Copom diz que juros baixos podem comprometer o sistema financeiro

Segundo ata da última reunião, com histórico de Selic alta, os juros baixos podem comprometer o desempenho de alguns mercados

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Brasília

O Copom (Comitê de Política Monetária), do Banco Central, afirmou que, considerando o longo histórico de taxas de juros em nível muito elevado, a Selic mais baixa pode comprometer o desempenho de alguns mercados e setores econômicos.

O BC divulgou nesta terça-feira (11) a ata da última reunião, que decidiu pelo corte de 0,25 ponto percentual da Selic, para 2,00%.

"Ao analisar o sistema financeiro de forma ampla, considerado as suas diversas indústrias, mercados, produtos e serviços financeiros, o Comitê refletiu que um ambiente com juros baixos sem precedentes pode gerar aumento da volatilidade de preços de ativos e afetar, sem o devido tempo necessário de transição para um novo ambiente, o bom funcionamento e a dinâmica do sistema financeiro e do mercado de capitais", argumentou o texto.

É a primeira vez que o Copom manifesta essa preocupação em comunicados oficiais. Na interpretação de Fernando Gonçalves, superintendente de pesquisa econômica do Itaú, a autoridade monetária frisou que, mais do que o nível, a velocidade com que a Selic vem caindo pode afetar o sistema financeiro.

"É uma preocupação que já tinha sido levantada na Europa, por exemplo. É natural, dada a mudança de ambiente, como estamos vendo. O Brasil teve juros elevados durante muito tempo e agora estão bem mais baixos", disse.

Ele ponderou que, no passado, houve discussão parecida quando o país saiu da hiperinflação, na década de 1990. "Na ocasião, falou-se sobre a sustentabilidade do sistema com inflação baixa", contou.

Assim, o comitê reforçou que novos cortes na Selic exigiriam cautela e seriam feitos de forma mais gradual. "Para tal, se necessárias, novas reduções de juros demandariam maior clareza sobre a atividade e inflação prospectivas e poderiam ser temporalmente espaçadas", explicou.

Para Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, é uma tentativa de justificar a interrupção do ciclo de queda da Selic na próxima reunião. "Devem manter juros, pelo menos momentaneamente", disse.

A Selic já estava em trajetória de queda antes da pandemia do novo coronavírus, mas a crise acelerou o processo. “Com os juros em níveis mais baixos, há uma realocação de recursos dos investidores para renda variável. O problema é que isso se dá de forma muito rápida por conta do cenário”, salientou Gustavo Bertotti, economista da Messem Investimentos.

O economista-chefe do banco Fator, José Francisco Gonçalves, explicou que, como os bancos têm muitos ativos atrelados à taxa básica no patrimônio, a Selic baixa também pode afetar os balanços das instituições. "Assim, o valor desses papéis afetam os resultados", afirmou.

Além disso, ele avaliou que o colegiado não nega a possibilidade de nova queda, mas dá mais espaço para avaliação do cenário.

A ata reforçou a mensagem do comunicado da decisão, em que o BC indicou que a Selic deve continuar no mesmo patamar nas próximas reuniões, mas deixou espaço para ajustes, que deverão ser feitos de forma intercalada e de 0,25 ponto.

Segundo o colegiado, o espaço remanescente para utilização da política monetária, se houver, deve ser pequeno.

"O Comitê considerou que, embora assimétricas, suas projeções de inflação apresentam valor esperado abaixo da meta para o horizonte relevante para política monetária. Sendo assim, em linha com seu mandato de metas, o Comitê concluiu que seria apropriado aumentar residualmente o grau de estímulo monetário", trouxe o texto.

Aumentar o grau de estímulo monetário significa cortar mais a taxa básica de juros. Quando a Selic está baixa, diminui o incentivo de aplicações em renda fixa, o que favorece o investimento no setor produtivo.

A ata esclareceu que o Copom passou a utilizar o chamado “foward guidance”, ou prescrição futura, como instrumento de política monetária.

"Apesar dessas limitações, a prescrição futura seria a estratégia de implementação de política que atualmente apresenta a melhor relação custo benefício. A prescrição futura cumpre o papel de transmitir a visão do Comitê sobre suas ações futuras e tende a ajustar as expectativas expressadas na parte intermediária da curva de juros", disse o texto.

Com isso, o BC pretende diminuir a especulação em torno da taxa básica de juros futura. Em diversas ocasiões, no entanto, a autoridade monetária não conseguiu cumprir o sinalizado no comunicado anterior.

Para os analistas, o documento trouxe muitos detalhes sobre as ponderações dos membros do Copom.

Bertotti, avaliou que o comitê, embora tenha explicado a estratégia de política monetária para as próximas reuniões, aumentou restrições para cortar juros. "O próprio 'foward guidance' vem com muitas condições", disse.

“Não dá para prever quais serão os próximos passos do BC porque são muitas variáveis que afetam a decisão, mas, com a prescrição futura, conseguimos ver o que e como influencia, então fica mais claro para o mercado”, explicou o economista do Itaú.

A ata ressaltou a dificuldade de indicar os rumos futuros da política monetária em países emergentes.

"O Copom discutiu as limitações no uso deste instrumento em países emergentes. Em relação aos pares desenvolvidos, países emergentes são mais suscetíveis a contágio de crises externas e possuem maiores vulnerabilidades nos fundamentos econômicos. Consequentemente, devido à maior imprevisibilidade e volatilidade, o uso de tal instrumento torna-se mais desafiador."

O BC ponderou, no entanto, que, para cumprir a sinalização, as expectativas de inflação de 2021 e, em grau menor, de 2022 devem estar próximas da meta. Além disso, deve haver manutenção do regime fiscal.

O documento deixou de fora a inflação de 2020, que, para o colegiado, deve fechar o ano abaixo do mínimo estabelecido pelo CMN (Conselho Monetário Nacional), de 4%, com tolerância de 1,5 ponto para baixo ou para cima.

O comunicado da decisão também colocou pela primeira vez no horizonte relevante, para quando o comitê entende que a política monetária deve fazer efeito, a inflação de 2022. Os comunicados anteriores citavam apenas 2020 e 2021.

"Satisfeitas as condições necessárias, o Copom não elevaria a taxa de juros, mas poderia reduzi-la", declarou.

Sobre a atividade econômica, os membros do Copom avaliaram que os dados recentes sugerem uma recuperação parcial da economia.

"Os programas governamentais de recomposição de renda têm permitido uma retomada relativamente forte do consumo de bens duráveis e até do investimento. Contudo, várias atividades do setor de serviços, sobretudo aquelas mais diretamente afetadas pelo distanciamento social, permanecem bastante deprimidas", pontuou.

De acordo com o BC, como o fim da pandemia e dos auxílios emergenciais é imprevisível, as incertezas com relação à velocidade da recuperação econômica aumentam.

"O Comitê ponderou que esta imprevisibilidade e os riscos associados à evolução da pandemia podem implicar um cenário doméstico caracterizado por uma retomada ainda mais gradual da economia."

O colegiado considerou que a pandemia deve continuar a ter efeitos distintos sobre os setores econômicos. "A natureza da crise provavelmente implica que pressões desinflacionárias provenientes da redução de demanda podem ter duração maior do que em recessões anteriores."

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