Inflação baixa freia alta do salário mínimo e contém gastos do governo

Piso salarial e benefícios, como aposentadorias, devem subir menos do que o projetado em abril

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Brasília

O recuo nos índices de inflação neste ano deve levar a um reajuste menor do salário mínimo em 2021 e trazer alívio às contas do governo.

Com os efeitos da pandemia do novo coronavírus, o Ministério da Economia revisou —para baixo— a projeção de alta nos preços neste ano.

Assim, o piso salarial do país e os benefícios atrelados à inflação, como aposentadorias e pensões, devem subir menos do que o divulgado pelo governo em abril.

Ministro da Economia, Paulo Guedes em cerimônia de sanção de medidas provisórias de facilitação de acesso ao crédito, no Palácio do Planalto
Ministro da Economia, Paulo Guedes em cerimônia de sanção de medidas provisórias de facilitação de acesso ao crédito, no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira/Folhapress

Nas diretrizes para o Orçamento, a equipe econômica previu o salário mínimo em R$ 1.079 no ano que vem, após reajuste de 3,19% do INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor).

No cenário mais recente, o governo agora espera que o índice fique menor, perto de 2%, o que reduzirá o valor do piso salarial no ano que vem para cerca de R$ 1.067.

Como o salário mínimo (hoje em R$ 1.045) e a inflação são atrelados a uma série de despesas obrigatórias do Executivo, a economia estimada é de R$ 720,8 milhões para cada 0,1 ponto percentual no INPC.

Com o valor R$ 12 mais baixo na estimativa de salário mínimo, o governo poupará cerca de R$ 7,9 bilhões em relação à estimativa anterior.

Esse cálculo considera o efeito da inflação sobre despesas no valor do salário mínimo, como abono salarial e BPC (assistência a idosos carentes e deficientes físicos), e também o impacto em benefícios que ficam acima do piso salarial.

Além de corrigir o salário mínimo, o INPC é usado para reajustar pagamentos do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e do seguro-desemprego, por exemplo.

Hoje o teto do INSS é de R$ 6.101,06. A parcela máxima do seguro-desemprego, que foi corrigida pelo INPC de 2019, é de R$ 1.813,03.

Esses valores, portanto, também serão automaticamente reajustados em janeiro de acordo com o índice de inflação a ser medido no encerramento de 2020.

O alívio nos gastos atrelados ao INPC, porém, não significa uma abertura no Orçamento para novas despesas no mesmo valor.

Como o teto de gastos também é atrelado à inflação, a margem da regra será ampliada em proporção menor em 2021. O teto é uma norma prevista na Constituição que limita o crescimento das despesas públicas à inflação.

“Muitas pessoas falam que a inflação está muito baixa e isso pode dificultar o cumprimento do teto. Isso não é verdade”, disse o secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal, em videoconferência na semana passada.

“À medida em que a inflação é baixa e o aumento [do teto] é baixo, muitas despesas são indexadas e acabam crescendo menos. O espaço que se perde acaba que é muito pequeno”, afirmou.

Para o economista e professor da PUC-Rio José Márcio Camargo, essa balança pesa, sim, contra o governo.

Segundo ele, como apenas uma parcela do Orçamento é indexada, uma redução da expectativa para a inflação tende a comprimir o teto de gastos em maior proporção do que a economia efetiva do governo com despesas. “No fim das contas, a conta do governo fica mais pressionada”, disse.

O ministro Paulo Guedes (Economia) quer corrigir o piso salarial para o próximo ano apenas pela inflação, medida pelo INPC, como fez em 2020, quando encerrou o ciclo de reajustes com ganhos reais.

A equipe econômica do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) está convencida de que o aumento real —acima da inflação— não é adequado para os próximos anos, diante do aperto para fechar o Orçamento.

A política de reajuste do salário mínimo acima da inflação, segundo economistas críticos à medida, causou distorções na estrutura produtiva do Brasil. Para eles, ela remunerou artificialmente o trabalho acima de sua qualificação.

Camargo concorda com a estratégia do governo de não conceder reajuste real. Segundo ele, atualmente, o custo de um trabalhador no Brasil já é mais alto do que a produtividade média do país.

“Nenhum empresário contrata um trabalhador cujo valor de sua produção seja menor do que o custo de sua contratação. Quando o salário mínimo cresce a esse ponto, ou ele contrata informalmente ou não contrata”, afirmou.

Segundo o economista, como muitas despesas do governo são atreladas ao mínimo, aumentos reais no cenário atual poderiam comprometer ainda mais a saúde das contas públicas.

A opinião, no entanto, não é unânime. A supervisora de Produção Técnica do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), Patrícia Lino Costa, por exemplo, discorda.

Para ela, a justificativa de que o reajuste pressiona o Orçamento do governo não se sustenta.

“É um argumento que se usa comumente, e aí a gente vê a prioridade do governo. Você pode cortar gastos em outros locais. O que tem sido feito são cortes em saúde, educação e o fim da política de reajuste do salário mínimo, quando você poderia cortar em outras áreas sem penalizar a população”, disse.

A economista afirmou que mesmo a correção pela inflação acaba por empobrecer as pessoas de menor renda. Segundo ela, dentro do índice de inflação, os preços de itens relevantes para o orçamento das famílias de baixa renda, como alimentos, energia elétrica e transporte, costumam subir com mais força.

Estudo do Dieese aponta que em São Paulo um trabalhador conseguia comprar 2,1 cestas básicas com um salário mínimo em 2017. Neste ano, o salário mínimo compra 1,99 cesta, o que indica uma perda de poder de compra apesar da correção do piso nacional pela inflação.

A Constituição prevê que o piso salarial tem de ser capaz de atender a necessidades básicas com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos para preservar o poder aquisitivo.

Segundo o Dieese, o salário mínimo ideal deveria ser de R$ 4.420,11 para uma família de dois adultos e duas crianças. O piso atual (R$ 1.045) representa menos de 25%.

Essa proporção é superior à de 2000: R$ 936,12 e R$ 151 (16%), respectivamente.

Os dois lados dessa comparação foram se aproximando nos anos em que foi concedido aumento real do salário mínimo. Essa política durou 25 anos, iniciada após a adoção do Plano Real, mas foi interrompida na gestão Bolsonaro.

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