tanto dentro quanto fora do país, eram fundamentalmente dois: o de que resolver a questão da dívida era prioridade do governo, mas também o de que a negociação que estava por vir seria árdua.

Isso aconteceu por conta da seleção para o posto de um discípulo de Joseph Stiglitz, economista heterodoxo ganhador do Prêmio Nobel de Economia e crítico dos organismos internacionais de crédito como o FMI.

Stiglitz definiu o ministro argentino como “um dos maiores especialistas mundiais em dívida soberana”, e Guzmán já em 2018 considerava que seria necessária uma reestruturação da dívida argentina que incluísse perdão de uma parte do passivo.

Em termos globais, o acordo a que se chegou obriga a Argentina a pagar em média 54,8% do valor de face das dívidas incluídas no pacote (um valor em torno de US$ 66 bilhões). O novo perfil de vencimento resulta em uma curva ascendente de pagamento cujo pico virá no ano de 2031, mas com baixos níveis de desembolso pelos próximos quatro anos.

Presidente da Argentina, Alberto Fernández
Presidente da Argentina, Alberto Fernández - Esteban Collazo/AFP

Com esse acordo, o governo sabe que obterá adesão superior a 80% dos credores, o que lhe permite superar o piso estabelecido para cumprir as cláusulas de ação coletiva e assim evitar um novo calote.

Quais são as exigências do acordo para evitar uma nova renegociação, na qual os desembolsos teriam de ser mais substantivos? Basicamente, crescimento econômico e equilíbrio fiscal, as duas coisas objetivos muito distantes da situação atual.

Com uma queda de não menos de 9% prevista para o Produto Interno Bruto (PIB) argentino este ano e um déficit primário prognosticado em cerca de 10% do PIB por diversas consultorias, além de um nível baixíssimo de investimento privado (um indicador que sempre foi baixo no país e hoje caiu ao subsolo), e com as limitações cambiárias severas, o panorama parece complicado, no que tange a atingir esses objetivos.

Ainda que o presidente Alberto Fernández tenha declarado recentemente que não acredita em “planos econômicos”, ofereceu algumas indicações sobre o que ele e seu governo consideram essencial para que o país saia da crise: o aumento das exportações, buscar uma entrada de divisas, equilíbrio fiscal, desenvolvimento do mercado interno e redução da dependência de importações.

O como é uma verdadeira incógnita, diante das condições mencionadas e quando o maior setor exportador da Argentina, o agropecuário, recebe, pelo câmbio oficial, um terço dos pesos que receberia caso vendesse os dólares no mercado informal.

Situação semelhante àquela a que Alberto Fernández se referia alguns anos atrás ao afirmar que as restrições de câmbio são como uma pedra que impede a saída mas também a entrada de capitais.

O setor exportador de serviços baseados em tecnologia e conhecimento também enfrenta inconvenientes para receber pagamentos de qualquer tipo. Isso deixa claro que os incentivos em vigor não apontam na mesma direção que os objetivos declarados.

Está claro que 2021 apresentará crescimento econômico, diante do paupérrimo 2020. A questão será se a magnitude desse crescimento permitirá aliviar a situação das famílias argentinas que, com a queda da renda real que está sendo vislumbrada, o desemprego crescente, a quebra de empresas por conta da prolongada quarentena e uma pobreza que está atingindo seus piores níveis em 20 anos, já se encontram em situação limítrofe.

Disso dependerá a sorte do governo e da oposição nas eleições de meio de mandato. Com fortes chances de vencer a disputa, a coalizão Juntos por el Cambio tem incentivos suficientes para discutir internamente suas diferenças sem que elas impliquem em um rompimento, e parece estar se movendo nessa direção.

Na Frente de Todos, situacionista, o presidente, embora ciente da forte rejeição a algumas figuras do kirchnerismo duro (como Cristina Fernández e seu filho Máximo), não adota de vez um caminho próprio no qual possa ganhar força. Talvez ele esteja ciente de que o contexto traz uma volatilidade tão grande que qualquer passo em falso poderia desencadear um processo difícil de conduzir.

Alexander Güvenel (Argentina) é cientista político e colunista de meios de comunicação como Clarín, La Nación, Perfil, Infobae e El Cronista, e do programa Las Cosas de la Vida, da FM Urquiza. É membro do Club Político Argentino.

www.latinoamerica21.com, um projeto plural que difunde diferentes visões sobre a América Latina.

Tradução de Paulo Migliacci

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