Crédito rural aumenta na pandemia, mas pequeno tem dificuldade para receber

Burocracia e taxa de juros alta estão entre os empecilhos para produtor acessar recursos

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São Paulo

A crise econômica agravada pela pandemia da Covid-19 levou muitos agricultores a sair em busca de renegociação de financiamentos ou novos recursos para recompor o caixa.

Em julho, primeiro mês da safra 2020/2021, as contratações de crédito rural aumentaram 50% na comparação com o mesmo período do ano passado. Foram R$ 24,15 bilhões disponibilizados, segundo dados dos ministérios da Agricultura e da Economia.

A modalidade que mais cresceu no período foi a de investimento, com alta de 110%. Mas foi o custeio, que financia as despesas do ciclo de produção, que ficou com o maior montante: R$ 15 bilhões.

“Essa alta reflete a pandemia. Muitos aguardavam a liberação de recursos da nova safra para recompor seu fluxo de caixa”, afirma Fernanda Schwantes, assessora técnica de política agrícola da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).

Segundo Schwantes, as restrições impostas pela Covid-19, como o fechamento dos canais de distribuição, impactaram especialmente os setores dependentes do mercado interno, que buscaram alongamento de prazos nos financiamentos.

O Plano Safra, do governo federal, prevê R$ 236,3 bilhões em crédito rural para o ciclo que começa neste segundo semestre, uma alta de 6,1% em relação ao anterior.

Os bancos públicos e privados seguem como os principais agentes desse segmento, com 54% e 26% de participação no total liberado, respectivamente. Na última safra, contudo, as cooperativas financeiras foram as únicas a ampliar sua participação, de 17% para 18% do dinheiro emprestado.

Operando tanto com recursos próprios quanto de fontes federais, como o BNDES, as cooperativas têm sido alternativa para os produtores que não conseguem empréstimos nas instituições tradicionais.

O agrônomo Pedro Furtado, 36, recorreu a uma cooperativa para levantar R$ 80 mil para o custeio da plantação de maracujá e pitaia que mantém com os irmãos, Vitor, 38, e Helena, 42, em São João Nepomuceno (MG).

A família começou o pomar com recursos próprios, em meio hectare, mas para ampliar a área para 20 hectares, foi atrás da linha federal Pronamp (Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural) em um banco público, no início do ano. “Disseram que não tínhamos um histórico de crédito suficiente”, lembra Pedro.

No Sicoob (Sistema de Cooperativas de Crédito do Brasil), eles conseguiram o dinheiro, mas terão que pagar uma taxa de juros de 8% ao ano —no Pronamp, é equivalente a 5% ao ano na safra atual.


O diretor executivo comercial e de canais do Sicoob, Francisco Reposse Júnior, comenta que houve aumento de 55% nos desembolsos da instituição em julho, na comparação com o mesmo mês do ano passado. “Liberamos R$ 1 bilhão em crédito. A meta é fechar a safra em R$ 16 bilhões.”

No Sicredi (Sistema de Crédito Cooperativo), o plano é disponibilizar R$ 22,9 bilhões no ciclo de 2020/2021, alta de 12% na comparação com o período anterior.

Os bancos tradicionais também planejam destinar mais dinheiro ao agronegócio. A carteira de crédito ampliada do Santander (que considera recursos obrigatórios e livres, BNDES, Funcafé e os títulos CPR, CDCA e CRA) teve aumento de 20,4% em junho, na comparação com o mesmo mês de 2019.

O Banco do Brasil contratou R$ 46,4 bilhões entre janeiro e julho. O volume representa crescimento de 21,5% em relação aos R$ 38,2 bilhões do mesmo período de 2019.

A oferta de crédito rural ganhou peso neste ano também pela Lei do Agro, sancionada em abril, que estabeleceu novas formas de garantias. “Isso aumentou o interesse dos bancos privados”, comenta Rodrigo Damásio, da Damásio Consultoria e Recuperação Judicial, que trabalha com agronegócio.

A taxa de juros, contudo, ainda é um empecilho. O presidente da ABNC (Associação Brasileira de Nozes e Castanhas), José Eduardo Camargo, diz que o juro real ainda está muito alto para o produtor agrícola, considerando que a taxa Selic atingiu o seu menor patamar histórico, em 2% ao ano.

A taxa do crédito média para custeio, por exemplo, está em 4,33% anuais, segundo cálculo da CNA. Na safra passada, os juros eram de 6,01% ao ano.

A burocracia é outro empecilho no crédito ao pequeno produtor, afirma Douglas de Castro, do escritório Cerqueira Leite Advogados, que atua no agronegócio. Muitas vezes, diz ele, a demora nas liberações prejudica o proprietário rural, que tem prazos para o início do plantio ou da colheita.


Além disso, segundo Castro, há muitas linhas de crédito disponibilizadas que não chegam até o pequeno e médio produtor, seja por falta de acesso aos bancos ou por desconhecimento dos recursos existentes.

Wagner Ricardo Turcato, que produz soja e milho em Guaíra, interior de São Paulo, diz que não teve dificuldades em contratar R$ 1,2 milhão a uma taxa de 6% ao ano para custeio de sua plantação de 600 hectares. O financiamento foi feito em março passado, no Banco do Brasil, com recursos do BNDES.

Porém, quando questionou a instituição sobre crédito para a aquisição de terras, ouviu que não existia essa opção. “O sistema ainda é muito burocrático e difícil de conseguir recursos”, diz Turcato.

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