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Reforma tributária

Dá para fazer reforma tributária numa crise abissal?

Seria melhor seguir caminho dos europeus, que para sair da crise deverão emitir títulos para pagamento em 30 anos

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Fernando Facury Scaff

Professor titular da Faculdade de Direito da USP e advogado

Como regra, existem três grandes bases impositivas para que sejam cobrados tributos: renda, propriedade e consumo. Um bom governo, sob a ótica financeira, pressupõe respeito à capacidade contributiva de seus cidadãos, isto é, que arrecade mais de quem ganha ou possui mais bens ou dinheiro, e arrecade menos de quem menos possui. Pelo lado dos gastos, é necessário que o governo também respeite a capacidade receptiva das pessoas, isto é, gaste mais com quem mais necessita dos serviços públicos por ele prestados.

Olhando apenas para a receita pública, dificilmente haverá quem esteja satisfeito com o atual sistema tributário brasileiro, pois arrecada mais de quem ganha menos.

Visando reformar o sistema, o Ministério da Economia optou por fatiar seu projeto, tendo enviado ao Congresso apenas uma parte da tributação do consumo. Da tributação sobre a renda só se sabe por entrevistas; e sobre as propriedades, nem um pio.

A tributação do consumo tem duas características. É cobrada de modo invisível, pois embutida no preço das mercadorias e serviços adquiridos. E é regressiva, sem análise de capacidade contributiva, uma vez que um quilo de feijão tem a mesma carga tributária, seja consumido por ricos ou pobres –porém, para o rico, um quilo de feijão custa relativamente pouco, e para o pobre custa muito. A proposta já enviada aumenta a carga tributária, embora o governo negue– todos sempre negam. Aumentará o preço do que todos consomem, seja comprando feijão, seja indo ao cabelereiro.

Além disso, fala-se em ressuscitar a CPFM, xodó do governo –mais aumento de tributo para todos, seja rico ou pobre– independente da capacidade contributiva.

Por outro lado, é divulgado que haverá redução de alíquota do imposto sobre a renda, justamente aquele que melhor permite a apuração da capacidade contributiva. E fala-se em acabar com o abatimento dos gastos com saúde exatamente no ano da pandemia. Pode?

Afinal, o que pretende o governo? Ao fatiar sua proposta nos deixa ver apenas árvores isoladas, e não a floresta. Será essa a estratégia?

Aparentemente chegamos ao fundo do poço, mas nele pode haver um alçapão. Hoje, mal ou bem, as cadeias produtivas estão estruturadas sobre uma base conhecida, embora ruim. O risco é caminharmos para bases desconhecidas, ruins e mais caras, desestruturando diversos elos dessas cadeias.

Em um momento de abissal queda de atividade econômica, com PIB negativo, será adequado trilhar esse caminho? Simplificar o sistema sempre será bem-vindo, mas o reformar completamente, no meio da crise e com os governos quebrados, acarretará aumento de carga tributária, o que inibe investimentos e crescimento, além de aumentar a incerteza e a desigualdade.

Seria melhor seguir o caminho dos europeus, que para sair da crise se endividarão em bloco, emitindo títulos no valor de 750 bilhões de euros, para pagamento em 30 anos. Nada de reforma tributária por lá neste momento.

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